quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Elio Gaspari Elio Gaspari 2020 poderá filtrar a carga de atraso e mediocridade de 2018, FSP

Começa hoje o ano capaz de filtrar o que o eleitorado quis dizer em 2018, e isso será percebido em outubro, depois da eleição municipal. Houve um voto contra o PT, mas houve também um voto hostil aos políticos. Até aí, nada de novo, mas 2018 elegeu Wilson Witzel (PSC) para o governo do RioRomeu Zema (Novo) para o de Minas Gerais e Eduardo Leite (PSDB) para o do Rio Grande do Sul. Todos encarnavam o novo. Dois vinham de partidos nanicos, só Leite vinha do tucanato e só ele tinha experiência administrativa, como prefeito de Pelotas (RS). 
Witzel (Harvard fake '15), com sua necropolítica, nada tem a ver com Zema e Leite. (João Doria, que se elegeu pelo PSDB para o governo de São Paulo, ficou no meio termo. Pode assemelhar-se a Witzel às segunda, quartas e sextas e à dupla mineira e gaúcha às terças, quintas e sábados.)
Esses governadores tão diferentes refletiram o resultado geral de 2018. São Paulo elegeu Tabata Amaral para a Câmara e o major Olímpio para o Senado. O antipetismo pode explicar a eleição de todos eles, mas isso não é suficiente. O ronco da rua entronizou tanto o novo como o atraso, e é provável que em outubro esses dois ingredientes sejam separados.
Faltam dez meses para o pleito e só uma coisa é certa: as caciquias estão mais perdidas do que surdo em sinfonia. Basta que se acompanhe os jogos de cubos que se armam nas disputas pelas prefeituras do Rio e de São Paulo. No Rio, o novo poderia ser Eduardo Paes, talvez Marcelo Freixo, com a petista Benedita da Silva na vice. Em São Paulo, uma parte do PT sonha com uma chapa de Fernando Haddad e Marta Suplicy. (Uma outra parte sonha em destruí-los, mas não diz o que quer.)
Do outro lado do balcão, onde está o bolsonarismo, a única coisa que se sabe é que em um ano ele se dedicou a brigar em casa. Brigou no Palácio, defenestrando ministros e generais da reserva. Brigou no Congresso, implodindo o próprio partido, e brigou na rua, demonizando até o governador Witzel. Ganha um mês em Caracas quem souber qual política pública provocou essas brigas.
Em 2018, Eduardo Leite era um candidato competitivo no Rio Grande do Sul, mas Witzel e Zema entraram na corrida como completos azarões. (Quem estiver disposto a delirar pode se perguntar: o que teria acontecido se o partido Novo tivesse lançado a candidatura do economista Gustavo Franco ao governo do Rio de Janeiro?)
Depois de um ano de governo do capitão Bolsonaro, estuário de todas as insatisfações de 2018, parece claro que ele consolidou uma base de apoio com sua política de liberalismo econômico no andar de cima e, no andar de baixo, sua cruzada no campo dos costumes. A paixão da campanha dissolveu-se e o exercício do poder mostrou a Paulo Guedes que não se prensa o Congresso e a Ricardo Salles que a piromania custa caro ao verdadeiro agronegócio. 
Bolsonaro mudou pouco, mas não é o mesmo que prometia "botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil". Convive com os ativistas, com as instituições e, por menos que goste, até com o Ministério Público.
Em 2018 uma tempestade varreu a política brasileira. No que se supunha que seria o novo, veio junto uma carga de mediocridade e atraso. A eleição de outubro poderá separar o atraso. 
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
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ECONOMIA Sobre cigarras e formigas, OESP

Ana Carla Abrão*, O Estado de S.Paulo
31 de dezembro de 2019 | 05h00
Foi só em meados da década de 2010, no início de 2015, que nos demos conta do tamanho do problema fiscal dos entes subnacionais brasileiros. Até ali, tudo parecia correr às mil maravilhas. Empurrados pelo aumento da arrecadação de um Brasil que crescia, Estados e municípios gastavam como se não houvesse amanhã, comprometendo parcelas cada vez maiores das suas receitas com despesas obrigatórias, particularmente salários e benefícios de servidores públicos. Os investimentos também cresciam, mas graças à generosidade do Tesouro Nacional, que começou os anos de 2010 concedendo garantias para que esses entes se endividassem, também como se não houvesse amanhã. O ano de 2012 representou um recorde. Foram mais de R$ 60 bilhões de ampliação de limites. Esse volume se refletiu em novas operações de crédito, com desembolsos expressivos até 2014. Boa parte desses empréstimos foi concedido a entes sem a necessária classificação mínima de risco. Era a versão subnacional do famoso “gasto é vida” e que muito contribuiu para o desequilíbrio estrutural que caracteriza nossos Estados e municípios no final desta década.
O amanhã bateu à porta ainda em 2014, mas foi em 1º de janeiro de 2015, exatos 5 anos atrás, que a realidade se impôs. O tom dos discursos dos 27 novos governadores foi um só: a necessidade de um ajuste fiscal para fazer frente ao descasamento entre receitas e despesas correntes, que foi crescendo ao longo dos anos anteriores. Os Tribunais de Contas dos Estados validaram essa dinâmica que não mais podia ser ignorada. A situação se agravou com a recessão que já dava seus sinais e evidenciava o preço a ser pago. O Rio de Janeiro foi o caso mais emblemático, contrastando a imagem de cidade maravilhosa da Olimpíada meses antes, com os hospitais fechados, as aposentadorias dos servidores não pagas e o colapso da segurança pública.
Mas o Rio foi só o prenúncio do que viria a seguir e que foi reflexo de uma década de irresponsabilidade fiscal. Números do Banco Mundial e do Tesouro Nacional mostram a dimensão do estrago fiscal que se produziu nos Estados brasileiros. Receitas primárias praticamente estagnadas em relação ao PIB tiveram que dar conta de despesas primárias crescentes, evidenciando um desequilíbrio estrutural que se reflete hoje numa queda substancial dos investimentos públicos. As despesas de pessoal nos 26 Estados e no Distrito Federal cresceram em média, em termos reais, em torno de 40% entre 2011 e 2018. Em 2019 viu-se algum ajuste em função da pressão de caixa que a totalidade dos Estados sofre atualmente. Ainda assim, persiste o descasamento entre as trajetórias de receitas recorrentes e despesas de pessoal em função do crescimento vegetativo que caracteriza o atual modelo de remuneração e progressão salarial das carreiras no setor público. 
A evolução das despesas com inativos é outra fonte de desequilíbrio relevante e crescente nos Estados. Entre 2017 e 2018 o volume de aportes para cobrir o déficit dos regimes próprios se elevou em 15%, superando 100 bilhões de reais. Os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul respondem por mais da metade desse montante. Os demais estão no mesmo caminho. Perdemos a chance de estancar esse problema com a exclusão de Estados e municípios da reforma da Previdência aprovada este ano. Irresponsabilidade de uma agenda política que se sobrepôs à agenda nacional.
Mas naquele 2015 em que os problemas se desnudaram, houve ações importantes de ajuste. Espírito Santo, Alagoas, Mato Grosso e Goiás entraram em um ciclo de ajuste relevante. Após dois anos de ações de reequilíbrio, apenas os dois primeiros deram continuidade na agenda fiscal e hoje colhem, nos indicadores sociais positivos, os frutos do ajuste das suas contas. Ceará e São Paulo, que desde há muito optam pela trajetória da austeridade, intensificaram a atenção no equilíbrio fiscal e ultrapassaram o inverno. Esses foram formigas trabalhando. Os demais, hoje pagam o preço de terem sido cigarras no verão.
A notícia boa, ao final desta década, é que temos mais clareza do problema fiscal dos Estados e municípios e maior número de gestores dispostos a enfrenta-lo. A notícia ruim é que o problema é estrutural e clareza em relação ao diagnóstico é só metade do caminho. Consertar o estrago exigirá trabalho, no verão e no inverno. É trabalho de formiguinha, que depende de ações individuais de cada governador – e não de Brasília.
Um Feliz 2020 a todos! Que o novo ano chegue trazendo mais paz, muita saúde e alegria.
*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA
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