segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Nota de repúdio, Conif


O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) repudia, com veemência, as informações publicadas pelo jornal O Estado de S.Paulo nesta terça-feira, 21/11, e por outros veículos de comunicação com base no relatório do Banco Mundial intitulado “Um ajuste justo: uma análise da eficiência e da equidade do gasto público no Brasil". Os dados divulgados são irreais, contrastam com os indicadores positivos registrados nos últimos anos e, o mais grave, negam o investimento em uma área social prioritária, ao desconsiderar a atuação exitosa, socialmente reconhecida, dessas instituições, bem como ignoram a capilaridade dos institutos federais.
São 644 unidades em todo o Brasil, alcançando, inclusive, locais de difícil acesso; cerca de um milhão de estudantes (938.736) e mais de 70 mil servidores que viabilizam a oferta da educação profissional, técnica e tecnológica, formação de professores e bacharelados. Do total de matrículas, 27.570 (2,93%) são em cursos de pós-graduação; 237.008 (25,24%) em cursos superiores; 554.888 (59,11%) em cursos técnicos; 103.896 (11,06%) em cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC); 15.374 (1,63%) na educação básica.
O desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) reafirma a qualidade presente na Rede Federal. Análise de pesquisadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) aponta que, na edição de 2014, o rendimento dos alunos superou o dos demais sistemas educacionais brasileiros (estaduais, municipais e privados).
A qualidade do ensino é, também, reconhecida internacionalmente. No último exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado em 2015 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Rede Federal teve médias superiores às de países considerados referência em educação, como Alemanha, Coreia do Sul e Estados Unidos. É o que mostram os dados divulgados pela OCDE, com avaliações de estudantes de 70 países e territórios.
Ao excluir a oferta da educação profissional técnica de nível médio, o relatório distorce a realidade, pois utiliza como dado geral um recorte que não corresponde ao universo das matrículas. Ao assim se posicionar na divulgação de notícias, o Estadão e outros canais de comunicação corroboram a ideia da existência de um custo irreal do aluno do ensino superior, na medida em que não o integra no contexto geral de matrículas, o qual abarca desde a Formação Inicial e Continuada até a Pós-Graduação. 
Em relação ao custo por aluno, informações divulgadas pelo O Estado de S.Paulo e outros veículos apresentam números incorretos, inclusive divergentes da fonte que embasou a publicação. Enquanto o relatório do Banco Mundial aponta o custo individual de R$ 27.850 no período de 2013 a 2015, matéria veiculada pelo O Estadão, por exemplo, eleva esse valor para R$ 74 mil ao ano, divergindo dos números reconhecidos pelo Conif. Dados oficiais do Ministério da Educação (MEC) registram que, no ano de 2016, o Gasto Corrente por Aluno GCA-Absoluto dos Institutos Federais foi de R$ 12.917,35 e, o GCA-Equivalente, R$ 16.946,89.
Diante do exposto e considerando que mais de 80% dos estudantes são de origem socioeconômica menos favorecida, o Conif reitera a defesa da educação pública federal gratuita e de excelência, reconhecendo a atuação da Rede Federal no combate às desigualdades sociais.


Confira a nota na íntegra.

João Pessoa (PB), 23 de novembro de 2017.
Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) – 41ª Reunião dos Dirigentes das Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica (Reditec)

O Banco Mundial contra-ataca, Unicamp


Peter Schulz analisa e contesta conteúdo de relatório que propõe o fim do ensino superior gratuito
   
Repita uma mentira um número suficiente de vezes e ela se tornará verdade
Frase atribuída a Joseph Goebbels – ministro da propaganda nazista

Para todo problema complexo existe sempre uma  solução simples,
elegante e completamente errada”
H. L. Mencken, jornalista americano.

O ensino superior público no Brasil é ineficiente e com custos maiores do que o ensino privado, além de privilegiar as camadas mais ricas da população e, portanto, deveria ser pago. Essa visão é aceita e propalada como verdade por parte da opinião pública, que agora recebe o aval do Banco Mundial, como induz uma manchete da semana passada no jornal O Estado de S. Paulo: “Para economizar, governo deveria acabar com o ensino superior gratuito, aponta Banco Mundial”. [I] Acredito que a maioria das pessoas da parcela da opinião pública mencionada acima se limitou a ler a manchete, que corrobora uma crença já cristalizada. Um número menor de pessoas talvez tenha lido a matéria, que não traz nenhum contraponto às sugestões do recente relatório do Banco Mundial de limitar gastos nas universidades públicas, além de cobrança de mensalidades.
O relatório, junto com a matéria no jornal, é do dia 21 de novembro, terça-feira, e precisamos esperar até o domingo, 26/11, para ler no Jornal do Brasil que “Especialistas rebatem relatório do Banco Mundial que prega o fim do ensino superior gratuito” [II]. Faço referência com links às duas matérias e deixo ao leitor checá-las ou não. O resto do espaço aqui é para fazer algo que um número ainda menor de leitores das manchetes de jornal faria: ler o relatório em si: Um ajuste justo - propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, que apresenta severas distorções, limitações e inconsistências no que se refere ao ensino superior. É para contribuir para o debate, pois “segundo o economista-chefe do Banco Mundial, Antonio Nucifora, não se trata de recomendações rígidas feitas pelo organismo internacional, mas de sugestões para o debate sobre como reduzir os gastos sem afetar os mais pobres” [III], como se pode ler na Folha de S. Paulo. Então vamos ao que foi escrito e promover esse debate.
O relatório completo do Banco Mundial, que pode ser facilmente acessado [IV], é um relatório de consultoria, cujos autores apresentam credenciais acadêmicas e que mostra tabelas e gráficos, apresentando um conjunto de fontes de dados e referências bibliográficas. Ou seja, emula um artigo científico, o que lhe confere um manto de autoridade adicional. No entanto, no âmbito dos campos científicos, esse trabalho passaria pelo julgamento de outros especialistas, fomentando uma real discussão, podendo ter suas conclusões modificadas ou mesmo rejeitadas. O problema aqui é que as conclusões e sugestões do relatório alcançam e se propagam diretamente no âmbito da opinião pública, muitas vezes alheia à necessária discussão, e algumas matérias da imprensa, que enunciam o relatório sem o oferecimento simultâneo do contraditório, ajudam a repetir ideias que acabam sendo tomadas como verdade, legitimando uma possível catástrofe como veremos a seguir.
O relatório, para quem se aventura a abrir o arquivo correspondente, começa com um resumo executivo, no qual se lê “As despesas com ensino superior são, ao mesmo tempo, ineficientes e regressivas. Uma reforma do sistema poderia economizar 0,5% do PIB do orçamento federal.” Essa parte aparece em negrito, seguido do resumo das conclusões:
  1. “A análise de eficiência indica que um quarto do dinheiro é desperdiçada (sic)”.
  2. “Isso se reflete no fato que os níveis de gastos por aluno nas universidades públicas são de duas a cinco vezes maior que o gasto em universidades privadas”.
  3. “A limitação do financiamento a cada universidade com base no número de estudantes geraria uma economia de aproximadamente 0,3% do PIB”.
  4. “Além disso, embora os estudantes de universidades federais não paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da população. Portanto, as despesas com universidades federais equivalem a um subsídio regressivo à parcela mais rica da população brasileira”.
  5. “Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais, a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes”.
  6. “Não existe um motivo claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas”.

Cada uma dessas ideias parece ser corroborada por dados apresentados no corpo do relatório entre as páginas 121 e 138. Vamos a essas páginas então. O primeiro aspecto que me chamou a atenção é que a palavra pesquisa como atividade realizada pelas universidades não aparece uma única vez. A maioria das universidades públicas realiza pesquisa, enquanto que a maioria das privadas é majoritariamente voltada ao ensino. É bom lembrar que a “indissociabilidade ensino-pesquisa e extensão” é um preceito constitucional para as universidades brasileiras. Cumprir esse preceito custa mais, mas o relatório não faz menção a isso. Como também não faz menção a outras diferenças entre as instituições de ensino superior no Brasil (universidades, centros universitários e faculdades). Como também não se refere a diferenças de custo de cada curso. Como se distribuem as vagas de cursos com custos diferentes entre os diferentes tipos de instituições? As universidades públicas talvez arquem com a maior parte das vagas de cursos de alto custo. Além disso, não existe no relatório nenhuma menção a doutorado e tempo integral. Explico: docentes com doutorado e com dedicação integral promovem pesquisa e qualificam o ensino e por isso são mais bem pagos. Segundo as Notas Estatísticas do Censo de Educação Superior 2016 [V], 85% dos docentes na rede pública estão no regime de tempo integral, enquanto que, na rede privada, apenas 25,7%. Além disso, na rede pública 39% do corpo docente tem formação de doutorado, índice que cai para 22,5% na rede privada. Espero que o relatório não sugira diminuição nos gastos com a diminuição na qualificação docente contratada.
Esses aspectos explicam parte do item 2 e a temeridade do item 3 se a “eficiência” da rede privada for tomada como parâmetro. Não existe no relatório uma referência sobre como foi separado o “custo ensino de graduação” dos outros custos conjugados de pós-graduação, pesquisa e assistência à saúde, que a maioria das universidades públicas presta.  O relatório, no entanto, faz referência à ineficiência para além do custo do ensino por estudante. Um dos argumentos do relatório é de que o valor agregado ao estudante de uma universidade pública é similar ao de uma universidade privada, que seria mais barata, portanto mais eficiente. A medida é pela diferença entre as notas do ENADE e do ENEM. São dados, sim, mas é das possíveis medidas apenas. Como o relatório não faz menção à pesquisa e diferenças de qualificação e regime de dedicação docente, não abordaria também, imagino eu, considerações sobre outros valores agregados que não seriam mensuráveis pelo ENADE (sem levar em conta distorções na realização desses exames pelos diferentes grupos de estudantes, mas isso é outra história).
Nesse ponto vale a pena lembrar que a palavra “inovação” também não aparece nas considerações do relatório no que se refere ao ensino superior. O ambiente “caro” e “ineficiente” de uma universidade pública, como a Unicamp, promove, por exemplo, a inovação e o empreendedorismo, abraçados por parte do seu corpo discente e docente. E isso leva a quê? São mais de 500 empresas que surgiram a partir das atividades desta universidade, gerando 28 mil empregos e com um faturamento superior a 3 bilhões de reais ao ano [VI]. Mas não é só isso, a palavra inovação aparece no relatório em outra seção, que se refere a políticas de apoio a inovação do setor produtivo. Qual seria o panorama? Segundo o ranking de depositantes de patentes em 2016 [VII] do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o maior depositante foi a Universidade Federal de Minas Gerais, seguida de oito outras universidades públicas. A primeira empresa (privada) da lista é apenas décima colocada geral. Entre as “50 mais”, 30 são instituições de ensino superior públicas. Omitir esse “valor adicionado” e que está agregado ao ensino como um todo nas instituições públicas não é uma das constantes na transformação de mentiras em verdades.
Sobre o item 4 do relatório, segundo a minha enumeração acima, convido o leitor a ler a matéria no Jornal do Brasil, pois gostaria de me deter um pouco mais nos pontos 5 e 6, que têm uma longa história acompanhada pelo Banco Mundial. O relatório agora em questão, sobre um “justo ajuste” faz referências a relatórios anteriores, mas esquece de outros. Primeiro, uma lembrança: trata-se da última referência, que é um relatório do Banco Mundial desse ano (2017) intitulado At a Crossroads: Higher Education in Latin America and the Caribbean (é por o nome do relatório no Google, que ele aparece para ser baixado). Na introdução deste relatório citado é feita uma observação interessante: “É importante notar que o presente estudo foca em um papel do sistema de educação superior: o ensino de graduação. Se por um lado sistemas de ensino superior apresentam outros papeis (por exemplo, a produção e disseminação da pesquisa, a formação no nível de pós-graduação e de novos pesquisadores e programas de extensão direcionados à sociedade), nem todas as instituições de ensino superior desenvolvem esses papeis do mesmo modo e existem dados escassos sobre essas atividades”. Um aviso importante, que o relatório que estamos discutindo omite a seus leitores, que é levado a pensar que o sistema de ensino superior é homogêneo, sendo a única diferença a gratuidade ou não, dependendo se a instituição é pública ou privada.
A omissão entre as referências corresponde a relatórios mais antigos do mesmo Banco Mundial, entre eles o famoso Financing Education in Developing Countries, de 1986. É neste relatório que se estrutura a tese de que o Estado de um país em desenvolvimento deve prover o ensino fundamental e médio e não o superior, que ficaria com a iniciativa privada, exatamente pelos maiores ganhos pessoais  que uma pessoa teria, proporcionalmente, com os níveis fundamental e médio em comparação com os do ensino superior. Este relatório é também uma justaposição de tabelas e gráficos e referências. Os ganhos individuais são apresentados como ganhos sociais, esquecendo o fato de que o ensino superior é necessário para dar a sustentabilidade aos ganhos sociais. Consequência? Vale destacar a citação direta (relato de Marco Antonio Dias, referindo-se ao ex-presidente da Tanzânia), que aparece no artigo de Valdemar Sguissardi (Universidade Pública Estatal: entre o Público e o Privado/Mercantil, Educ. Soc. Campinas, vol. 26(90), 191-222):
“Por seguir os conselhos de especialistas internacionais, deixou de dar atenção particular ao ensino superior e, hoje, verifica-se que não dispõe de quadros nem de pesquisadores necessários ao seu desenvolvimento. Em contrapartida, muito do que foi feito em educação de base perdeu-se, pois faltaram condições para assegurar a qualidade em razão de deficiências na formação de professores e na preparação de pesquisadores em educação, que normalmente são formados pelas universidades. Dirigindo-se, em particular, a seus colegas africanos, Julius Nyerere acentuou: ‘Não cometam o mesmo erro que nós’.”
Em um relatório posterior, Educação Superior em Países em Desenvolvimento – Perigos e Promessas, publicado em 2000, no entanto, o Banco Mundial revê sua posição colocando-se a favor de uma visão mais ampla sobre o ensino superior, como defendido aqui neste artigo, mas omitido “nos justos ajustes”.
Recapitulo o ponto 5 acima: “Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais, a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes”. Percebe-se aí o alinhamento com a tese do relatório do Banco Mundial de 1986, mas um detalhe, não comentado, assusta, que é a frase “a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas”. Não há referência a nenhuma fonte que indique uma lista e esta afirmação repetida faz lembrar a epígrafe no início deste texto. O número de países em que não se cobra mensalidades (ou anuidades) no ensino superior público é significativo e voltou ao debate nos Estados Unidos, onde as universidades públicas não cobravam tarifas escolares até o final dos anos 1960 e começo dos anos 1970. De lá para cá o FIES estadunidense passou a ser controverso, como podemos ler em um editorial do Los Angeles Times de fevereiro de 2016 [VIII]:
“A frustração pública com o custo violento da educação superior – e que é percebido como um sistema capcioso de admissão e rejeição de candidatos – está alcançando seu máximo. Por que não podemos ter educação superior gratuito para todos, pais e estudantes querem saber, como em tantos países da Europa?”
Que o público não fique nas manchetes e que este último relatório do Banco Mundial seja devidamente contextualizado e criticado, pois é uma resposta simples e, portanto, errada para um problema complexo. Pelo bem dos bens públicos, como a universidade pública e gratuita brasileira.


Físico, Peter Schulz é professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp e secretário de Comunicação da Universidade

‘A sociedade ainda acredita no carro’, alerta pesquisador do MIT, OESP

O surgimento das megalópoles – como São Paulo – fez com que cientistas mundo afora passassem a estudar como tornar mais confortável a vida humana em espaços densamente povoados. As respostas mais plausíveis até aqui foram trazidas por quem pensa no assunto de forma interdisciplinar, sob o olhar de urbanistas, engenheiros de logística e informática. O pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Phil Tinn, que estará em São Paulo para o 1.º Fórum de Mobilidade Urbana, promovido pelo Estado, é um dos que transita por essas áreas.
Tinn já pensa em soluções para problemas que vão surgir com o compartilhamento de carros e bicicletas, sistemas que existem na capital há menos de cinco anos. Ele acredita que a tecnologia pode estimular a participação popular na organização dos sistemas de transporte público e, assim, desencorajar o uso do automóvel. O pesquisador estuda ainda modelos de transporte que podem tornar mais fácil tarefas do dia a dia, como ir ao supermercado, sem a dependência do carro. Ele conversou sobre saídas para uma vida melhor na cidade. Leia a seguir:
Quais são os principais desafios de transporte para uma grande metrópole como São Paulo?
Um dos desafios mais comuns das grandes cidades é o comportamento das pessoas com relação aos carros, essa mentalidade de preferir o carro, seja dirigindo você mesmo ou de Uber, porque ele oferece o mesmo conforto. Com o compartilhamento de veículos você não tem de achar uma vaga de estacionamento, ter uma garagem em casa. Só que não é o bastante. O desafio é fazer as pessoas migrarem do uso de carros, seja particular ou compartilhado, para o transporte público ou modos não motorizados.
Isso é mais do que oferecer alternativas de transporte. Como governantes podem mudar o comportamento das pessoas?
É um assunto interessante. Tem a ver com nosso sistema de valores. A sociedade acredita nos carros. Ter um carro é ter sucesso. Um exemplo interessante é Paris. Eles tratam do tema dizendo que não são contra carros, são contra a poluição. Porque não há uma perspectiva de curto prazo de troca dos carros a combustível por outros elétricos. Discutir a poluição é uma estratégia muito boa para fazer as pessoas saírem dos carros, encorajá-las a pensar na mobilidade ativa. As cidades norte-americanas também têm esse problema. Os usuários de carros representam uma forte força política.
São Paulo tem rede de metrô e, nos últimos anos, criamos uma de ciclovias. Mas as pessoas preferem carros. Como mudar isso?
Isso é parte do motivo de o Prêmio Nobel de Economia deste ano ter ido para estudos sobre o comportamento. Há intervenções comportamentais que podemos desenvolver. O carro é a razão das experiências ruins do trânsito, mas as pessoas preferem ficar em seu veículo, ouvindo rádio, em vez de ficar no ponto de ônibus. Tem a ver com a percepção do tempo. No carro, o tempo passa de um jeito menos doloroso. A percepção do tempo é muito interessante. Há intervenções comportamentais que podemos desenhar para melhorar a experiência do passageiro na espera.
Mas e o transporte público?
Às vezes, as pessoas usam automóveis simplesmente porque não há melhor alternativa, ou elas não sentem benefícios na outra opção. Um dos nossos estudos é sobre uma plataforma de engajamento das pessoas para participar do planejamento dos sistemas de transporte. Basicamente é pegar pessoas interessadas em criar coletivamente redes de transporte para que elas também entendam quais são os problemas. E o design do transporte é crucial. Por isso estamos trabalhando com o triciclo autônomo (que se move sozinho), o veículo elétrico persuasivo. Percebemos que tínhamos de desenhá-lo de forma atrativa. O compartilhamento de bicicletas tem um problema que é o balanceamento. Há lugares onde não há bikes quando você quer e outros em que você não consegue estacioná-las. Estamos construindo um modelo em que você pega como um Uber e depois outra pessoa usa.
Esse veículo seria para o fim da viagem?
O último quilômetro é o grande objetivo. Em São Paulo, vocês têm linhas de metrô e usam ônibus para ir até essas linhas. E, do ponto de ônibus, ainda há esse último quilômetro – tem gente que chama o táxi para ir para casa. Para esse último quilômetro poderíamos ter esse triciclo barato e sem espera, mas não precisa ser exatamente isso. Precisa ser um veículo pequeno e pessoal.
Parte do seu trabalho trata do que se chama ‘design centrado nas pessoas’. O que é isso?
O conceito de sistema de transporte é feito de infraestrutura. Quando a infraestrutura funciona bem, você nem nota que ela existe. Só percebe quando não funciona. Um exemplo é fornecer as informações para que, por exemplo, as pessoas saibam que horas o ônibus passa. Outro aspecto importante é tornar a experiência de transporte adaptada para você. Muitas vezes, quando as pessoas dirigem o carro, não é porque querem o carro, mas porque querem ter como transportar as sacolas de compras, por exemplo. Gosto de correr e, se quiser correr ao mercado e fazer compras, posso colocar as sacolas no triciclo, e ele vai me seguir. Isso que é personalizar, ajudar a viver o estilo de vida que você quer.
As saídas para a mobilidade poderiam ser aplicadas em todo o mundo?
A questão maior é a densidade populacional da cidade, e é ela que determina como enfrentar o trânsito. Você pode servir Nova York muito bem com sistema de metrô, há uma densidade super alta. Mas se você traz uma abordagem com metrô para Los Angeles, você não terá um número de viagens que justifique o investimentos. O que pode funcionar em São Paulo pode também dar certo em cidades similares, como a Cidade do México. O transporte público, de qualquer forma, é o que oferece as melhores soluções para a mobilidade.

Fórum vai debater mobilidade urbana

Estado realiza no dia 5 de dezembro, das 8h30 às 12h30, o 1º Fórum de Mobilidade Urbana, no Rooftop 5 & Centro de Convenções, em Pinheiros, com abertura do pesquisador Phil Tinn.
Serão realizados dois painéis sobre o tema. No primeiro, sobre tecnologia, mobilidade e segurança, participam Ana Guerrini, head de Políticas Públicas e Pesquisa da 99; Ciro Biderman, coordenador do Mobilab e professor da FGV; Luis Antonio Lindau, diretor do WRI-Brasil para o programa Cidades Sustentáveis; Paulo Cabral, líder de crescimento para América Latina do Waze; e Pedro Palhares, diretor do Moovit no Brasil.
No segundo painel, sobre parcerias para transformar os transportes, estarão Carolina Tohá, ex-prefeita de Santiago; Franz Drees-Gross, diretor global de transportes do Banco Mundial; Gu Tao, vice-presidente da Didi Chuxing; e o secretário municipal de Mobilidade e Transporte de São Paulo, Sérgio Avelleda. 
Gratuitas, as inscrições podem ser feitas pela internet, em estadao eventos.com.br/mobilidade. O evento tem patrocínio da 99.