quarta-feira, 1 de maio de 2024

Priorizar o combate ao crime organizado é um imperativo, Ilona Szabó de Carvalho, FSP

 O crime organizado está praticamente em todo lugar, apesar de ser muitas vezes invisível. Suas estratégias, táticas e operações estão evoluindo rapidamente, o que infelizmente não está sendo seguido pelas instituições governamentais. É um tema que nos diz respeito a todos, mas muitas vezes é demasiado sensível para ser discutido.

O foco dos governos no enfrentamento das organizações criminosas geralmente está nos perpetradores e menos nos mercados que elas controlam e contaminam. No entanto, hoje, o crime organizado abrange um ecossistema criminal global complexo e interliga economias legais, informais e ilegais. Sua forma de operação responde pela morte violenta de centenas de milhares de pessoas todos os anos e afeta literalmente bilhões de outras.

Detidos chegam a delegacia de polícia em Guarujá após serem flagrados com um tablete de maconha - Danilo Verpa/Folhapress

Certamente, a escala, sofisticação e intensidade do crime organizado variam de lugar para lugar. Apesar dessas variações, o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, o contrabando de migrantes, o crime ambiental, o comércio de produtos falsificados e o cibercrime parecem estar acelerando em todos os lugares, ao mesmo tempo.

Embora difícil de quantificar, estima-se que a corrupção, a lavagem de dinheiro e as economias ilícitas, real sustento e coração pulsante do crime organizado, sejam o maior negócio do mundo —avaliado conservadoramente em trilhões de dólares.

Milhões de pessoas dependem dessas economias informais e ilícitas ligadas a mercados criminais, seja para prover formas não democráticas de segurança, seja para garantir meios de subsistência (pense em produtores de coca ou garimpeiros artesanais). E, claro, políticos e elites empresariais corruptas obtêm capital político e econômico preservando esse status quo.

Particularmente preocupante, grupos criminosos organizados estão se infiltrando em instituições públicas nacionais e subnacionais, subvertendo-as. Uma combinação de cartéis, máfias, gangues, milícias e outros estão em conluio com, e em alguns casos capturando, governos. Não são apenas as instituições militares, policiais, judiciais, penais e aduaneiras que estão sendo alvo, mas também a entrega básica de serviços, compras públicas e agências financeiras.

Grupos criminosos estão saindo das sombras e endossando candidatos a cargos públicos, financiando campanhas e influenciando resultados eleitorais com implicações corrosivas para a democracia. A degradação das instituições estatais também pode reforçar o apoio a políticas populistas e autoritárias e justificar medidas repressivas que muitas vezes excedem a lei e alimentam um ciclo vicioso que empodera o crime organizado.

Isso significa que as estratégias anticrime precisam ir além de medidas repressivas de força bruta e oferecer uma gama mais ampla e inteligente de abordagens de prevenção para desmantelar mercados criminais, moldar normas e fornecer alternativas reais.

Precisamos de estratégias que avancem tanto em medidas "duras" (aplicação técnica da lei, combate ao crime financeiro, descapitalização das organizações criminosas e outras estratégias penais) quanto em medidas "suaves", focadas na construção de normas sociais e de incentivo a comportamentos positivos e no desenvolvimento de alternativas econômicas aos mercados criminais.

No Brasil, priorizar o enfrentamento ao crime organizado e seus tentáculos é mais urgente do que nunca.

Além de ser o fator determinante para a consolidação democrática, esse enfrentamento é fundamental para destravar o investimento privado e o desenvolvimento econômico do país. Isso demanda traçar linhas claras de integridade e aplicação da lei e fechar espaço de conivência e convivência que abalam normas não só legais, mas culturais.

Por mais difícil que seja, é preciso começar pelo "mercado" da segurança. Estamos dispostos a cortar na carne para virar o jogo?

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O Estado e os problemas sociais, Deirdre Nansen McCloskey, FSP

 Percebi que as "soluções" para o problema social da pobreza propostas por nossos amigos que estão à esquerda do centro —de igualdade de resultados ou de igualdade de oportunidades— são ambas impossíveis. A igualdade de permissão, pelo contrário, pode ser alcançada amanhã.

Mas a esquerda, nos últimos dois séculos, continuou vendo novos problemas sociais, grandes e pequenos, que, segundo ela, o mercado não consegue resolver. Favelas. Educação ruim. Monopólio. Assim como suas soluções impossíveis para a desigualdade, muitas de suas ideias são não soluções para não problemas.

E mesmo para um problema real, os amigos da esquerda supõem, sem pensar muito, que o Estado pode fazer melhor. Quando pensam que a inovação está demasiadamente lenta, por exemplo, recorrem imediatamente à "política industrial". Quando pensam que o ciclo econômico é um problema, criam um banco central.

Seria ótimo se qualquer resultado social de que não gostássemos pudesse ser resolvido pela elaboração de uma nova lei e a designação de burocratas. Mas apenas alguns dos problemas reais que enfrentamos têm uma solução tão simples e real. Se o Canadá invadir os Estados Unidos, ou se o Paraguai invadir o Brasil, claro, mande um exército. Problema resolvido.

Prisioneiros de guerra e famílias paraguaias no acampamento de San Fernando, no "Álbum da Guerra do Paraguai" - Acervo Biblioteca Nacional del Paraguay

No entanto, nossos amigos da esquerda, e muitos dos nossos amigos da direita, também acreditam que todo "problema social" requer intervenção estatal. É por isso que os Estados modernos continuam crescendo. As pessoas passaram a acreditar que, se algo que consideram ruim acontece, alguém deve ser o culpado, e a solução óbvia é fazer com que o Papai-Estado contenha as pessoas más.

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Problema resolvido. Comida suja? Crie um departamento estatal para inspecionar os alimentos. Fácil.
Ainda não. A intervenção estatal muitas vezes não funciona bem, agravando o problema. O controle dos aluguéis, por exemplo, e o salário mínimo prejudicam os pobres que deveriam ajudar. As "externalidades" estão por toda parte na sociedade humana e, portanto, não oferecem um simples sinal de que a intervenção estatal seja uma boa ideia. Com frequência a pressão do mercado é a solução.

Se déssemos aos moradores das favelas direitos de propriedade sobre os terrenos que ocupam, as favelas desapareceriam. Quando o óleo de baleia usado para iluminação ficou caro, o óleo extraído do solo tornou-se querosene. Quando o esterco de cavalo começou a obstruir as cidades, os novos automóveis por acaso resolveram o problema.

Seja adulto. Não corra para o Papai-Estado todas as vezes.


OPINIÃO DANIEL MARTINS DE BARROS Trabalhador saudável é ativo, FSP

 Daniel Martins de Barros

Médico, é professor colaborador do Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP

Não é exatamente novidade afirmar que o trabalho pode ser desgastante. Tal constatação já estava presente no Gênesis, quando, expulsos do paraíso, os seres humanos foram condenados a ganhar o pão com o suor do rosto. Trabalhar sempre foi duro. As mudanças progressivas nas forma de produção —do desenvolvimento da agricultura à Revolução Industrial, do capitalismo financeiro à transformação digital— não são a causa do sofrimento laboral, apenas dão a ele novas faces.

A despeito desse conhecimento, historicamente o trabalho sempre exigiu o máximo possível das pessoas sem preocupação verdadeira com a sua saúde. Fora iniciativas isoladas aqui e ali, foi só a partir da segunda metade do século 20 que o mercado começou a mudar maciçamente —quando ignorar as doenças ocupacionais se transformou em déficit contábil. O que é compreensível, já que embora as empresas tenham funções sociais relevantes além de gerar lucro, fato é que nenhuma dessas funções as manterá de pé se derem prejuízo em vez de lucro.

Falta de descanso é uma das causas para a Síndrome de Burnout e outros transtornos mentais, como ansiedade e depressão - Shintartanya/Adobe Stock - shintartanya - stock.adobe.com

Já faz um tempo que os custos de acidentes de trabalho, perda de produtividade, reposição e treinamento de novos funcionários para substituir os afastados, aliados ao crescente passivo trabalhista gerado em processos de indenização, pesaram no bolso, tornando custo efetivo promover a saúde dos empregados.

Agora chegou a vez da saúde mental. A Organização Mundial da Saúde alertava há décadas que a depressão se tornaria a segunda maior causa de incapacidade para o trabalho a partir de 2020 —isso muito antes da pandemia de Covid-19. É evidente que as pessoas sempre adoeceram mentalmente em função do trabalho, mas nos últimos quatro anos os custos dos transtornos mentais só fizeram crescer. Daí a proliferação de iniciativas em prol do bem-estar do funcionário.

O movimento cresceu a ponto de o governo entrar na história e criar, neste ano, o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, em lei federal sancionada em março. Tal selo será conferido àquelas que, após inspeção federal, comprovarem preencher requisitos em: promoção da saúde mental (com treinamentos, palestras e programas); bem-estar dos trabalhadores (implementando programas de incentivo a práticas saudáveis); e transparência e prestação de contas relacionada a tais iniciativas.

Imagino que as empresas se interessem em receber tal cerificação para se tornarem mais atraentes para os trabalhadores, e, quem sabe, mais valiosas.

Seja qual for a motivação, contudo, é uma boa notícia para o mundo do trabalho. Sim, é um movimento impulsionado pela busca de lucro. Obviamente, se os transtornos mentais não dessem prejuízo, ninguém aumentaria gastos investindo em sua prevenção. Mas já que a saúde mental se tornou um ativo, vale aproveitar o momento para investir nele. Todos têm a ganhar.