domingo, 29 de abril de 2018

Sonhos azuis, FSP

Sonhos azuis

Psicóloga conta em livro a história da clorpromazina e de outras drogas psiquiátricas

Até a primeira metade do século 20, hospícios eram lugares cheios e barulhentos. Os loucos gritavam muito, tanto por causa das alucinações que experimentavam como pelos maus-tratos a que eram submetidos. Mas, ao longo da década de 50, os asilos silenciaram.
O motivo foi a clorpromazina, a primeira droga antipsicótica. Sintetizada por Paul Charpentier em 1950 a partir do azul de metileno, ela se mostrou efetiva em evitar os surtos psicóticos de boa parte dos esquizofrênicos. Gente que parecia perdida para o mundo de repente passou a conversar e interagir quase normalmente. Era o início do movimento que depois levaria ao progressivo esvaziamento dos hospícios.
A história da clorpromazina (comercializada como Amplictil no Brasil) e de outras drogas psiquiátricas, incluindo lítio e várias gerações de antidepressivos, é contada de forma apaixonante por Lauren Slater em “Blue Dreams” (sonhos azuis).
Slater parte de um ponto de vista privilegiado. Além de escritora, ela é psicóloga e paciente psiquiátrica. Sofre de transtorno bipolar e diz estar convicta de que foi apenas o uso maciço de combinações variadas de antidepressivos e lítio que a manteve por mais de três décadas longe das internações de que precisou na juventude.
Ela é uma fã desses fármacos, mas nem por isso deixa de exercer o espírito crítico em relação aos laboratórios. O fato de as drogas funcionarem não significa que seja pelas razões alegadas pela indústria. O modelo da depressão como um desbalanço químico marcado por baixos níveis de serotonina, por exemplo, é mais furado do que um queijo suíço.
Slater mostra o que de bom essas drogas fizeram pelos pacientes, mas sem esconder os graves efeitos secundários que elas provocam e o tamanho da nossa ignorância em relação a seus mecanismos de ação. Como bônus, ela fala também de fármacos ainda ilegais, mas bastante promissores para uso psiquiátrico, como o MDMA e o LSD.
Hélio Schwartsman
É bacharel em filosofia e jornalista. Na Folha, ocupou diferentes funções. É articulista e colunista

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