sábado, 1 de abril de 2023

PALMÉRIO DÓRIA DE VASCONCELLOS (1948 - 2023) Mortes: Jornalista se dedicou a revelar bastidores da política, FSP


SÃO PAULO

O jornalista Palmério Dória morreu nesta sexta-feira (31), aos 74 anos em São Paulo, em decorrência de um quadro de infecção generalizada após viver por sete anos com uma doença degenerativa.

"Palmério viveu bem até o último suspiro. Morreu tranquilamente", escreveu em nota o hospital Premier, onde o jornalista viveu em cuidados paliativos por quase uma década.

Nascido em Santarém (PA), em 1948, o jornalista se dedicou à carreira nos principais veículos de imprensa do país. A lista inclui Folha e Estadão, além de ter sido chefe de reportagem da TV Globo. trabalhou ainda nas revistas Caros Amigos e Sexy.

Palmério Dória morreu aos 74 anos em São Paulo
Palmério Dória morreu aos 74 anos em São Paulo - Reprodução/Instagram Premier Hospital

O trabalho no último veículo lhe rendeu a publicação do livro "Evasão de Privacidade", lançado em 2001, que reúne trechos de entrevistas com mulheres famosas concedidas à revista durante os sete anos em que atuou como diretor de Redação.

Depois, Palmério publicou mais três livros, dois sobre a família Sarney e a política maranhense ("A Candidata que Virou Picolé" e "Honoráveis Bandidos"). Em 2013, lançou "O Príncipe da Privataria" sobre o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O lançamento de "Honoráveis Bandidos - Um retrato do Brasil na era Sarney", em São Luís (MA), terminou em confusão e Dória foi alvo de ovos atirados por estudantes que apoiavam o ex-presidente José Sarney, em 2009. O evento foi realizado no Sindicato dos Bancários porque nenhuma livraria da cidade se comprometeu com a publicação.

O livro ficou entre os mais vendidos do país na ocasião e esgotou a primeira edição de 60 mil cópias em poucos dias.

Em "O Príncipe da Privataria", o jornalista revelou a identidade do homem que gravou deputados admitindo terem recebido dinheiro para votarem a favor da emenda constitucional da reeleição, esquema denunciado pela Folha em 1997.

Em sabatina na Folha em dezembro de 2007FHC não negou que tenha ocorrido compra de votos, mas disse que a operação não foi comandada pelo governo. "Houve compra de voto? Provavelmente, provavelmente. Foi feito pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB? Não foi. Por mim? Muito menos."

Nos últimos anos, a rotina na clínica era entremeada por acompanhar os telejornais, ler o noticiário diariamente e receber visitas de amigos, além de cantar. Ele tinha o hábito de interromper conversas e refeições para entoar trechos de sambas clássicos.

Ele também não abandonou o hábito de imitar vozes diferentes para passar trote a conhecidos e funcionários da clínica.

O último passeio foi domingo (26), quando Dória se reuniu com amigos na praça Vladimir Herzog, no centro da cidade. "Na quarta (29), seu estado de saúde começou a declinar", diz Juliana Dantas, amiga que o acompanhou nos últimos anos. "Estava lúcido até os últimos dias."

Em seu quarto na clínica, o laptop e o telefone celular estavam sempre à mão para que o jornalista mantivesse sua rotina de publicar textos opinativos. As últimas foram na terça-feira (28).

Em entrevista ao documentário "Vida aos Dias", gravado pela jornalista Milena Flor Tomé no final de 2022, Dória enalteceu a vida ao lado dos amigos. "Evidente que 80% dos meus amigos estão mortos, mas não estão mortos porque nunca serão esquecidos. Não é só o monumento, é o papo, o papo é uma maneira de homenagear", disse. "Quanto mais a gente se divertir com os nossos amigos, melhor será a vida."

Ele deixa muitos amigos e a sobrinha Érica. 

Moderação de conteúdos na internet, Miguel Reale Junior, OESP

 Vive-se a virtualidade do real. Estamos submersos no mundo da informação imediata, alvejados continuamente pela notícia em rede comunicacional, criando dependência psíquica que leva à persistente consulta ao celular. A reflexão e a solidão cederam passo à passiva e permanente recepção de comunicações, fragmentariamente enviadas.

Com a rede, a existência se desenrola na mídia e pela mídia, como dissera Manuel Castells (A sociedade em rede, p. 361). Esse fenômeno tem impacto imenso em nosso cotidiano e em todas as vertentes da vida, apresentando aspectos altamente positivos e negativos. A rede tem sido instrumento de difusão de discursos de ódio, de conteúdo discriminatório ou belicoso, alimentando afrontas à democracia, facilitando a pornografia infantil, a ação de organizações criminosas, bem como o comércio ilegal e a difusão de fake news nocivas à saúde pública, à dignidade e à privacidade das pessoas.

Contra esta utilização gravemente prejudicial, que antes toca à emoção que à inteligência, requer-se a criação de mecanismos de moderação de conteúdos. Estes devem, sem ofensa aos limites do direito de liberdade de expressão, assegurar a exclusão urgente de manifestações ilegais, para proteção dos usuários e da sociedade.

Hoje está em debate o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece unicamente a responsabilidade civil das plataformas com relação a conteúdos de terceiros, na hipótese de descumprimento de ordem judicial de remoção. No artigo 21, responsabiliza-se, subsidiariamente, a violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de atos sexuais de caráter privado.

Aprovou o Senado o Projeto de Lei (PL) n.º 2.630/20, denominado projeto de combate às fake news, ora na Câmara dos Deputados, recebendo substitutivo do relator deputado Orlando Silva. Este projeto apenas determina, no seu artigo 7.º, deverem os provedores elaborar seus termos e políticas de uso, sem especificar, todavia, qual seja o conteúdo tido por ilegal. As plataformas, segundo o artigo 35, “podem” criar órgão de autorregulação visando à transparência e à responsabilidade na internet.

Essas regras são insuficientes. Bom exemplo vem de fora, do Parlamento Europeu, ao aprovar o Regulamento 2022/2065, o Digital Services Act (DSA), estatuindo serem conteúdo ilegal as informações em desconformidade com o direito da União ou de seus Estados-membros: o proibido fora da internet deve nela ser também vedado. Impõe, ademais, deveres de cuidado às grandes plataformas.

As plataformas devem ter Código de Conduta e oferecer meios para reclamações pelos usuários, a serem publicizados, com o objetivo de responder aos diferentes tipos de conteúdos ilegais por via da moderação de conteúdos.

A “moderação de conteúdos” consiste em detectar e combater conteúdos ilegais ou informações incompatíveis com os termos e condições estatuídos pelas plataformas. Compreende, ainda, a tomada de medidas que limitem, de forma urgente, a disponibilidade e acessibilidade desses conteúdos ilegais.

Assim, a conta pode ser suspensa por período razoável se, com frequência, fornecer conteúdos ilegais. Além do mais, determina o Regulamento que, ao verificar a ocorrência de delito ou a possibilidade de tal suceder, cumpre à plataforma informar imediatamente a suspeita às autoridades policiais ou judiciárias.

Segundo o Regulamento, embora as plataformas não tenham obrigação geral de vigilância, podem ser responsabilizadas quando não atuarem, na moderação de conteúdo, de forma diligente ao tomar conhecimento da existência de conteúdo abusivo. Aos Estados-membros cabe nomear um coordenador dos serviços digitais, responsável por todas as matérias relativas à execução do regulamento pelo Estado-membro que o designou. É, também, criado grupo consultivo independente de coordenadores dos serviços digitais para a supervisão dos prestadores de serviços intermediários, denominado Comitê Europeu dos Serviços Digitais.

O Regulamento europeu deve servir de guia na formulação final do PL 2.630/20 do Senado, ora em tramitação na Câmara dos Deputados, matéria urgente, mas a ser bem meditada. As plataformas, sem dúvida, devem ser civilmente responsabilizadas se descumprirem o dever de cuidado.

Em 8 de janeiro deste ano, as plataformas reproduziram incitamentos à ocupação de prédios dos Três Poderes. O melhor seria haver tipo penal específico de divulgação em massa que comprometa o Estado de Direito ou a saúde pública, tornando obrigatório às plataformas comunicar tal ocorrência às autoridades.

A redação do tipo penal seria: “Art (...) Promover ou financiar a divulgação massiva de informação inverídica capaz de:

I – Comprometer a higidez do processo eleitoral;

II – Restringir ou impedir o exercício de algum dos poderes constitucionais;

III – Comprometer política pública destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.

Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco anos).”

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

PT precisa reconhecer erros para sobreviver além de Lula, diz Steven Levitsky, OESP

 


É importante que o PT reconheça erros se quiser sobreviver além de Lula. A avaliação é do professor de Harvard Steven Levitsky. Em palestra na Brazil Conference neste sábado, 1º, o autor do best-seller Como as Democracias Morrem afirmou que o perfil tolerante do presidente ajudou a subverter o forte sentimento antipetista de 2018 nas eleições de 2022.

Agora, segundo ele, o partido precisa criar um espaço para encorajar o debate e aceitar críticas. “O PT é um dos partidos mais bem-sucedidos da história moderna da América Latina, mas falha completamente em engajar em autocrítica desde 2016″, disse. “Isso é ruim para o Brasil e para o PT. Fica mais difícil para o partido crescer, se renovar e se tornar um partido bem-sucedido após o Lula. Porque haverá um dia em que o PT deverá sobreviver após o Lula”.

Para o professor, há razões importantes para se sentir otimista quanto ao Brasil, mas também há motivos para se perder o sono. Levitsky comemorou o fato de brasileiros terem tirado Jair Bolsonaro da Presidência, mas previu ameaças populistas para as próximas eleições.

“O fato de que a democracia brasileira sobreviveu a esse período de quatro anos e que as instituições e a sociedade conseguiram remover esse presidente autoritário é muito significativo. Não acontece tão frequentemente”, disse. “Temo que, a não ser que o governo Lula realmente consiga ser bem sucedido - o que não parece tão provável -, o descontentamento vai disparar de novo e podemos ver uma solução populista em 2026. Temos muito a agradecer em termos de sobrevivência democrática, mas é uma faca de dois gumes, temos muitas razões para perder o sono”.

Apesar disso, Levitsky apontou como sinal de saúde democrática a resposta da elite política brasileira aos ataques de 8 de janeiro, quando manifestantes golpistas invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Para o americano, a direita do Brasil respondeu a esses eventos de forma muito mais “responsável e democrática” do que fez a direita dos Estados Unidos quando eleitores do ex-presidente Donald Trump invadiram o Capitólio em Washington.

“O 8 de janeiro foi incrivelmente doloroso de assistir. Até para quem não é brasileiro, qualquer um que gosta do Brasil e da democracia sofreu com aquele dia”, comentou. “Mas é menos uma ameaça à democracia brasileira do que o 6 de janeiro foi para os Estados Unidos. Primeiramente, Lula já tinha tomado posse. Em muitos aspectos, (a invasão dos Três Poderes) foi um teatro político. A maioria dos brasileiros condenou sem reservas os ataques. Isso não ocorreu nos EUA”.

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Agora, para o professor, os políticos brasileiros devem agir para fortalecer a democracia após os atos golpistas. “É uma crise, mas também uma oportunidade”, avaliou. “Se a elite política e a sociedade civil conseguirem se unir para construírem uma narrativa histórica denunciando esses eventos, tratando-os como um momento que nunca mais deve ocorrer, é uma oportunidade de crescimento”.

Steven Levitsky comentou sobre os desafios para a democracia brasileira
Steven Levitsky comentou sobre os desafios para a democracia brasileira Foto: Reprodução/Brazil Conference

Os desafios para a democracia brasileira

Levitsky ponderou que o enfraquecimento dos partidos políticos é um dos desafios para a democracia brasileira. Ele observou que, em regimes democráticos saudáveis, é importante a existência de legendas viáveis de esquerda e de direita. “Nos anos 1990, me parecia que o PSDB estava fazendo um bom trabalho de representar ao menos uma parte da elite econômica. E seu enfraquecimento abriu a porta para forças muito menos democráticas. O mesmo aconteceu com o PT”, avaliou. “Partidos que governam durante crises tendem a perder apoio. Ultimamente, políticos têm entendido que não precisam de apoio de partidos. Mas a democracia precisa de partidos. É um desafio que vai além do Brasil”.

Ainda sobre o enfraquecimento de partidos bem estabelecidos, o professor comentou que houve uma mudança no perfil da direita latino-americana. Segundo ele, a partir dos anos 1980, os políticos desse espectro passaram a priorizar pautas liberais e o livre mercado. Mais recentemente, o jogo mudou, dando espaço a tendências antidemocráticas. “Desde então, uma direita ‘não-liberal’ tomou a frente. A prioridade se tornou: temas religiosos, ordem, militarismo e, em muitos casos, anti-esquerdismo. A maioria dessas coisas não são compatíveis com a democracia liberal”, disse.

“Com Bolsonaro, a direita liberal coexistiu com a direita iliberal. O problema é que a democracia precisa da direita liberal. E essa direita não conquista mais votos, ela não aprendeu a vencer eleições. Meu medo é estarmos vendo cada vez mais a direita não-liberal na região e fica menos claro se teremos uma direita democrática”, completou.

Levitsky afirmou que PT precisa fazer autocrítica para sobreviver pós-Lula. Na foto, o presidente na Casa Branca, em fevereiro.
Levitsky afirmou que PT precisa fazer autocrítica para sobreviver pós-Lula. Na foto, o presidente na Casa Branca, em fevereiro. Foto: Sarah Silbigers/The New York Times

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Ministro cancelou participação

O painel anterior debateu as prioridades do governo para os próximos quatro anos. Estava prevista a participação do ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, mas ele alegou que seu voo foi cancelado e não compareceu. Participaram o pesquisador André Portela, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a Secretária de Planejamento Nacional, Leany Lemos, e a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Vilma Pinto.

Os palestrantes defenderam a importância de seguir um planejamento com as contas públicas e argumentaram que a prioridade nos próximos anos deve ser a educação, dado que houve defasagem no aprendizado dos mais pobres durante a pandemia, o que deve ter consequências econômicas no futuro. “Temos poucos recursos e orçamentos limitados, então temos que escolher bem as prioridades e saber usar bem cada real que está no nosso orçamento”, afirmou Portela.

Organizada pela comunidade brasileira de estudantes em Boston (EUA), a conferência tem parceria do Estadão, que faz a cobertura. Os debates, de forma presencial, ocorrem na Universidade Harvard e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), apoiadores do evento. Os painéis também são transmitidos pelo canal do Youtube da Brazil Conference. /Colaborou Davi Medeiros