sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Vamos jogar fora o Banco dos Brics?, Rodrigo Zeidan FSP

Ano que vem o Brasil será sede da cúpula dos Brics e assume a presidência do bloco. Em 2020, o país indica o presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, antigo Banco dos Brics), que guiará a instituição pelos próximos cinco anos. Grande parte da nova ordem mundial está voltada para o Oriente e temos um assento na janela por causa de um relatório do banco Goldman Sachs, em 2001.
Fazer parte desse processo tem custo. No caso do NDB, os cinco países fundadores devem aportar recursos até totalizar US$ 2 bilhões (R$ 8,29 bilhões).
A próxima parcela, de US$ 300 milhões (R$ 1,24 bilhão), deve ser depositada até o dia 3 de janeiro. O problema é que o aporte não consta da proposta orçamentária brasileira para 2019.
Reunião dos país que compõem o Bric, que este ano foi na África do Sul - AFP
Recentemente o NDB conseguiu rating de longo prazo AA+ das agências de classificação de risco Fitch e S&P, um degrau abaixo da classificação máxima AAA e acima do normal para bancos (AA). O BNDES tem rating BB-, 11 degraus abaixo.
O NDB consegue captar recursos de forma mais barata do que qualquer dos países-membros e já tem quase US$ 1 bilhão (R$ 4,15 bilhões) em projetos no Brasil. Há três opções na mesa em relação à participação do Brasil no bloco dos Brics e no NDB: sair do bloco e/ou do banco, honrar seus compromissos, ou atrasar o pagamento da sua participação.
Sair do NDB é uma opção, se o que queremos é assistir de longe às mudanças geopolíticas do mundo. Mas se queremos participar da ordem mundial não faz sentido deixar de colocar os recursos no banco.
Não só colocaríamos em risco a capacidade da instituição de fazer empréstimos para projetos no Brasil com juros abaixo do que o Tesouro brasileiro consegue captar, mas enfraqueceríamos a nossa atuação no bloco. Não podemos ajudar a construir uma instituição como o Brics e ao mesmo tempo dar sinais de que não somos sérios. É amadorismo.
*
A UFRJ, minha alma mater, é mal gerenciada há décadas.
O desastre com o Museu Nacional, causado em última instância pela péssima governança da instituição, é o último de uma série de descalabros de gestões partidárias, amadoras e ruins, combinados com uma estrutura inflexível. Precisamos liberar o museu do descaso com o qual é tratado pela UFRJ.
Para quem acha que o problema é falta de dinheiro: mais recursos para a UFRJ é como dar cachaça para bêbado.
Precisamos modernizar a governança do museu e diversas instituições, como a Biblioteca Nacional e o Observatório Nacional, autarquias federais independentes, mas também inflexíveis, para algo próximo do Impa, uma organização social e o maior exemplo de sucesso da área acadêmica brasileira.
Não é privatizar (seria um absurdo): é profissionalizar.
Para completar, só no Brasil divulga-se um "orçamento" sem incluir despesas correntes e salários dos profissionais.
O fato de o Tesouro pagar o salário de pesquisadores do museu não significa que eles não deveriam entrar na conta do orçamento da instituição. Orçamento sem despesas obrigatórias: mais uma jabuticaba que só se encontra no Brasil.

No dia 17 de setembro ocorre o lançamento de "Apelo à Razão: a reconciliação com a lógica econômica", livro que escrevi com Fabio Giambiagi, o maior especialista brasileiro em Previdência. A ideia do livro é apresentar um roteiro de propostas para tirar o Brasil da armadilha da renda média.
Não participarei do lançamento na Livraria da Travessa, no Rio de Janeiro, por estar fora do país, mas lá estarei em espírito.


Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Agressor de Bolsonaro foi indiciado na Lei de Segurança Nacional, OESP

O homem que esfaqueou o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL), Adelio Bispo de Oliveira, foi indiciado na Lei de Segurança Nacional, segundo a Polícia Federal. Adelio Bispo de Oliveira, de 40 anos, foi transferido na manhã desta sexta-feira, 7, da sede da Polícia Federal em Juiz de Fora para o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (CERESP), também no município mineiro.
Após o ataque, Adelio, de 40 anos, foi preso por agentes da Polícia Federal e levado para a delegacia, onde assumiu o crime e disse que teria agido por contra própria e "em nome de Deus". 
Em seu artigo 20, a Lei 7.170, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, inclui os crimes pela "prática de atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas".
A pena para esse tipo de crime é de reclusão de 3 a 10 anos, podendo ser aumentada em até o dobro, se o fato resultar em lesão corporal grave; e até o triplo se resultar em morte.
Ainda nesta manhã, a Polícia Federal liberou um segundo suspeito do atentado, que, sem ligação direta com o ato, teria incitado a violência. Ele foi "detido, ouvido e liberado, mas segue na condição de investigado", informou a PF. Ao todo, segundo o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, três pessoas são investigadas. 
Suspeito de esfaquear Bolsonaro
Em depoimento à polícia, Adélio Bispo de Oliveira, que atacou o presidenciável, afirmou que agiu motivado por 'questões pessoais'. Foto: EFE
Golpeado na região do abdome na tarde desta quinta-feira, 6, enquanto fazia campanha em Juiz de Fora, Bolsonaro foi atendido na Santa Casa da cidade, onde passou por uma cirurgia. Ele foi transferido nesta manhã para São Paulo, onde ficará internado no Hospital Israelista Albert Einstein, no Morumbi. O estado de saúde dele é considerado grave, mas estável. 
Segundo o presidente da Santa Casa, Renato Loures, um eventual atraso na cirurgia "provavelmente" podia ter causado a morte do paciente. "A transferência dele para São Paulo foi devido a um pedido da família. Foi transferido em condições muito boas: lúcido, falando, se comunicando", disse. 

Loures ressaltou que "não se pode permitir" o vazamento da foto de Bolsonaro na maca do hospital, que circulou via redes sociais assim que o presidenciável chegou à unidade. "Não sabemos se foi um médico ou um colaborador, mas podemos afastar um médico se tiver sido um", afirmou. 

Endeusar políticos é sintoma de transtorno mental, FSP

Do brasileiro mais anônimo ao militante mais sofisticado, todos parecem sofrer da mesma confiança cega no seu candidato

Todo mundo fala de “fake news”. Poucos falam de “fake readers”. E, no entanto, os segundos sempre me pareceram mais perigosos do que as primeiras.
 
Produzir informações falsas ou conspiratórias sempre fez parte do DNA da espécie. Até Eva, que era Eva e vivia no Paraíso, não se conteve e foi um pouco “fake” com Adão no episódio da maçã.
 
Mas é preciso ter uma mente especial, igualmente falsa e conspiratória, para que as “fake news” possam nascer e prosperar. E, nesse quesito, há países e países.
 
O instituto de pesquisas Ipsos Mori resolveu estudar o assunto, informa o jornal “Daily Telegraph”. Entrevistou mais de 19 mil pessoas em 27 países. E concluiu, entre outras coisas, que os “fake readers” não se distribuem democraticamente pelo mundo.
 
Quando falamos de “fake readers”, falamos de pessoas com uma certa “tendência” ou “susceptibilidade” para acreditar em tudo que leem. Sem duvidar, sem questionar.
 
Itália ou Reino Unido, dois países que conheço bem, são pouco crédulos. Entre os italianos, só 29% confessam ter sido enganados por “fake news”. Entre os britânicos, só 33%. Motivos?
 
Arrisco um: a desconfiança permanente que italianos e ingleses sempre manifestaram em relação ao poder. Por razões históricas ou filosóficas, ambos os povos sempre tiveram aquela centelha anarquista que permite olhar para a realidade com uma dose saudável de cepticismo.
 
Não é por acaso que Itália, depois da aberração fascista, tenha tido mais de 60 governos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Há traumas que nunca se esquecem.
 
E não é por acaso que Inglaterra, nas palavras do historiador Élie Halévy, tenha passado por todas as revoluções —industrial, social, cultural— sem nunca ter feito a Revolução (com maiúscula). 
 
Mas no estudo do Ipsos Mori há um país que se destaca pelo seu impressionante grau de credulidade: o Brasil, que lidera a lista. Os brasileiros, ou 62% deles, são os mais crédulos de todos (a média é 48%). Em segundo lugar, com 58%, vem a Arábia Saudita. Como explicar isso?
 
Eruditos apressados dirão que a culpa é da colonização (e do atraso educacional); da herança católica (e da reverência cega perante a palavra escrita); ou, então, de ninguém: se o Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de internet, é inevitável que o número de otários seja proporcional ao número de usuários.
 
Boa sorte nesse debate. Uma coisa é certa: se há algo que distingue o período eleitoral que o país vive é a existência de tribos —à esquerda e à direita, sem distinção— que cometem o supremo pecado em política: acreditar em políticos e batalhar obstinadamente por eles.
 
Atenção: não se trata de repetir o clichê popular (e populista) de que “todo político é ladrão/incompetente/psicopata”. Provavelmente, nem todos. Provavelmente.
 
Mas existe uma diferença entre cultivar esse advérbio cauteloso e defender, com fanatismo, o dogma contrário: o político em quem eu voto é a encarnação terrena da sabedoria e da salvação.
 
Uma temporada recente no Brasil só confirmou o que eu já conseguia intuir à distância: do brasileiro mais anônimo ao militante mais sofisticado, todos parecem sofrer da mesma febre —uma confiança cega, e surda, e muda, e até paralítica, no seu candidato.
 
Observei isso ao vivo: estava no aeroporto de Brasília, aguardando o meu voo para São Paulo (dia 31 de julho, umas 11 horas da manhã), quando uma turba enlouquecida veio na minha direção. Que fiz eu para merecer aquilo?
 
Ledo engano. Quando olhei para trás, Jair Bolsonaro estava a um metro de mim, vindo sei lá de onde. O que se seguiu foi digno de um encontro religioso.
 
Não é um exclusivo de Bolsonaro. O mesmo poderia acontecer com Lula —e acontece, à porta do cárcere, onde dezenas, centenas, milhares de crentes são capazes de enfiar a cabeça na guilhotina pela honestidade de terceiros.
 
Engraçado: eu sou incapaz de arriscar a minha cabeça por pessoas que conheço bem, ou que julgo conhecer. Aliás, para ser honesto, nem por mim arriscaria o bestunto. Como proceder de forma diferente com alguém que eu não conheço de todo —e, ainda para mais, um político, ou seja, um membro da espécie “homo sapiens” que inevitavelmente possui um grau maior de narcisismo e ambição por contingências do ofício?
 
Votar no melhor candidato é uma coisa; endeusá-lo e canonizá-lo, um sintoma de transtorno mental.
 
Haverá cura? Não sei. Mas, se houver, desconfio que italianos e ingleses têm a chave do problema.
João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.