segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Delfim Netto morre em SP aos 96 anos, g1

 Por g1 SP e TV Globo

 

Delfim Netto em foto de 2015 — Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Delfim Netto em foto de 2015 — Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Antônio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento e ex-deputado federal, morreu na madrugada desta segunda-feira (12), aos 96 anos. Ele foi um dos mais influentes economistas do país, com papel fundamental para o chamado "milagre econômico" da ditadura militar e influência em governos de direita e de esquerda após a redemocratização.

Delfim Netto estava internado desde o dia 5 de agosto no Hospital Albert Einstein, na Zona Sul de São Paulo, por conta de complicações em seu quadro de saúde. A assessoria dele não informou o motivo da internação.

O ex-ministro deixa uma filha e um neto. Não haverá velório aberto, e o enterro será restrito aos familiares.

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Delfim Netto foi figura central na vida política e econômica do Brasil nas últimas décadas

Um dos mais influentes economistas do país, Delfim Netto foi o mais jovem ministro da Fazenda a ocupar o cargo. Ele tinha 38 anos quando assumiu a pasta, em 1967, e comandou a economia nos governos militares de Costa e Silva e Médici. Foi um dos responsáveis pelo chamado "milagre econômico" e também um dos ministros que assinaram, em 1968, o Ato Institucional número 5, o AI-5, o mais repressivo da ditadura militar.

O ex-ministro também ficou conhecido por incentivar o investimento estrangeiro no Brasil e as exportações do país. É dessa época uma de suas frases mais emblemáticas: "É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo".

"Não teve milagre nenhum. O milagre é efeito sem causa. Nossos brasileiros trabalharam, cresceram. Todo mundo melhorou. Uns melhoraram mais que outros. É por isso que se diz que não, a distribuição de renda piorou. A distribuição de renda, o índice mede distância entre pessoas. A distância entre pessoas cresceu, mas todos melhoraram", afirmou Delfim Netto em entrevista de 2014.

Após deixar o cargo na Fazenda, ocupou o posto de embaixador do Brasil na França, em 1975, durante o governo de Ernesto Geisel. No governo de João Figueiredo, assumiu o Ministério da Agricultura e, em seguida, o do Planejamento. Depois da redemocratização, foi eleito deputado federal por cinco mandatos consecutivos e permaneceu como figura de destaque nos meios econômico e político, tendo sido, inclusive, conselheiro de presidentes petistas e de empresários.

Papel nos governos militares e após redemocratização

Neto de imigrantes italianos, Antônio Delfim Netto nasceu em 1928 e cresceu no Cambuci, bairro operário da região central de São Paulo.

Ele se formou na terceira turma do curso de economia da Universidade de São Paulo, em 1951, foi professor assistente e se tornou catedrático em 1963. Recebeu o título de professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

Delfim Netto foi um dos mais longevos ministros da Fazenda do país, cargo que assumiu um ano após ter sido nomeado secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Ele permaneceu no comando do ministério entre 1967 e 1974. Foi durante esse período que o país viveu o período de forte expansão da economia, conhecido como "milagre econômico".

Após deixar a Fazenda, ele se tornou embaixador do Brasil na França (1975-1977). Em 1979, assumiu o Ministério da Agricultura, para depois ficar no comando do Ministério do Planejamento entre 1979 e 1985.

Como ministro do Planejamento, na década de 1980, comandou a economia brasileira durante a segunda maior crise financeira mundial do século 20, causada pelo choque dos preços do petróleo e pela elevação dos juros americanos para quase 22% ao ano.

Após o fim do regime militar, participou das eleições em 1986 e se elegeu deputado constituinte. Foi reeleito para a Câmara dos Deputados por outros quatro mandatos consecutivos.

Na gestão Fernando Henrique Cardoso, elogiou as privatizações e a abertura econômica. Neste período, se tornou presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, aumentando ainda mais a influência nos debates econômicos.

Delfim se tornou um dos principais conselheiros econômicos nos primeiros governos de Lula e no de Dilma Rousseff. Também ajudou Michel Temer na formação de uma nova equipe.

Escândalo financeiro e Lava Jato

Ainda na década de 1980, Delfim Netto se viu envolvido em um escândalo financeiro do regime militar. Ele foi acusado de desviar recursos públicos na forma de empréstimo da Caixa Econômica Federal ao empresário Assis Paim, dono do grupo Coroa-Brastel.

O grupo emitiu letras de câmbio sem lastro, provocando um rombo, à época, de 231 bilhões de cruzeiros, o equivalente a mais de 300 milhões de reais. Em 1994, Delfim foi absolvido das acusações pelo Supremo Tribunal Federal.

Ele também foi alvo da operação Lava Jato em 2018. Segundo o Ministério Público, o economista recebeu propina das construtoras que venceram a licitação da Usina Belo Monte. Á Polícia Federal, Delfim negou as acusações e disse que fez serviços de consultoria à empresa.

Mais de 10 livros publicados e doação à USP

Em 2014, Delfim Netto doou para a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) sua biblioteca pessoal, com um acervo de mais de 100 mil livros e 90 mil revistas, acumulados em quase oito décadas. Foram incluídas obras históricas com livros originais de Adam Smith e John Keynes. Também foi doado seu mobiliário, criando um espaço que reproduz sua sala de leitura.

O ex-ministro tem mais de 10 livros publicados sobre problemas da economia brasileira e centenas de artigos e estudos.

Ele escrevia semanalmente para os jornais "Folha de S.Paulo" e "Valor Econômico" e para a revista "Carta Capital". Seus artigos eram também publicados regularmente em cerca de 70 periódicos de todo o país.

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Delfim Netto foi figura central na vida política e econômica do país nas últimas décadas


Moradia digna é condição para a cidadania, Dimas Ramalho*




Mesmo consagrado na Constituição e reafirmado em legislações posteriores, o direito à moradia adequada está longe de ser uma realidade para todos. Ainda hoje, dezenas de milhões de brasileiros vivem em situação precária, habitando casebres frágeis, cômodos abarrotados, áreas irregulares, ou, pior, sem nem ao menos poderem contar com um teto.

Esse problema social dramático é expresso, em termos quantitativos, por meio do conceito de déficit habitacional, cujos dados mais recentes vieram a público em maio. Segundo a Fundação João Pinheiro, responsável pelo cálculo oficial do índice, em 2022, o déficit alcançou a indecente marca de 6.215.313 domicílios, ou 8,3% de todas as habitações ocupadas do país. O número corresponde a um crescimento de 4,2% com relação ao dado anterior, de 2019.

Em valores absolutos, São Paulo e Minas Gerais ocupam o topo da lista, com déficits de 1,2 milhão e 556 mil moradias, respectivamente. Na outra ponta aparecem os estados de Roraima, com 30,9 mil, e do Acre, com 28,7 mil. Já o déficit habitacional relativo, isto é, proporcional ao total de domicílios ocupados, se concentra sobretudo na região Norte, com Amapá (18%) e Roraima (17,2%) à frente. Os menores índices se encontram no Rio Grande do Sul (5,9%) e no Espírito Santo (6,3%).

Mas o que esses indicadores todos querem dizer exatamente? De modo geral, o déficit expressa a noção mais imediata e intuitiva do número de moradias necessárias para solucionar as demandas habitacionais básicas da população. Ele tem o papel de dimensionar a quantidade de domicílios incapazes de atender o direito de acesso a um lar minimamente adequado e, dessa forma, acaba por nos fornecer a medida do descumprimento desse direito fundamental.

O déficit habitacional se desdobra em três variáveis: habitações precárias, composta de domicílios rústicos ou improvisados; coabitação, constituída por moradias do tipo cômodo e por aquelas com mais de uma família em situação de adensamento e, finalmente, ônus excessivo com aluguel urbano, caso dos domicílios com renda de até três salários mínimos que despendem mais de 30% do que ganham com a locação.

Regionalmente, as habitações precárias são mais comuns no Norte e no Nordeste, com o Maranhão (211 mil) e a Bahia (199 mil) apresentando os maiores valores absolutos. No Maranhão, que também lidera esse indicador em termos proporcionais, ele representa 66,2% do déficit. Em seguida vem o Amapá, com 61,8%.

A coabitação, por sua vez, é encabeçada pelos estados de São Paulo (262 mil) e do Pará (145 mil), com maior prevalência na região Norte. No caso do ônus excessivo com aluguel, a maior concentração, em valores absolutos, está em São Paulo (927 mil) e no Rio de Janeiro (319 mil). Já em termos de participação relativa ao total de domicílios em déficit habitacional, o predomínio também se dá nas áreas mais ricas do país, com o Distrito Federal à frente.

Além do déficit, a Fundação João Pinheiro calcula também o índice de inadequação domiciliar, formado por imóveis cujas deficiências prejudicam a qualidade de vida dos seus moradores. Trata-se de habitações que necessitam de algum tipo de melhoria na infraestrutura urbana, que estão situadas em localidades desprovidas de serviços públicos essenciais, como esgotamento sanitário, energia elétrica e coleta de lixo, ou que se encontram em situação fundiária irregular.

Assim, diferentemente do déficit, que remete às necessidades de reposição ou mesmo de construção de novas moradias, a inadequação pode ser reduzida, ou até eliminada, se os atributos que estão faltando ou que são ofertados de forma precária forem fornecidos ou melhorados.

A inadequação, entretanto, se parece um problema de resolução um pouco mais simples do que o déficit, compreende, por outro lado, um número muito maior de imóveis. Encontram-se nessa categoria 26,5 milhões de moradias, onde residem principalmente trabalhadores de baixa renda, mulheres e negros. Isso representa nada menos que 4 em cada 10 domicílios do país!

Ao mesmo tempo em que tantos e tantos imóveis se mostram impróprios para serem habitados, existe, paradoxalmente, uma quantidade imensa de moradias vagas. Segundo o último censo, o Brasil tem 11,4 milhões de casas e apartamentos vazios. Só na cidade de São Paulo, 590 mil domicílios estão nessa situação.

Esse estado de coisas revela não apenas a má distribuição das moradias nacionais como também evidencia as dificuldades da população mais pobre para acessar o estoque habitacional existente. Desde 2001, contudo, o Estatuto da Cidade dá aos municípios instrumentos para enfrentar essa situação e promover a chamada função social da propriedade, caso do IPTU progressivo e até da desapropriação do imóvel.

São Paulo implementou tais medidas em 2010, mas outras capitais, como Salvador e Rio de Janeiro, ainda não contam com elas. A aprovação –e, sobretudo, a utilização– dessa diretriz em todas as grandes cidades brasileiras somada a um programa de construção de casas robusto e socialmente inclusivo têm potencial para fazer frente a esse problema.

Quando fui secretário de Habitação do Estado de São Paulo, durante o governo Mário Covas, pude testemunhar, nas inaugurações e entregas à população, a importância que um lar pode ter para quem sempre morou de maneira improvisada. Os olhos marejados ao receber as chaves me pareciam a prova de que, a partir daquele momento, uma nova vida se iniciava.

Porque uma casa é mais do que uma casa. Não há como ter direitos sem possuir uma moradia digna. Ela, afinal, é a porta de entrada da cidadania, a condição básica para que se possa usufruir de direitos como saúde, educação e segurança.

*Dimas Ramalho é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.