quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A renúncia do Papa, editorial Estadão

O Estado de S.Paulo - 13/02


Na homilia para a Sexta-Feira Santa de 2005, o cardeal Joseph Ratzinger, que um mês depois sucederia ao papa João Paulo II como Bento XVI, lamentou: "Muitas vezes, Senhor, a tua Igreja parece-nos um barco pronto para afundar". Ratzinger referia-se ao que lhe parecia ser o abandono progressivo da rígida doutrina da qual ele foi um dos principais zeladores. Passados oito anos de papado, Bento XVI anunciou sua renúncia, alegando não ter mais a saúde necessária para o desafio de "governar a barca de Pedro e anunciar o Evangelho". O gesto, grave e histórico, denota grande coragem moral, pois, embora a renúncia esteja plenamente prevista no direito canônico, não é corriqueiro que um papa, cujos predicados são geralmente vinculados à santidade, revele seus limites humanos. Mas foi também o ponto final de uma trajetória conturbada, que esteve longe de promover a conciliação de uma Igreja profundamente dividida e abalada por escândalos.

Teólogo de grande capacidade, provavelmente o intelectual mais preparado para ocupar o Trono de Pedro, Bento XVI é autor de encíclicas refinadas, como a Spe Salvi (salvos na esperança), que desvincula a mensagem de Cristo da política e que cita Kant, Platão, Dostoievski e Marx para discutir os limites da modernidade e da construção de um mundo sem Deus. Mas nos tempos atuais, em que o valor da mensagem parece depender primeiramente de seu impacto midiático global, não bastam palavras. Bento XVI reconheceu essa dificuldade em sua mensagem de renúncia, ao enfatizar que o mundo de hoje está "sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé". João Paulo II, o papa atlético que beijava o chão dos países que visitava, era o pontífice ideal dessa conjuntura e ajudou a eletrizar uma Igreja que, no entanto, já experimentava cisões importantes e crises graves.

Bento XVI, por sua vez, padeceu de sua falta de carisma e de uma imagem fortemente vinculada à intransigência doutrinária. Essa imagem foi alimentada pela ala progressista da Igreja, interessada em salientar, como contraponto, o legado do Concílio Vaticano II, que permitiu reformas modernizantes. Para os conservadores, Bento XVI, ao retomar princípios que o Concílio havia flexibilizado, tornou-se uma espécie de herói contra a suposta desfiguração dos pilares eclesiásticos por interesses políticos e ideológicos. De fato, da biografia do papa destaca-se seu papel como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, nomeado por João Paulo II em 1981. Como chefe do órgão que sucedeu ao Santo Ofício, o cardeal Ratzinger era responsável pela defesa das tradições católicas contra tentativas reformistas por parte de sacerdotes e teólogos dissidentes. Como papa, manteve-se imune aos apelos por mudanças - no caso mais recente, em junho do ano passado, o Vaticano censurou um grupo de freiras americanas por promover "temas incompatíveis com a fé católica", isto é, a união homossexual, os anticoncepcionais e o divórcio.

As turbulências de seu papado ganharam contornos constrangedores graças ao escândalo de pedofilia protagonizado por padres na Europa e nos Estados Unidos. Bento XVI procurou contornar a crise encontrando-se com vítimas dos abusos e determinando mudanças de conduta para impedir novos casos. Entretanto, o papa não se prontificou a disciplinar os bispos que, embora plenamente informados do que acontecia, nada fizeram para conter os padres pedófilos sob sua jurisdição. Uma dessas autoridades eclesiásticas, o cardeal Roger Mahony, de Los Angeles, estará entre os eleitores do novo papa.

O modo hesitante como o Vaticano lidou com o escândalo é certamente um dos pontos mais baixos da trajetória de Bento XVI, mas seu legado não pode ser tomado por isso. Na história deste pontificado, destaca-se muito mais a reafirmação de princípios morais inegociáveis. A própria renúncia de Bento XVI certamente é um ato de lucidez e, como tal, deverá ter a capacidade de influenciar na escolha de seu sucessor, sempre tendo em vista a defesa incondicional da doutrina contra a vaga dita progressista na Igreja. Eis o gesto derradeiro do grande teólogo e defensor da fé.

Para presidente da Assembleia, principal papel dos deputados não é fiscalizar


PAULO GAMA
DE SÃO PAULO

Prestes a deixar a presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo, Barros Munhoz (PSDB) afirmou em entrevista àFolha que o papel mais importante dos deputados estaduais não deve ser a fiscalização do Poder Executivo nem a proposição de novas leis.
"O mais importante dos trabalhos do deputado é ignorado, a representação da comunidade. É ser o elo entre o prefeito e o governador", afirmou. "Todo mundo acha que o papel do deputado é fazer leis e fiscalizar."
Na entrevista, Munhoz queixou-se do "brutal esvaziamento do Legislativo" e da cobertura da imprensa. "Querem que a gente faça o que é proibido e não querem que a gente faça o que é obrigado." A seguir, os principais trechos.
Eduardo Knapp/Folhapress
O presidente da Assembleia de SP, deputado Barros Munhoz, que deixa cargo em março
O presidente da Assembleia de SP, deputado Barros Munhoz, que deixa cargo em março
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Atividade do deputado
"É extremamente aflitivo ser legislador, porque quase ninguém conhece sua atribuição, principalmente a imprensa. Todo mundo acha que o papel é fazer leis e fiscalizar. A imprensa cobra como se a Assembleia fosse uma padaria: 'Quantas leis foram feitas?' Um dos grandes problemas do país é ter lei demais. Explode um negócio, aparecem dez leis, e já tem cem que não são cumpridas. O mais importante dos trabalhos do deputado é a representação da comunidade, ser o elo entre o prefeito da cidade onde ele é votado e o governador, mas ela é ignorada e tachada de politicagem. Vocês querem que a gente faça o que é proibido e não querem que faça o que é obrigado."
Executivo x Legislativo
"O esvaziamento do Poder Legislativo no Brasil é brutal. Há um predomínio do Executivo. O deputado é proibido de propor leis sobre quase tudo o que é importante. Em 95% [dos casos] o projeto tem que ser do governador. Nós podemos votar 500 projetos de deputados, mas 490 vão ser vetados. O Estado legisla indiretamente, melhorando projetos do Executivo. Essa tem sido a grande performance da Assembleia."
Criação de CPIs
"Não adianta nada [CPI sobre assuntos investigados pelo Ministério Público]. A CPI que mais adianta não é para apurar irregularidade, é para apurar causas, consequências. Agora, em todo país do mundo [barrar CPIs] faz parte do jogo político. Quem tem maioria segura. Por isso que aqui o PT quer CPI, e em Brasília não. É um instinto de preservação. Mas é só CPI que fiscaliza? Criamos uma coisa fantástica: todo secretário de Estado é sabatinado duas vezes por ano na comissão de sua área."
Troca de carros oficiais
Munhoz nega direcionamento na licitação para renovar a frota da Assembleia, cancelada após questionamentos.
"A licitação não foi feita para a compra de um Corolla, absolutamente, mas de um similar do Corolla, que era o carro anterior. Se for um equivalente, tudo bem, desde que não seja a bomba que é o atual."
Auxílio-moradia
O tucano defende o benefício pago aos deputados, que foi suspenso no início de fevereiro por ordem da Justiça. A Assembleia recorrerá da decisão.
"O Ministério Público e o Judiciário [também] recebem, só que incorporado ao salário. Nós recebemos desde 2002, achamos que está certo. Vamos ver o que a Justiça acha."
Acusações a que responde
"No período em que determinados promotores estiveram na minha cidade é que eu sofri mais de 30 acusações [enquanto era prefeito de Itapira]. A finalidade era política, era me destruir. Isso está tão desacreditado que não influi no julgamento que as pessoas fazem dos políticos. Gasta-se uma fortuna, a imprensa concentra horas. No final nada acontece e somos reeleitos."



21/01/2013 - 06h00

Assembleia de SP barra CPIs e tem baixa produção em 2012

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BRUNA BORGES
PAULO GAMA
DE SÃO PAULO
Os indicadores da Assembleia Legislativa de São Paulo em 2012 mostram uma Casa alinhada com o governo Geraldo Alckmin (PSDB) e que exibe sua menor produção nos últimos quatro anos.
Detentora da maioria folgada --dos 94 deputados, só 24 fazem oposição--, a bancada governista impediu o funcionamento de todas as CPIs propostas por parlamentares que não são da base.
Tucano Samuel Moreira é favorito na sucessão
Análise: Legislator estadual tem hoje um papel bem limitado
Dos 20 pedidos da atual legislatura, 17 são de deputados da situação, 13 dos quais do próprio PSDB. Como só cinco comissões podem funcionar ao mesmo tempo, forma-se uma "fila de espera".
Para deputados da oposição, o governo obstrui a fila com "CPIs de fachada". "A Assembleia trabalhou apenas com CPIs cosméticas em 2012", afirma Carlos Giannazi (PSOL), em referência a comissões como a do consumo abusivo de álcool e a do parcelamento "sem juros".
Pedidos sobre temas sensíveis ao governo --como a crise que levou à troca do comando da Segurança Pública-- nem alcançaram as assinaturas necessárias.
A análise dos vetos impostos pelo Executivo aos projetos aprovados pela Assembleia também demonstra alinhamento com o governo. No ano passado, a Casa só analisou 5 dos 635 vetos na fila. Nenhum foi derrubado.
O líder do governo, deputado Samuel Moreira (PSDB), diz que é "natural" que a Assembleia apoie o "projeto de governo que venceu as eleições", mas nega que exista "alinhamento automático".
O presidente da Assembleia, Barros Munhoz (PSDB), não se pronunciou.
Os números da Casa também mostram queda na produção legislativa. Em 2012, o número de leis aprovadas foi 30% menor que em 2011. A maior parte delas cria datas comemorativas ou dá nomes a ruas e prédios públicos.
Como a criação do Dia do Instituto Lula (15 de agosto) e do Dia do Instituto FHC (22 de maio), aprovada, e sancionada por Alckmin,.
Outro projeto em tramitação é o do Dia do Partido Social Democrático, o partido criado pelo ex-prefeito Gilberto Kassab. Proposto por deputados do PSD, a proposta se justifica como "justa homenagem" a essa sigla "que tanto colabora para buscar soluções para os problemas estruturais" do país.
Diferentemente do Legislativo federal --onde o PT viu quatro partidos passarem pela presidência da Câmara desde que chegou ao Planalto-- na Assembleia o PSDB conseguiu emplacar sete tucanos entre os oito últimos presidentes desde 1995.
O predomínio tucano deve aumentar. Em março, quando ocorrem novas eleições para a mesa diretora, o líder governista, Samuel Moreira, deve ser eleito com apoio do PT para o comando da Casa.
Editoria de arte/Folhapress
FÁBRICA DE LEIS Como foi a produtividade da Assembleia do Estado de São Paulo em 2012

Ousadias de um papa, por Marcelo Coelho


13/02/2013 - 04h40


A RENÚNCIA do papa é um convite para toda sorte de teorias conspiratórias; no mínimo, pode-se prever que, de forma talvez nunca registrada na história, Bento 16 terá condições para dirigir, ainda vivo, a própria sucessão.
A decisão foi também repentina demais para se acreditar plenamente na tese de cansaço; teria surgido alguma pressão súbita capaz de tirar Bento 16 do trono de São Pedro? Algum escândalo, quem sabe?
Há argumentos contra esse tipo de especulação. Imagine a hipótese inversa. Se tudo se deve mesmo à fragilidade, à saúde e à velhice, o papa tomou a melhor atitude ao fazer o anúncio de chofre. Não há como preparar a opinião pública para uma coisa dessas sem dar margens a rumores ainda piores.
Vindo de um papa tão cioso das tradições, o fato não deixa de ser irônico. Bento 16 "inova", por assim dizer, evitando o triste espetáculo que se viu no caso de seu antecessor. Com os progressos da medicina, cargos vitalícios acabam -como a vida- conhecendo um prolongamento cruel e antinatural.
Bento 16 ficará com a imagem de "conservador", o que é verdade.
Mas prefiro pensar nele de outro modo. Para quem não tem crença religiosa, as palavras de Bento 16 eram muito mais interessantes do que seria de esperar.
Como intelectual, este papa sempre soube melhor se dirigir ao cérebro do que ao coração das pessoas. Várias vezes topei com frases de Bento 16 que eu mesmo, ateu de carteirinha, poderia subscrever.
A primeira surpresa foi quando ele visitou o local de um antigo campo de concentração nazista. Em seu discurso, deixou no ar a pergunta memorável.
Ficamos pensando, disse o papa, onde estava Deus quando tudo isso aconteceu. Era uma pergunta que nada tinha a ver com as habituais consolações, tão vazias, que a rotina religiosa costuma invocar nesse tipo de situação.
No ano passado, Bento 16 tocou no mesmo tema. Foi num concerto em Milão, no qual iam tocar a Nona Sinfonia de Beethoven. Como se sabe, no último movimento são cantados trechos da "Ode à Alegria" de Schiller. Não há catolicismo nesses versos, mas tudo transmite confiança religiosa.
"Ébrios de fogo entramos em tua morada celeste!", exulta o coro. "Sobre a abóbada estrelada deve morar o Pai amado!"
O papa confessou suas dúvidas a respeito. Essas palavras "ressoam vazias para nós, aliás, não parecem ser verdadeiras". "Não experimentamos de modo algum as centelhas divinas do Elísio. Não estamos inebriados de fogo, mas, ao contrário, paralisados pela dor diante de tanta e incompreensível destruição, que ceifou vidas humanas, que privou muitos da própria casa e lar."
Ele se referia a um terremoto ocorrido na Itália em maio daquele ano. E continuou.
"Até a hipótese de que por cima do céu estrelado deve habitar um Pai bom nos parece discutível. O Pai bom está sozinho acima do céu estrelado? A sua bondade não chega até nós aqui embaixo? Procuramos um Deus que não domina à distância, mas que entre na nossa vida e no nosso sofrimento."
Frases como essas me pareceram extremamente justas, e -vindo de quem vieram- ousadas a mais não poder. "Não temos necessidade de um discurso irreal de um Deus distante e de uma fraternidade não exigente", continuou o papa.
"Buscamos uma fraternidade que, no meio dos sofrimentos, ampara o outro e assim o ajude a ir em frente. Depois deste concerto muitos participarão na adoração eucarística -ao Deus que se inseriu nos nossos sofrimentos e continua a fazê-lo. Ao Deus que sofre conosco e por nós, e assim tornou os homens e as mulheres capazes de compartilhar o sofrimento do próximo e de o transformar em amor."
Ouvi com frequência um comentário meio leviano sobre o conservadorismo de Bento 16 em temas como família, homossexualidade, contracepção. "O que vocês querem? Afinal, ele é o papa!"
Nunca concordei com essa desculpa. Mesmo sendo "o papa, afinal", Bento 16 não saiu por aí fazendo campanha em favor da tese de que o mundo foi criado em seis dias.
Foi escolha sua insistir em temas relativos à vida sexual, quando há dezenas de campanhas (comércio de armas, aquecimento global) que poderiam garantir à Igreja mais apoio junto às pessoas de bom senso. Mas não faltou a Bento 16 o ânimo de dizer mais do que se esperava dele.
Marcelo Coelho
Marcelo Coelho, jornalista, é membro do Conselho Editorial da Folha. É autor dos romances "Patópolis", "Jantando com Melvin" e "Noturno" e das coletâneas de ensaios "Tempo Medido", "Gosto se Discute" e "Trivial Variado". Comenta assuntos variados. Escreve às quartas na versão impressa de "Ilustrada" e mantém um blog no site da Folha.