sábado, 8 de setembro de 2018

E agora?, André Singer, FSP

Ataque a Jair Bolsonaro poderá mudar o rumo da campanha que se iniciava

Os índices disponíveis sobre o atentado sofrido por Jair Bolsonaro(PSL) na quinta-feira (6) em Juiz de Fora apontam para um gesto de insanidade mental por parte do agressor. Todas as forças relevantes do país rejeitaram com veemência o ato torpe, solidarizando-se com o atingido. 
Ainda que sem conteúdo político, no sentido específico do termo, o dramático gesto de Adelio Bispo de Oliveira poderá mudar o rumo da campanha que se iniciava. Embora seja difícil prever o que vem pela frente, é plausível que a breve janela de racionalidade aberta pelo aumento da rejeição a Bolsonaro se feche com a natural simpatia que toda vítima produz. 
O imediato recuo de Geraldo Alckmin (PSDB), que buscava desconstruir no horário eleitoral a imagem do capitão reformado, seria um sinal antecipado.
Haveria igualmente mudanças de conteúdo. O debate econômico, que dominou as disputas presidenciais pós-redemocratização, pode tornar-se subtema de assunto maior: como reconstruir o país depois da crise geral vivida nos últimos anos? A sensação de que se chegou ao fundo do poço, para a qual o incêndio do Museu Nacional também contribuiu, pediria um discurso generalizante. 
Posto no centro da cena, o bolsonarismo dispôs da primeira fala na nova fase. Os bolsonaristas não perderam tempo: pouco depois de operado, o candidato gravou um vídeo aos eleitores. O acento religioso trazido pelo senador e pastor Magno Malta (PR-ES) conota perfeitamente o sentido conservador da produção.
Por outro lado, a centralidade adquirida por Bolsonaro disputa com a de Lula, o qual conseguiu manter-se à tona apesar de preso há cinco meses. 
Mas, talvez, sendo o antipetismo o principal mote do deputado de ultradireita, os holofotes acesos sobre ele acabem por iluminar igualmente o seu objeto de ódio. 
A polarização entre lulismo e bolsonarismo, um dos cenários possíveis desde o início, ganharia, então, novas tinturas. 
Lula tem à mão uma cartada, com a provável oficialização deFernando Haddad na próxima terça (11) como candidato a presidente da República, uma vez que a postulação do próprio Lula foi impugnada pelo TSE na madrugada do último dia 1º. 
Embora prevista há muito tempo, a decisão a ser tomada pelo ex-presidente em Curitiba quem sabe soe como resposta à nova conjuntura, marcada pelo trauma do esfaqueamento. 
Para ela, Lula terá que achar uma nota ao mesmo tempo respeitosa com aquele que passou perto da morte e clara no que respeita às diferenças futuras. Se conseguir, o diálogo entre os dois polos resultantes do impeachment de 2016 quiçá dê o tom das três semanas que restarão até o primeiro turno.

Apunhalaste-me, canalha!, FSP

O assassinato a faca de Pinheiro Machado faz 103 anos hoje

Em suas confissões e memórias reunidas no livro “O Óbvio Ululante”, Nelson Rodrigues conta a forte impressão que lhe causou o assassinato em 1915 de Pinheiro Machado, o mais influente político da República Velha (1889-1930). O “Condestável”, como era conhecido, foi atingido pelas costas no saguão do Hotel dos Estrangeiros, no Flamengo. “Por que exatamente o punhal? Por que o ódio havia de ter a forma esguia e diáfana do punhal?”, perguntava-se Nelson.
O crime teria sido uma encomenda. Um complexo, sinistro e misterioso complô, com o qual nem a internet é capaz de competir. O tempo demonstrou que Manso de Paiva, o assassino, não seguiu as ordens de ninguém, só as confusões da sua cabeça. Até o famoso punhal revelou-se depois uma faca cega e enferrujada, adquirida numa feira livre. E não foi apenas uma estocada fatal como gritavam em caixa alta as manchetes com ponto de exclamação, mas duas.
Manso de Paiva cumpriu pena de 20 anos. Millôr Fernandes o conheceu na década de 1940, descascando tangerina com um canivete, na rampa do edifício da revista O Cruzeiro, no bairro da Saúde. “Chupava os bagos, cuspia as sementes. Meio idiotizado”, resumiu Millôr.
A morte de Pinheiro Machado completa 103 anos hoje. O “fazedor de presidentes” marcou o fim de um Brasil. Um país em que os homens públicos usavam fraques e a presença de escarradeiras de louça nos salões era obrigatória. Na hora agá, o caudilho teria dito: “Mataste-me, canalha!”. Ou então: “Apunhalaste-me, canalha!”. O próprio Nelson Rodrigues, bem chegado em hipérboles e auxeses, acreditava num simples e último suspiro: “Canalha”.
O maior espanto de Nelson era a arma branca utilizada no covarde atentado: “Por que havia de ser o punhal? Pinheiro Machado poderia ser assassinado a tiro, a bala”. E na época não havia tanta arma de fogo como agora.
Nelson Rodrigues, autor de 'O Óbvio Ululante'
Nelson Rodrigues, autor de 'O Óbvio Ululante' - Divulgação

 
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".