terça-feira, 7 de julho de 2015

Governo lança seguro-emprego para garantir vagas de quem recebe até R$ 6 mil


Programa custará R$ 100 milhões e deve salvar 50 mil empregos em todo País 
Do R7
O ministro-chefe da Presidência, Miguel Rosseto, durante anúncio do PPE no Palácio do PlanaltoReprodução/NBR
O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rosseto, anunciou nesta segunda-feira (6) um programa para manter os trabalhadores que ganham até R$ 6 mil empregados no país até o final de 2016. Serão beneficiadas empresas, como as montadoras, que tiveram redução de produção e venda em razão da crise econômica.  
O PPE (Programa de Proteção do Emprego), inspirado em um pacote similar da Alemanha, prevê uma redução de jornada e de salários nas empresas que aderirem a ele de até 30%.
O governo cobrirá 50% desta redução o que assegurará ao trabalhador, que ganha até R$ 6 mil, 85% do salário que recebe. Ao entrar no programa, as empresas não poderão mais demitir. 

Um trabalhador que recebe, por exemplo, R$ 3 mil e perder 30% de seu salário, passaria a receber R$ 2.100. Com o PPE, ele retomará metade do que perdeu e teria seu salário ajustado para R$ 2.450,00.
Já o trabalhador que ganha R$ 2 mil perderia R$ 600,00 se o corte em seu salário for de 30%. Com o PPE, ao invés de ganhar R$ 1.400,00, ele passará a receber R$ 1.700,00.
A previsão do Planalto é gastar R$ 100 milhões do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) com o subsídio dos salários. A expectativa é manter 50 mil empregos com salários médios de R$ 2,2 mil. 
De acordo com o ministro Miguel Rosseto, o programa é uma alternativa para o lay-off, esquema em que os trabalhadores tem o contrato suspenso por tempo determinado e recebem parte do salário pago pelas empresas com complemento do governo. Hoje cerca de 20 mil empregados estão nessa situação e migrariam para o novo programa.  
Sindicatos aprovam programa 

As centrais sindicais aprovaram a medida que busca evitar demissões, férias coletivas e suspensões temporárias de trabalho. Para os sindicalistas o PPE chega em boa hora e inaugura o conceito de seguro-emprego em concomitância ao seguro-desemprego.
Segundo o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o programa vem sendo pensado desde 2012 com empresas e sindicatos. Ele disse que só foi adotado agora porque o país passa neste momento por dificuldades temporárias. Ele também ajuda no equilíbrio fiscal.
— Ao invés de pagar o seguro-desemprego e deixar de arrecadar, o PPE mantém os trabalhadores sindicalizados trabalhando e contribuindo para o FGTS e o INSS. Do contrário, quanto o governo gastaria com o desemprego de trabalhadores?
Em 15 dias, por meio de um comitê gestor coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego,  o governo vai dizer quais os critérios de entrada no programa de setores em crise. Espera-se a adesão de montadoras e de fábricas do setor metal-mecânico e químico.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

É pau, é pedra, é o fim de um caminho: um projeto Brasil, por Leonardo Boff em Carta Maior

03/06/2015 - Copyleft 
Leonardo Boff


Ou nos propomos a refundar o Brasil sobre uma nova visão de mundo ou seremos condenados a ser um apêndice do projeto que entrou em crise nos países centrais.



Este é o título de um artigo do editor Cesar Benjamin na revista Piaui de abril de 2015. Talvez seja uma das mais instigantes interpretações da mega-crise brasileira, fora do arco teórico do repetitivo e enganoso discurso a partir do PIB.
 
Afirmam-se aí, no meu entender, dois pontos básicos: o esgotamento da forma de fazer política do PT (lulismo) e a urgência de se pensar um projeto de Brasil, a partir de novos fins e de novos valores. Esse seria o grande legado da atual crise que Benjamin reputa como “a mais grave de nossa história”. Isso me remete ao que ouvi de J. Stiglitz, Nobel em economia, numa conferência em 2009 nos espaços da ONU, na qual estava presente: ”o legado da crise econômico-financeira de 2008 será um grande debate de idéias sobre que mundo nós queremos”. Pelo mundo afora e no Brasil esse parece ser realmente o grande debate. Outros chegam a formulá-lo de forma dramática: ou mudamos ou morremos. A percepção generalizada é que assim como as coisas estão, não podem continuar, pois, lá na frente um abismo nos espreita.
 
Face à crise atual ganham força as palavras severas de Celso Furtado num livro que vale a pena ser revistado: ”Brasil: a construção interrompida”(1993): “Falta-nos a experiência de provas cruciais,  como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada. E nos falta também um verdadeiro conhecimento de nossas possibilidades e, principalmente, de nossas debilidades. Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera e que a contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se teremos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação”(p.35). E conclui pesaroso: “tudo aponta para a inviabilização do país como projeto nacional”(p. 35).
 
Estimo que a grande e decisiva “prova crucial” chegou. Tenho colocado com frequência esta alternativa: ou nos propomos  refundar o Brasil sobre uma nova visão de mundo e de futuro ou seremos condenados a ser um apêndice do projeto-mundo que entrou em crise nos países centrais, alastrando-se por todo o sistema e que não consegue encontrar uma saída viável. Temos vontade de dar esse passo que nos renove nos fundamentos? Benjamin pondera: “Nosso sistema político gira em falso. Governa a si mesmo, em vez de governar o Brasil. Presos nessa armadilha, tornamo-nos uma sociedade de vontade fraca, que não consegue canalizar sua energia para o que verdadeiramente importa. Sociedades assim perdem a capacidade de se desenvolver, ainda mais em um contexto internacional, como o atual, em que as disputas se acirram”. E conclui:”Precisamos encontrar gente nova, organizada de maneira nova, que, em vez de tentar se adaptar ao que a sociedade é, ou parece ser, aceite correr os riscos de anunciar o que ela pode vir a ser, para impulsioná-la”. Essa gente nova é que estamos buscando e que Celso Furtado tanto almejava.
 
O meu modesto sentimento do mundo me diz que importa realizar as seguintes transformações se quisermos sair bem da crise e termos um projeto autônomo de nação:
 
-assumir o paradigma contemporâneo que já possui um século de formulação: o eixo estruturador não será mais a economia sustentável e o PIB, mas a vida. A vida da Terra viva, a diversidade da vida e a vida humana. O capital material esgotado, dará lugar ao capital humano-cultural inesgotável, permtindo-nos ser mais com menos e integrar todos na mesma Casa Comum. Tudo o mais deve colocar-se a serviço dessa biocivilização, chamada também de “Terra da Boa Esperança”(Sachs, Dowbor). A continuar, o paradigma atual nos levará fatalmente ao pior dos mundos.
 
-Fazer uma verdadeira reforma política pois a que foi feita não merece esse nome e é fruto de reles fisiologismo.
 
-Fazer uma reforma tributária para diminuir as desigualdades do país, um dos mais desiguais do mundo, vale dizer, em termos ético-políticos, mais injustos.
 
-Fazer uma reforma agrária e urbana já que a ausência da primeira levou a que prevalecesse o agronegócio exportador em detrimento da produção de alimentos e fizesse que 83% da população migrasse para as cidades, geralmente, para as periferias, com má qualidade de vida, de saúde, educação, transporte e de infra-estrutura.
 
Retomo o título de Benjamin: “é pau, é pedra, é um fim de caminho” não só o fim do atual projeto-Brasil mas o fim do projeto-mundo vigente.
 
Dentro de pouco, a economia se orientará pelo ecológico e pelos bens e serviços naturais. Nisso podemos ser a grande potência pelos imensos recursos que temos. O mundo precisará mais de nós do que nós do mundo.
 
Quem toma a sério a reflexão de uma ecologia integral praticamente ausente nas discussões econômicas, o aquecimento global e os limites físicos da Terra, estas minhas palavras não soam apocalípticas, mas realísticas. Temos que mudar se quisermos continuar sobre este planeta Terra, pois, por causa de nossa irresponsabilidade e inconsciência, ele já não nos suporta mais.
 
Veja meu livro Cuidar da Terra-proteger a vida: como evitar o fim do mundo, Record 2010.

Pedaladas políticas


JOSÉ DE SOUZA MARTINS - O ESTADO DE S. PAULO
04 Julho 2015 | 16h 00

Festa pela ciclovia mostra o contramovimento da Prefeitura tentando reocupar o espaço do protesto social

A compreensivelmente carnavalesca inauguração da ciclovia da Avenida Paulista cobre mais do que o canteiro central da histórica e emblemática rua de São Paulo. Cobre largo período de mudanças na concepção paulistana do urbano e das funções das ruas e avenidas na vida cotidiana de uma cidade que tem passado por transformações mais ou menos abruptas. A Paulista surgiu há mais de um século, concebida e planejada pelo uruguaio Joaquim Eugênio de Lima, aberta em seguida à abolição da escravatura, quando os primeiros bondes puxados a burro substituíam cadeirinhas e redes carregadas no ombro de escravos. A Paulista foi o lugar que anunciou um novo modo de morar, de viver e de pensar, uma nova vida doméstica e familiar, de gente muito rica servida não mais por mucamas, mas por serviçais que até falavam francês. Em muitas dessas casas, francês era a língua da conversação cotidiana. O sotaque da Paulista era o da nova Pauliceia e do novo Brasil.
Desfiles: corsos, festas dos barões e, agora, as bikes: palco do imaginário popular
Desfiles: corsos, festas dos barões e, agora, as bikes: palco do imaginário popular
O espigão do Caaguaçu fora escolhido para a nova rua e o novo bairro porque se acreditava que os lugares altos eram sadios, arejados pela brisa permanente, o oposto dos baixios do Tamanduateí e do Anhangabaú insalubres pelos miasmas doentios. A cidade era agora republicana e parecia ter um plano, o da ordem e do progresso, na saúde pública e na saúde política. Não por acaso, numa ponta da Paulista se concentrariam os grandes hospitais e na outra os cemitérios - o do Araçá, o do Redentor e o do Santíssimo Sacramento, mais tarde o São Paulo. Era para tirar os enterros do centro. Tudo muito higiênico e funcional, até socialmente no dito popular alegórico de duplo sentido: “A Avenida Paulista é que nem casamento: começa no Paraíso e termina na Consolação”.
Mas não é de hoje que a Paulista atrai a multidão, como nessa inauguração da ciclovia. Tornou-se uma espécie de palco do imaginário do povo. Ficaram famosos os corsos carnavalescos já nos anos 1910, até com suas tragédias de bastidor, como a que culminaria na navalhada no rosto da mais bela cortesã de São Paulo, Nenê Romano, em 1918, ordenada por uma noiva enciumada. Nenê seria assassinada em 1923 pelo advogado e amante, Moacyr Piza, poeta e boêmio. 
Já em 1917, o povão tentara invadir a Paulista para uma demonstração política na frente da casa do secretário da Justiça, quando conduzia ao Araçá o caixão do operário José Martinez, ferido e morto a tiros pela Força Pública, na frente da Tecelagem Mariângela, do Brás, durante a greve geral. Policiais de armas embaladas impediram a demonstração.
Tornou-se comum que operários, nos domingos, levassem a família de bonde até a Paulista para ver os palacetes dos ricaços para os quais trabalhavam. Mas também porque a avenida era lindíssima, com os jardins das residências, como ainda se vê na Casa das Rosas, e o Parque Siqueira Campos, resto de Mata Atlântica sobrevivendo dentro da cidade. O palacete do conde Matarazzo era o preferido. Seus operários vinham do Brás, da Mooca, do Belenzinho, da Água Branca, de São Caetano, com a roupa de missa. Postavam-se do lado de lá da rua para mostrar à esposa e aos filhos o monumento da riqueza que seu trabalho ajudara a construir. Não raro para dizer-lhes que Matarazzo era imigrante, viera com uma mão atrás e outra na frente, trabalhara muito, comera pão com banana até se tornar o homem mais rico do Brasil. Era lenda, que o próprio Matarazzo difundia. Mas o proletariado gostava e se via nela. 
Não menos carnavalescos os efeitos de rua do casamento de uma das netas do Conde, em 1945. A multidão acorreu à calçada fronteira, do outro lado, para ver os convidados chegarem para a festa de mais de um dia, gente de poder e de dinheiro. A guerra mal havia acabado. Ainda se padecia o racionamento do pão, as filas para comprá-lo, mas ali não havia racionamento algum. Melhor ver a abundância do outro do que a escassez própria. Era o desfile das grandes contradições sociais no espetáculo do conformismo de um fim de era.
O enredo dos espetáculos da Paulista mudou após o regime militar. Ganhou conotação política, a avenida passou a abrigar, também, o protesto social. Ainda que misturando temas não necessariamente convergentes, os protestos da Paulista vão hoje da afirmação de identidades, como no caso da Parada Gay, à reivindicação de direitos, como nos casos dos protestos sindicais. O advento da multidão como novo sujeito da realidade urbana do País, encontrou na Paulista o cenário sobrante da escassez de espaços para demonstrações públicas na cidade. Algo inerente ao que é próprio das metrópoles modernas não tem aqui o lugar adequado para a teatralidade política. A ocupação da Paulista por diferentes multidões inventa o novo cenário da política. Assim como diversos sujeitos do povo a ocupam para reivindicar, protestar e afirmar o que é basicamente a sociedade contra o Estado, a inauguração festiva da necessária ciclovia mostra o contramovimento do governo municipal tentando reocupar e dominar o espaço do protesto social.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO. PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP. ENTRE OUTROS LIVROS, AUTOR DE UMA SOCIOLOGIA DA VIDA COTIDIANA (CONTEXTO)