domingo, 11 de agosto de 2024

Lula 3.0 bloqueia dados de pesquisas, Elio Gaspari, FSP

O repórter Mateus Vargas revelou que o governo decidiu impor pelo menos dois anos de sigilo para os resultados de 33 pesquisas que custaram à Viúva R$ 13 milhões. Alguns desses levantamentos foram realizados no governo de Bolsonaro.

Segundo a Secretaria de Comunicação do Planalto, o conhecimento dos resultados dessas pesquisas pode "trazer maiores prejuízos à sociedade do que os benefícios de sua divulgação". Diante de um recurso da Folha de S.Paulo, a Controladoria-Geral da União entrou na questão e defendeu o sigilo:

"A sua disponibilização possui o potencial de trazer à tona informações distorcidas referentes a uma política pública a ser implantada, frustrar expectativas e gerar a propagação de informações equivocadas."

Homem branco vestido de terno gesticula com microfone na mão. Atrás dele há duas bandeiras do Brasil
O presidente Lula durante reunião ministerial no Palácio do Planalto - Gabriela Biló/8.ago.2024/Folhapress

Sabe-se que algumas dessas pesquisas referiam-se às falas de Lula sobre a guerra de Gaza e sobre as ações do governo contra o crime organizado.

O governo que atacava os sigilos impostos por Bolsonaro bloqueia o conhecimento de simples pesquisas de opinião. Nada a ver com o segredo sobre ações sigilosas.

Tudo coisa de burocrata onipotente, pois o embargo incluiu até o preço do serviço, disponível em outra base de dados.

Essa espécie de funcionário que se investe de poderes para decidir o que a população deve saber é imortal. Em 1974, durante a ditadura, ele tentava bloquear notícias sobre a epidemia de meningite que assolava São Paulo. Meses depois, o governo tomou uma surra eleitoral e o embargo foi um dos fatores da derrota.

Além de imortal ele é universal. Em 1945 o governo americano bloqueava qualquer notícia relacionada ao seu projeto de fabricação de uma bomba atômica. Estava certo, mas, na manhã do dia 6 de agosto, um general impediu que um repórter divulgasse a explosão da bomba sobre a cidade japonesa de Hiroshima, ocorrida horas antes. Vá lá, o general queria esperar que o presidente Harry Truman anunciasse o feito. Na outra ponta, o governo japonês minimizava o estrago.

No Japão, fotografias de Hiroshima só foram publicadas em 1952.

O povo americano sempre soube o que aconteceu em Hiroshima, mas um quadro completo só veio à luz quando o repórter John Hersey publicou sua reportagem na revista New Yorker, um ano depois.

O general que havia bloqueado a notícia da explosão de 1945 foi ouvido informalmente pela revista e liberou o texto de Hersey.

O sigilo imposto pela Secom e pela AGU às 33 pesquisas seria levantado daqui a dois anos, quando tiver terminado o governo de Lula. Pura censura de conveniência.

 

A lição de Zappa, Elio Gaspari, FSP

De uma hora para outra o governo brasileiro viu-se metido em duas saias justas na América Latina. Uma com o governo bolivariano da Venezuela. Outra, que tem cheiro de operação casada, com a ditadura sandinista da Nicarágua, que expulsou o embaixador Breno de Souza da Costa.

A tendência de governos esquerdistas para arrumar brigas com eventuais aliados é histórica. Nos primeiros anos da revolução cubana Fidel Castro encrencava com o democrata Rómulo Betancourt, da Venezuela.

O piti do ditador Daniel Ortega pode ser ignorado, pois as relações com a Nicarágua são desprezíveis. Já com a Venezuela há interesses em jogo e entendimentos passados.

Dois homens apertam mãos em um gesto encenado para as câmeras. O primeiro veste uma jaqueta vermelha e um boné preto. O segundo veste um robe branco e sorri
Os ditadores Daniel Ortega, da Nicaragua, e Nicolás Maduro, da Venezuela - Juan Barreto /24.ab.2024/AFP

Nicolás Maduro joga com o fator tempo e até agora prevaleceu. O pior que pode acontecer ao Brasil é entrar num jogo de perde-ganha, no qual sua diplomacia sairá derrotada se o ditador venezuelano continuar na cadeira.

Vale a pena lembrar uma lição do embaixador Ítalo Zappa (1926-1997). Ele era chefe de gabinete do chanceler e, diante de uma controvérsia diplomática, perguntaram-lhe: Quem ganhou?

Zappa respondeu: "Ganhar ou perder é coisa do prédio ao lado. (Naquele tempo, o Itamaraty funcionava ao lado do Ministério do Exército.) Diplomata é um funcionário encarregado de defender os interesses do Estado. Quando ele faz isso, nada lhe custa dizer que perdeu. Não se incomoda se a outra parte, tendo cedido, diz-se vitoriosa. Nossa profissão é trazer para casa o interesse nacional. Ganhar ou perder, nas relações internacionais, não é coisa de diplomatas".

Em 1903, quando o Barão do Rio Branco negociou com a Bolívia a anexação do Acre, Rui Barbosa acusou-o de ter cedido demais.

Rio Branco ficou calado.

FRANCIS E ORTEGA

A cada passo do nicaraguense Daniel Ortega transformando-se num ditador de caricatura, cresce a admiração pela implicância intuitiva do jornalista Paulo Francis (1930-1997).

Ele começou a aporrinhar Ortega quando o chefe sandinista foi a Nova York, entrou numa loja chique e comprou um par de óculos de grife. À época Ortega era um queridinho dos viúvos do Che Guevara.

Rodrigo Avila cantou a pedra, Elio Gaspari, FSP

 A polícia do Maranhão encontrou R$ 1,1 milhão no carro de um ex-servidor da Prefeitura de São Luís. Tanto o dono do carro como o cidadão que o dirigia (outro ex-servidor) negam que o dinheiro lhes pertença.

Nada de novo sob o céu de anil. Em 1969, um comando da Vanguarda Popular Revolucionária roubou um cofre guardado na casa da namorada do ex-governador paulista Adhemar ('Rouba mas faz") de Barros. A senhora disse que o cofre estava vazio. Arrombado, dele saíram US$ 2,5 milhões (mais de US$ 20 milhões em dinheiro de hoje).

A canção "Desde a época de Cabral", de Rodrigo Avila, poderia servir de fundo musical para o trabalho dos investigadores: "Desde a época de Cabral corrupção era normal / Mas eu sei que o tempo já passou / Também sei que nada mudou."

Cédulas no porta-malas do carro
Quantia de mais de R$ 1 milhão é encontrada dentro de porta-malas em São Luís - Divulgação/Polícia Militar

A PF SE METEU NA BRIGA DOS PRESENTES

O diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado. Ele emitiu uma nota dizendo que o caso das joias sauditas de Bolsonaro continuará a ser investigado, a despeito da decisão do Tribunal de Contas liberando o relógio Cartier de Lula.

Misturar os dois casos é comparar girafa com alface, mas não compete à Polícia Federal brandir ameaçadoramente com o prosseguimento de inquéritos. A PF investiga e encaminha suas conclusões à Justiça, se possível, em silêncio.

Polícia Federal amiga do Planalto era coisa de Bolsonaro, que defenestrou o ministro Sergio Moro para influir na sua superintendência do Rio de Janeiro.