Dois casos em pouco mais de dez dias assustaram pais na internet e fizeram colégio da zona sul de São Paulo discutir o assunto em rodas de conversas
Renata Cafardo, O Estado de S.Paulo
24 Abril 2018 | 03h00
Atualizado 24 Abril 2018 | 21h55
Atualizado 24 Abril 2018 | 21h55
Dois alunos do ensino médio do Colégio Bandeirantes, um dos mais tradicionais e conceituados de São Paulo, suicidaram-se em casa em um intervalo de pouco mais dez dias. A notícia tomou as redes sociais e assustou pais e estudantes de escolas particulares.
Uma nota do Bandeirantes no domingo à noite, informando as famílias sobre a segunda morte, foi compartilhada publicamente e surgiram informações não confirmadas de outros casos em várias escolas da capital.
O Colégio Agostiniano São José, uma instituição católica na zona leste, informou ao Estado que houve um caso de suicídio na semana passada. Um aluno do Vértice, na zona sul, também se matou no ano passado.
A escola, assim como o Bandeirantes, aparece sempre no topo de rankings de notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e tem altos índices de aprovação nas melhores universidades do Brasil e do exterior.
O Bandeirantes estava em período de provas, quando não há aulas, apenas avaliações para todos os anos. Após o primeiro caso, no dia 10, o colégio procurou uma especialista e programou atividades para tratar do tema com alunos, o que começaria nesta segunda-feira, 23, quando voltassem as aulas normais. Mas, domingo, 22, outro aluno se matou.
A escola está em luto. “Eram bons alunos com pais presentes”, diz o diretor, Mauro Aguiar. Coordenadores, professores e alunos de todos os anos choram ao falar do que aconteceu. Nesta segunda, crianças de todas as idades se sentaram para rodas de conversa mediadas por professores. “Nós temos expectativas de alto desempenho dos nossos alunos, mas também desenvolvemos muito o lado humano”, completa a coordenadora Estela Zanini.
Turma após turma, as professoras perguntavam às crianças e adolescentes se sabiam o que tinha ocorrido, dando espaço para falarem do que sentiam. Muitas das crianças lembravam com indignação de comentários que surgiram nas redes sociais. “As pessoas falam que temos vida fácil financeiramente e parece que não temos permissão para sofrer”, disse o menino no fundo da sala. “Estão dizendo que eles são covardes, fico muito triste com isso”, completou a colega ao lado.
A professora Beatriz Kohlbach, de 35 anos, que mediou a conversa, diz que os alunos “precisam saber que são ouvidos”. No fim da atividade, adultos e crianças se abraçaram e choraram juntos. “Eu não me preparei para isso, nunca imaginei que passaria por uma situação assim”, afirmou a professora de Biologia Carolina Oreb, de 37 anos, que dava aulas para um dos alunos que se mataram.
Para a psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, especialista em processo de luto por suicídio, as conversas são importantes, tanto para acolhimento quanto para identificar outros adolescentes vulneráveis. “O suicídio é um ato de comunicação. A pessoa comunica em morte o que ela não consegue comunicar em vida.”
Segundo ela, a adolescência é uma época complicada porque é quando o jovem “busca pertencimento a partir de padrões que ele estabelece e, muitas vezes, não aceita que não consegue.” Para a psicóloga, os pais precisam estar muito atentos a uma eventual dificuldade de crianças e adolescentes de lidar com as frustrações. Karina lembra que o suicídio é sempre multifatorial e envolve três características: ambivalência, impulsividade e rigidez de pensamento. “A pessoa que se mata não tem tolerância.”
Influência
Os casos de suicídios no Brasil têm crescido nos últimos anos, segundo o Ministério da Saúde. Os dados mais recentes mostram que, na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 722 mortes em 2015, um recorde nos últimos dez anos. O suicídio é a segunda causa de morte de jovens no mundo.
Os dois casos do Bandeirantes tiveram perfis diferentes, um deles indica uma premeditação e o outro, um ato impulsivo. Os alunos eram de anos diferentes do ensino médio e não pertenciam ao mesmo grupo de amigos. A escola tem mais de 2 mil estudantes. Na história de 74 anos do Bandeirantes, houve um caso de suicídio há 15 anos e outro há cerca de 30. “O suicídio de uma pessoa pode influenciar a outra, mas não determinar”, diz Karina.
Na porta da escola, pais se diziam assustados e confusos com a notícia das mortes. “Quando soubemos do primeiro caso, conversamos muito, dissemos que ela pode pedir socorro para nós. Agora veio esse segundo e estou chocada”, disse a intérprete Sandra Tenório. A filha mudou este ano para o Bandeirantes e foi surpreendida com a notícia durante as primeiras provas. Nos grupos de WhatsApp, os pais começaram a discutir sobre como controlar a ida em festas, questionando se havia bebidas e drogas. “Está todo mundo desesperado”, diz.
O coaching George Alan fez questão de buscar a filha, que estuda no 2.º ano, nesta segunda na escola. “Ela chorou muito, pediu para eu vir. Os pais precisam dialogar, eu tenho dito a ela que a gente precisa se adaptar e aceitar.”
A médica Alessandra Bedini, que tem dois filhos no Band, elogiou a atitude do colégio de discutir o assunto. “Tem de trabalhar o tema. Não pode virar uma comoção, senão pode ter mais um.”
O Colégio Vértice informou, por meio de nota, que “os desafios e outros temas que permeiam a vida dos alunos são constantemente abordados em projetos e ações, e trabalhados pela equipe de orientação educacional, que presta um suporte pedagógico e socioemocional individual para o aluno e a família.”
O Agostiniano São José, também por nota, afirmou que atende os alunos com orientação educacional e promove um retiro espiritual que trata de “assuntos relacionados ao interesse dos jovens: busca de si mesmo; o conhecimento de Deus e o relacionamento com Ele; família, namoro, drogas e a perseverança de sua caminhada com Cristo”./COLABOROU PAULA FELIX
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