domingo, 15 de janeiro de 2023

Com mais contratos e novo marco, saneamento avança no litoral de SP, FSP

 

SÃO PAULO

Com a qualidade das praias paulistas em queda em 2022, a Sabesp está antecipando investimentos para perseguir a meta de coletar e tratar 90% do esgoto no litoral de São Paulo até 2033, exigência imposta pelo marco do saneamento aprovado em 2020. Ele prevê também distribuição de água potável a 99% da população.

Em 13 municípios com contratos com a Sabesp, a cobertura de esgoto (coletado e tratado) vai de 99,4%, em Santos, a 54%, em Ubatuba. Ironicamente, a cidade do litoral norte que sempre aparece como um dos principais destinos no verão é a de menor cobertura na orla do estado.

Praia do Itaguá, na orla central de Ubatuba, com sinalização da Cetesb como imprópria para banhistas - Wendell Marques/Folhapress

Até 2018, muitas cidades do litoral paulista não tinham contratos formais com a Sabesp. Nessas condições, a empresa realizava poucos investimentos, alegando correr o risco de o município se apropriar da infraestrutura e cobrar tarifas por conta própria —ou repassar o serviço a outra empresa. Uma das exceções era Santos.

A partir de 2019 (2020 no caso de Ubatuba), contratos foram sendo assinados e, com o marco do saneamento aprovado, os investimentos vêm crescendo ano a ano.

Além dos aportes já realizados no biênio 2021-2022 (ver quadro), a Sabesp prevê investimentos de R$ 3,5 bilhões para coleta e tratamento de esgoto no litoral entre 2023 e 2027, segundo o diretor-presidente da empresa, Benedito Braga.

O maior desafio dos municípios e da Sabesp agora é a regularização de milhares de residências construídas em áreas irregulares. Só na baixada santista, existem 360 favelas. Para conectar suas casas à rede de esgoto, a Sabesp pressiona para que as residências estejam regularizadas —possibilitando a cobrança pelo serviço de saneamento.

Dique Vila Gilda, favela com cerca de 6.000 moradores, em Santos, litoral de SP - Bruno Santos/Folhapress - 21.jul.22

Boa parte dos investimentos da Sabesp é realizada com empréstimos a juros baixos de organismos internacionais, que normalmente exigem contratos formais com as cidades atendidas e a regularização de moradias para a liberação dos fundos —já que a tarifa cobrada é a garantia do financiamento.

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Levantamento da Folha mostrou que dos 178 pontos avaliados pela Cetesb (companhia ambiental paulista) no litoral, apenas 44 estiveram próprios para banho todas as semanas entre novembro de 2021 e outubro de 2022, ante 59 em igual período anterior.

Já as praias avaliadas como regulares subiram de 61 para 80; e as péssimas, de 14 para 18.

Uma das explicações da Cetesb é que chuvas excessivas no primeiro semestre de 2022 pioraram a qualidade dos rios que desembocam nas praias. Fato que reforça tanto a necessidade de ligar à rede habitações irregulares às margens de rios quanto de melhora na coleta de lixo no litoral.

Basicamente, há duas formas de se lidar com o esgoto no litoral: despejando-o in natura em alto mar, por meio de emissários submarinos de até 5 km; ou conectar as residências a grandes tubulações (geralmente na orla) que bombeiam o esgoto até estações de tratamento.

Residualmente, em praias afastadas do centro, as residências usam fossas sépticas. Um dos problemas, segundo Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, é que normalmente seus proprietários não as drenam com frequência, ocasionando a contaminação do solo e, depois, de rios e do mar.

São Paulo tem vários emissários submarinos, todos com sistemas de gradeamento para evitar que resíduos maiores e lixo sejam lançados no mar.

"Há correntes ambientalistas que criticam os emissários, mas eles são comuns em locais como a Califórnia e em outros países", diz Braga.

Segundo Jerson Kelman, ex-presidente da Sabesp e da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento), os emissários são eficientes e mantêm as praias limpas, enquanto o esgoto é diluído e dissipado, sem grandes danos ambientais, em alto mar. "O problema é que eles são caríssimos", diz.

Assim, na maior parte das praias do litoral a solução é ligar pontos de esgoto das casas a grandes tubulações e, com bombas, levar os resíduos a estações de tratamento.

Esse tipo de obra é que está sendo concluída agora em Ubatuba, com a meta de elevar a coleta de esgoto na cidade dos atuais 54% para 64% no curto prazo, até chegar aos 90% previstos no marco do saneamento.

Tubos para obra de saneamento da Sabesp na avenida Iperoig, na orla do Itaguá, próximo ao centro de Ubatuba - Wendell Marques/Folhapress

Segundo Rui Cesar Bueno, superintendente da Sabesp no litoral norte, dos investimentos de R$ 670 milhões previstos para Ubatuba em contrato, 71% (R$ 475 milhões) devem ser investidos até 2025 para recuperar o atraso do município em relação ao restante do litoral.

Os investimentos ocorrem tanto na rede de tubos de captação quanto em melhoria nas cinco estações de tratamento a cargo da Sabesp em Ubatuba. A cidade e o litoral norte também contam com emissários: Enseada/Perequê e Araçá, em Ubatuba; Itaquanduba, em Ilhabela; e Cigarras, em São Sebastião

"A realização dos investimentos, porém, depende também da regularização de moradias para que possam ser conectadas à rede de esgoto", diz Bueno.

Na badalada praia de Itamambuca, no litoral norte de Ubatuba, por exemplo, há dezenas de residências próximas ao rio Itamambuca, muitas de classe média, que resistem à regularização para não pagar tarifas—e que acabam despejando parte de seu esgoto no rio que vai dar na praia. Neste canto da orla, a água frequentemente está imprópria, segundo a Cetesb.

O mesmo ocorre em alguns pontos de Ilhabela, que têm casas de proprietários abastados, às quais Braga, da Sabesp, refere-se como "favelas de luxo".

Bueno cita Caraguatatuba, também no litoral norte, ao sul de Ubatuba, como exemplo de município que correu para fazer a regularização. Com 90% das residências em situação regular, a cidade tem 91% do seu esgoto coletado e tratado, além de 99% das casas na rede de água potável.

Evaristo de Miranda, guru ambiental de Bolsonaro, se aposenta da Embrapa, FSP

 Giovana Girardi

SÃO PAULO

O engenheiro agrônomo Evaristo de Miranda, um dos principais ideólogos do agronegócio brasileiro e guru ambiental do ex-presidente Jair Bolsonaro, se aposentou da Embrapa no fim de 2022, aos 70 anos. Foram mais de 40 anos à frente de diversos departamentos na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, onde desenvolveu pesquisas —muitas vezes controversas e contestadas—, que moldaram o pensamento do setor.

Com passagens por diversas unidades da Embrapa, Miranda era, até o fim de 2021, chefe da Embrapa Territorial, posto que ocupava desde 2015. Passou o último ano como assessor direto da presidência da Embrapa e deve agora se voltar para a iniciativa privada.

Têm origem em Miranda algumas das ideias que se tornaram mantra no discurso do agronegócio: de que o Brasil é o país que mais preserva sua vegetação nativa; que nossas leis ambientais são as mais rigorosas e que o agricultor é penalizado por elas. Mas ainda assim, reza o discurso, é nas áreas produtivas que está a maior fatia das nossas florestas.

Também nasceu dos dados gerados por ele a ideia de que o país tem muita terra indígena e unidades de conservação, o que levaria a uma escassez de área para o crescimento agrícola.

À esquerda, Evaristo de Miranda aponta o dedo indicador na tela de um computador à sua frente. Sentado ao seu lado está o presidente da República, Jair Bolsonaro, de óculos e braços cruzados. Ambos usam terno.
O agrônomo Evaristo de Miranda, da Embrapa, em reunião com Jair Bolsonaro durante seu mandato como presidente da República - Alan Abreu/Presidência da República

Miranda acumulou, ao longo da carreira, influência junto aos governantes dos mais variados espectros políticos —pelo menos desde José Sarney—, mas foi no governo Bolsonaro (2019-2022) em que ele alcançou mais destaque, ditando as diretrizes da área ambiental desde a fase do governo de transição.

Chegou a ser cotado para assumir o Ministério do Meio Ambiente, mas acabou não aceitando, o que abriu espaço para Ricardo Salles. Seus dados, porém, guiaram o governo, que não criou nenhuma unidade de conservação nem terra indígena. E foram repetidos à exaustão nos últimos quatro anos pela Presidência da República, pelo Ministério da Agricultura e Pecuária e também pela Frente Parlamentar da Agropecuária.

Em seu primeiro discurso na Assembleia-Geral da ONU, em 2019, Bolsonaro afirmou, ecoando Miranda: "Nossa Amazônia é maior que toda a Europa Ocidental e permanece praticamente intocada. Prova de que somos um dos países que mais protegem o meio ambiente".

Por outro lado, o agrônomo acumulou desavenças com a academia, principalmente com pesquisadores ligados a estudos de dinâmica do uso do solo, geoprocessamento e monitoramento por satélite. Mesmo dentro da própria Embrapa ele foi criticado e questionado.

A controvérsia que ficou mais conhecida foi em torno da mudança, em 2012, do Código Florestal —lei que estabelece a proteção de vegetação nativa em propriedades privadas.

As discussões no governo e no Congresso para alteração da lei, datada de 1965, vinham desde 2008 e ganharam força quando Lula, então no segundo mandato, encomendou estudo à Embrapa sobre a atribuição de terra no Brasil —quanto estava protegido em dispositivos como unidades de conservação e terras indígenas, quanto era ocupado pela agropecuária e quanto era preservado nas propriedades rurais.

Coube a Miranda conduzir a análise. Ele apresentou uma série de mapas e números argumentando que se somadas todas as formas de proteção, e se o Código Florestal fosse seguido à risca, a produção de alimentos seria inviabilizada, principalmente na Amazônia e no Pantanal. Foi a palavra-chave para dar força ao argumento dos ruralistas.

Na época os dados de geoprocessamento não eram tão precisos e era necessário trabalhar com algumas extrapolações e estimativas. Só que os cálculos de Miranda não batiam com os de uma série de outros cientistas.

Ninguém entendia como ele havia chegado àqueles números, uma vez que não abria sua metodologia nem publicava as descobertas em revistas científicas com revisão por pares, como é praxe.

Homem de terno gesticula enquanto fala ao microfone em um púlpito
Engenheiro agrônomo Evaristo de Miranda, que trabalhou por quatro décadas na Embrapa e se tornou o guru ambiental do agronegócio e do bolsonarismo - Embrapa/Divulgação

Com o tempo, os pesquisadores descobriram que Miranda havia superestimado as áreas que deveriam ser protegidas ao longo de rios, as chamadas matas ciliares. A versão anterior do Código Florestal estabelecia faixas de proteção conforme a largura do rio. Quanto mais largo, maior deveria ser a proteção.

Miranda, ao fazer o cálculo, considerou sempre o maior valor para todos os rios, o que reduziu a área disponível para a agricultura. Segundo ele, apenas 29% do país estariam disponíveis para a produção. Outros estudos calcularam que essa fatia era bem maior, de cerca de 45%. Só hoje a agropecuária já ocupa cerca de 36% do território.

Na academia e no ambientalismo, convencionou-se a tratar os dados dele como "contabilidade criativa". Mas, apesar das críticas, a mensagem colou. O código foi enfraquecido, e o Congresso conseguiu passar anistia a desmatamentos ilegais até 2008.

Miranda se tornou um requisitado palestrante em eventos do agronegócio. Em 2018, poucos meses antes da eleição, o vídeo de uma apresentação sua viralizou.

"O Brasil, que era grande, ficou pequeno, porque tem muita terra atribuída no Brasil", disse no 6º Fórum de Agricultura da América do Sul, em Curitiba. "É legítimo dar terra para índio. O problema é que não cabe."

Em outro momento, disse que ninguém protege mais o meio ambiente do que os proprietários rurais. "O total disso é 218 milhões de hectares. Isso é metade da área dos imóveis. O agricultor brasileiro é o único no mundo que protege metade. 25% do território nacional está protegido pelos produtores rurais."

E lançou mais um número criativo. Afirmou que mais de R$ 3 trilhões em ativos estariam imobilizados para proteção ambiental. "Não tem nenhuma categoria profissional que preserve mais o meio ambiente, dedique mais recursos a isso, do que o produtor rural brasileiro."

No ano passado, um grupo de 12 conceituados pesquisadores brasileiros especialistas em Amazônia, cerrado, mudanças climáticas, sensoriamento remoto e análise do ordenamento territorial publicou um artigo na revista científica Biological Conservation acusando Miranda e equipe na Embrapa de promoverem o que chamaram de "falsas controvérsias".

De acordo com o grupo, liderado por Raoni Rajão, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), as falsas controvérsias constroem a ideia de que não existe consenso científico sobre determinados assuntos, gerando dúvidas em políticos quanto a temas em que na verdade há, sim, consenso —por exemplo, as mudanças climáticas e o impacto do desmatamento.

Segundo os autores, como o climatologista Carlos Nobre, ex-Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e a bióloga Mercedes Bustamante, da UnB (Universidade de Brasília), Miranda "manufatura incertezas".

O trabalho foi bem recebido por cientistas, mas criticado por entidades do agro. A Embrapa publicou nota de repúdio defendendo a reputação do agronegócio, de Miranda e da própria empresa. Disse que os trabalhos da Embrapa Territorial demonstram, "o papel e o protagonismo incontornável do agricultor na preservação do meio ambiente e trouxeram subsídios e ânimo aos produtores rurais".

Na última quinta-feira (5), a Embrapa divulgou uma nota anunciando a aposentadoria de Miranda e mais uma vez o presidente da instituição, Celso Moretti, lhe fez elogios.

"Talvez pela sua formação de ecólogo, Evaristo foi dos primeiros a nos trazer a visão da importância do equilíbrio entre a produção agropecuária e a preservação ambiental, que hoje temos muito clara. Em outras palavras, a visão que hoje predomina no agro brasileiro de que é possível produzir e preservar o meio ambiente."

Miranda não foi encontrado pela reportagem, mas na nota da Embrapa disse que agora vai "seguir, no setor privado, na área de pesquisa e comunicação com o mundo urbano, sempre perto dos produtores rurais e das realidades do campo".

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.