terça-feira, 13 de agosto de 2024

Professor da USP vai à Justiça questionar uso de terras por estrangeiros na Raízen, BP e Bunge, FSP

 

São Paulo

O professor Rodrigo Monteferrante Ricupero, do Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), entrou na Justiça para questionar grande empresas, com sócios ou controladores estrangeiros, sobre o uso de terras rurais.

Em todos os casos, ele adotou o instrumento da ação popular, solicitando, entre outras medidas, a suspensão de negócios já firmados, alegando que não foram submetidos à análise do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) ou ao Congresso Nacional, como manda a lei.

São cinco ações. Algumas acionam não apenas a empresa, mas também seus parceiros. Quatro estão na Justiça Federal de São Paulo e têm como alvo principal BP Bunge Bioenergia, Bracell, BrasilAgro e Raízen. Outra está Rio Grande do Sul, contra a SLC Agrícola.

Vista do pivot central de irrigacao de cana-de-açúcar que abastece a usina da BP Bunge Bioenergia em Pedro Afonso, no norte de Tocantins; investimentos da empresa ajudaram a abrir a nova fronteira do Brasil conhecida como Mapito, divisa dos estados do Maranhao, Piaui e Tocantins - 27.11.2011 - Apu Gomes/Folhapress

Na sexta-feira (9), o juiz federal Paulo Cezar Neves Junior deu andamento a ação da BP Bunge. Decidiu ser imprescindível ouvir instituições públicas antes de avaliar o pleito. Intimou o Incra e a União a se manifestarem em 15 dias e determinou que o caso chegue ao Ministério Publico Federal.

A ação pode praticamente paralisar a empresa. Pede a suspensão dos administradores estrangeiros ou indicados por eles; a suspensão de distribuição de dividendos ou juros sobre capital próprio a estrangeiros e pessoas que os representem; quer que a empresa seja proibida de adquirir novas propriedade rurais ou fazer arrendamentos sem prévia autorização e que nenhum estrangeiro possa movimentar os ativos da empresa.

A ação também pede a suspensão do acordo de acionistas entre BP e Bunge.

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A joint venture entre as empresas foi criada em 2019, reunindo negócios de bioenergia e etanol de cana dos parceiros, chegando a um total de 11 usinas nas regiões Sudeste, Norte e Centro-Oeste. Agora, está no meio de uma transição importante. Em junho, a Bunge assinou o acordo que selou a venda de sua participação de 50% para a parceira.

Procurada pela Folha, a BP Bunge Bioenergia não comentou o processo até a publicação deste texto.

Em conversa com a reportagem, a advogada dos cinco processos, Noirma Murad, afirmou que seu cliente está preocupado com a soberania nacional por ser um estudioso do tema. Afirmou ter solicitado ao Incra e ao Congresso informações sobre as empresas, e disse que nenhuma delas submeteu suas terras rurais e negócios a análises dessas instituições. "Ninguém é contra estrangeiros, mas a lei precisa ser cumprida", afirmou. Segundo ela, existem outras na mesma condição.

Folha também tentou contato com Ricupero, mas não obteve retorno.

O professor é conhecido no meio jurídico por ser afeito a processos. A base de dados de acompanhamento processual informa que seu nome está em 753 ações, na maioria das vezes como autor. Já processou dezenas de prefeituras e políticos. Na lista estão Fernando Henrique Cardoso, Delfim Netto e Aloizio Mercadante.

Essa nova leva de ações populares, no entanto, ocorre no contexto de forte cobrança sobre a aplicação da lei que rege a compra e o arredamento de terras rurais.

No caso mais estridente, a Paper Excellence, do indonésio Jackson Wijaya, é alvo de questionamentos no que se refere à compra da Eldorado, do grupo J&F, da família Batista, apesar de o negócio não ter sido concluído até hoje.

As cinco ações citam o caso da Eldorado. "As notícias da Eldorado vieram ao encontro dos estudos [de Ricupero], como caso concreto levado ao Judiciário", diz Murad.

Numa das frentes de discussão, a Paper responde justamente a uma ação popular sobre a questão, apresentada, em maio de 2023, pelo ex-prefeito de Chapecó (SC), Luciano José Bulligon, político do União Brasil.

A ação popular pode ser utilizada por qualquer cidadão quando entende que um bem público corre risco. No ambiente normal, é caro brigar na Justiça, mas a ação popular é gratuita e com prazo longo. Se o próprio autor desistir da ação, ela será acompanhada pelo Ministério Público.

No que se refere a Paper, o Incra tem sido enfático em cobrar autorização prévia para o negócio com a J&F. O órgão foi incitado a se manifestar após uma denúncia anônima de que a empresa não cumpriu a lei.

Segundo advogados ouvidos pela Folha, que preferiram não ter o nome citado, desde a mudança do entendimento legal sobre o tema, em 2010, que limitou a compra e o arrendamento de terras por empresas análogas a estrangeiras, o mercado buscou alternativas para lidar com terras rurais. Assim como existe planejamento tributário, foi desenvolvido planejamento fundiário.

As alternativas atendem a lei, e muitas delas evitam que o negócio precise ser levado ao Incra ou Congresso. Advogados que avaliaram as ações do professor afirmam que são bem escritas, mas carecem de alguns dados importantes, como matrículas dos imóveis questionados. Cada empresa terá de explicar como lida com imóveis rurais e detalhar a posição acionária do sócio brasileiro, caso os processos avancem. Não dá para prever desfechos.

No entanto, essa nova leva de ações, avaliam os especialistas, mostra que o caso da Paper pode ter repercussões sistêmicas, o que reforça a necessidade de se chegar a uma definição sobre a legislação. A insegurança jurídica está aumentando, reverberando negativamente sobre investidores de setores como agropecuária, papel e celulose e bioenergia, que estão entre os mais dinâmicos da economia.

O ideal, afirmam, é que o STF (Supremo Tribunal Federal) julgue a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 342 para evitar interpelações como se tem visto. Nela, a Sociedade Rural Brasileira questiona a interpretação de que empresa registrada no Brasil, com controle estrangeiro, deixe de ser brasileira —o cerne da discussão.

As demais empresas acionadas nas ações populares afirmam que cumprem a lei vigente.

A assessoria de imprensa da Bracell enviou nota afirmando que "suas operações estão em conformidade com as leis e legislações brasileiras". Disse ainda que atua há mais de 20 anos no país, já tendo investido mais de R$ 30 bilhões.

"Os investimentos são de longo prazo e geram emprego e renda para mais de 25 mil colaboradores no Brasil, dos quais 11 mil são empregados diretos", afirmou.

A BrasilAgro reforçou que é uma empresa brasileira de capital aberto, listada na B3, Bolsa de Valores de São Paulo, há mais de 15 anos.

"A companhia produz alimentos, fibras e contribui para a diversificação da matriz energética do país por meio da produção de biomassa da cana-de-açúcar. Reconhecida como uma das melhores empresas para se trabalhar, integra o Novo Mercado, segmento de listagem que reúne companhias com os mais elevados padrões de governança."

A Raízen informou que não recebeu nenhuma citação desta ação, e destacou que "a companhia atua em conformidade com a legislação vigente e que se manifestará oportunamente, se vier a receber demanda judicial em tal sentido."

A SLC também disse que não foi citada e, portanto, ainda não tem conhecimento do conteúdo da ação. "Assim que a empresa tomar ciência do teor do processo, serão utilizados os meios adequados para responder aos questionamentos e promover os esclarecimentos dos fatos", destacou em nota.

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Por que o Brasil tem energia barata e conta de luz cara? Veja gráficos e entenda o paradoxo, OESP

 


BRASÍLIA – Especialistas no setor elétrico são unânimes em dizer que o Brasil é o país da energia barata e da conta de luz cara – e o fator-chave por trás desse fenômeno é o acúmulo de subsídios. Esses incentivos, bancados pelos consumidores, mais que dobraram em cinco anos e já representam 13,5% da fatura mensal.

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Preocupado com os índices de aprovação aquém do esperado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está debruçado sobre o tema. A determinação é para que os ministros encontrem caminhos de reduzir os custos ao consumidor final, insatisfeito com o peso dessa conta no orçamento doméstico.

“Esse é o nosso paradoxo e não é de hoje. O nosso custo de geração de energia está entre um dos mais baixos do mundo. Ocupamos a terceira posição global em capacidade instalada de fontes renováveis, atrás apenas de China e Estados Unidos. Mas a nossa conta de luz é uma das que mais pesam no bolso do consumidor”, afirma Katia Rocha, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Dados compilados pela Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), a pedido do Estadão, mostram que o preço da energia no mercado regulado subiu 61% nos últimos onze anos. Já a tarifa média no País saltou 153% no mesmo período, mais que o dobro. O gráfico (veja acima) evidencia uma “boca de jacaré” se abrindo ao longo dos anos, com o valor do insumo se distanciando cada vez mais do montante pago pelos usuários finais.

“Enquanto os custos de geração nova em alguns momentos até diminuíram, os valores arcados pelos consumidores não param de crescer”, frisa Carlos Faria, diretor-presidente da Anace. “A principal razão para esse descompasso é que há uma série de custos indiretos relativos a subsídios, aprovados por leis e medidas provisórias, que fazem com que os consumidores paguem bem mais caro pela energia que consomem”, diz.

Subsídios que integram conta de luz e pesam no bolso foram aprovados pelo Legislativo em meio a fortes lobbies
Subsídios que integram conta de luz e pesam no bolso foram aprovados pelo Legislativo em meio a fortes lobbies Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aponta que os subsídios mais que dobraram em cinco anos, alcançando R$ 40,3 bilhões em 2023 – cifra equivalente a todo o orçamento do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Para o consumidor, isso significa que mais de 13% da conta paga mensalmente é referente apenas a subsídios. Em 2018, essa fatia era de 5,5%.

Há incentivos, por exemplo, a energias fósseis, que são mais caras e poluentes, como é o caso das térmicas a carvão. Ou então a áreas com pouca ou nenhuma relação com a conta de luz, como irrigação e aquicultura.

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“É um contrassenso, em uma época em que o Brasil tenta se descarbonizar, perpetuar a contratação de energia proveniente do carvão mineral”, afirma a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace) em documento que propõe ampla reestruturação do setor.

Na ponta oposta, a disparada do benefício às energias eólica e solar, por meio das chamadas fontes incentivadas, também é motivo de alerta. Esses incentivos cresceram 171% nos últimos cinco anos, segundo a Aneel.

“Qualquer planta nova de eólica e solar paga metade de Tust e Tusd (tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição), sendo que esse já é um setor maduro, que não precisaria mais de tanto subsídio”, pondera o professor da UFRJ Nivalde de Castro, que é coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel).

Segundo ele, esse modelo de subsídios tem gerado distorções preocupantes. “Hoje, o País está expandindo a geração de eólica e solar, inclusive batendo recordes nessas áreas, não com base em planejamento, mas sim de olho nas vantagens oferecidas pelos incentivos”, diz Castro.

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A consequência, explica o especialista, é que a oferta cresce, mas a demanda não acompanha, obrigando o Operador Nacional do Sistema (ONS) a realizar cortes de carga, o que afeta a receita das demais empresas geradoras. “Ou seja, a orquestra está desafinada”, resume o professor.

Os questionamentos se estendem à geração distribuída, incentivo criado para permitir a instalação de sistemas próprios de mini ou microgeração, como painéis solares. Com isso, o consumidor reduz a demanda e obtém desconto com a injeção do excedente na rede.

“A geração distribuída está bombando em busca de subsídios”, afirma Castro. Entre 2018 e 2023, esses subsídios cresceram 11.635% e superaram a cifra de R$ 7 bilhões.

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“Como consequência, as distribuidoras estão tendo de fazer grandes investimentos na rede. Só que esses aportes só são remunerados quando são reconhecidos na revisão tarifária periódica, que acontece de quatro em quatro anos. Então, as distribuidoras já avaliam entrar na Justiça para pedir revisões extraordinárias”, alerta o professor.

Esse subsídio também é visto como regressivo, uma vez que as famílias mais pobres acabam arcando com os benefícios concedidos às mais ricas, que têm grandes telhados para instalar painéis solares, por exemplo.

Há, ainda, o debate sobre se a conta de luz deveria ou não bancar políticas públicas, como os programas Tarifa Social e Luz para Todos. No entendimento de parte dos técnicos, essas iniciativas deveriam constar do Orçamento federal em vez de serem embutidas na fatura. A Abrace, por exemplo, sugere que haja uma migração gradativa dos custos ao Tesouro Nacional ao longo de dez anos, período no qual todos os subsídios deveriam ser reavaliados.

“A gente teria de analisar subsídio por subsídio, para limpar essa conta e deixar apenas o essencial”, afirma Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética. “A tarifa já está cara e a tendência é ficar ainda mais, extrapolando a capacidade de pagamento das famílias, além de tirar a capacidade competitiva da nossa indústria”, alerta a pesquisadora.

‘Jabutis’ distorcem política energética

Muitos desses subsídios que hoje integram a conta de luz e pesam no bolso foram aprovados pelo Legislativo em meio a fortes lobbies de empresas e segmentos, com o apoio de parlamentares tanto do governo como da oposição.

“Hoje, é o Congresso quem dita a política energética do País por meio dos ‘jabutis’ colocados em MPs (medidas provisórias) e PLs (projetos de lei)”, afirma Castro, da UFRJ. Os “jabutis” citados pelo docente são uma referência às emendas, que mesmo sem nenhuma relação com o tema original de medidas provisórias e projetos de lei, são incluídas e aprovadas pelos parlamentares.

O exemplo mais recente é o marco regulatório das eólicas offshore (em alto-mar), ampliado na Câmara para contemplar, dentre outros interesses, a prorrogação de benefícios às usinas a carvão. Essas benesses, caso sejam mantidas pelo Senado, farão com que o consumidor pague uma conta de luz a mais por ano, como mostrou o Estadão.

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Nesta terça-feira, 13, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, participa de audiência na Câmara dos Deputados e deverá tratar do assunto. Na semana passada, o titular da pasta afirmou que um projeto de reformulação do setor elétrico será entregue até setembro e que contemplará a questão dos subsídios.

Em entrevista ao Estadão, em maio, o ministro defendeu que cerca de R$ 15 bilhões em incentivos embutidos na conta de luz sejam transferidos ao Orçamento federal – sem especificar, contudo, de onde viria a receita para bancar esse aumento de gasto.

Em uma estratégia mais de curto prazo, o governo decidiu antecipar recursos da privatização da Eletrobras para reduzir custos embutidos na conta de luz e, dessa forma, aliviar o bolso do consumidor final. A antecipação de quase R$ 8 bilhões já foi formalizada, e Silveira não descartou novas operações nesse formato.

De forma contraditória, porém, a medida provisória que possibilitou essa engenharia financeira também prorrogou subsídios da ordem de R$ 6 bilhões por ano, como revelou o Estadão. Ou seja, aliviou de um lado, mas pesou de outro.

Além disso, especialistas afirmam que não se trata de medida estrutural – a mesma crítica que é feita ao possível uso de recursos do petróleo, hipótese citada pelo ministro na semana passada. Segundo Silveira, o governo avalia usar parte dos R$ 17 bilhões levantados pelo governo nos leilões da PPSA para bancar parte dos benefícios da conta de luz e, assim, desonerar o consumidor.

“No nível tarifário que a gente está hoje, qualquer refresco é refresco. Mas não é uma saída estrutural e nem estruturante”, diz Rosana, do Instituto E+.

“E mais: uma das grandes causas de a tarifa estar alta é a construção e o despacho de termelétricas. Elas são necessárias, mas até certo ponto. Então, se o uso desse óleo e gás for incentivado via introdução artificial de termelétricas no sistema brasileiro, o que nós estaremos fazendo é rodar atrás do próprio rabo”, diz a pesquisadora, ao frisar que isso significaria, novamente, dar com uma mão e tirar com outra.