Fundador de Israel defendia via de dois Estados, diz neto
Segundo descendente, David Ben-Gurion não celebrou criação de Israel por prever conflito com árabes
Diogo Bercito
TEL AVIV
Alon caminha pela casa de David Ben-Gurion, fundador do Estado de Israel e seu premiê inaugural. A antiga construção no norte de Tel Aviv é hoje um museu à história do homem que redigiu e declarou há 70 anos a independência do país.
Alguns turistas observam os móveis sóbrios e as estantes forradas de livros em variadas línguas, como hebraico, inglês, espanhol e grego. Alon, porém, se detém em um canto. Coloca as mãos atrás do corpo, pesca uma memória e diz à Folha: “Era aqui que ficava nosso piano.”
Alon, 66, é neto de Ben-Gurion, de quem ele herdou o sobrenome da dinastia. Não é político nem ocupa cargo público, mas conheceu a fundo um dos heróis do país e circulou naquela casa, razões pelas quais é uma requisitada testemunha da história.
Consultor de hotéis de luxo nos EUA, onde vive, ele viajou a Israel para as celebrações da independência, que começam noite de quarta-feira (18), seguindo o calendário judaico. A data no calendário gregoriano é 14 de maio.
Alon tinha 22 anos em 1973, quando Ben-Gurion morreu aos 87 anos após uma hemorragia cerebral. “A última vez em que eu vi meu avô ele estava nesta cama, dormindo. Eu estava de folga no Exército, tinha me ferido, e decidi fazer uma visita. Não quis acordá-lo”, conta.
Ele ainda se lembra de uma das lições aprendidas com seu avô, uma mensagem que considera pertinente mesmo hoje, sete décadas depois do estabelecimento de Israel: “Ele nos dizia para não considerarmos a existência dos judeus como algo garantido.”
A Alemanha nazista matou seis milhões deles durante o Holocausto. Nas últimas décadas, Israel esteve em guerra com todos seus vizinhos --Egito, Jordânia, Síria e Líbano-- e foi ameaçado por outros inimigos, em especial o Irã, com seu desaparecimento do mapa-múndi.
SIONISMO
Nascido na atual Polônia em 1886, David Ben-Gurion migrou em 1906 para a então Palestina, um território do Império Otomano e mais tarde um mandato britânico.
Ele acreditava que, perseguidos na Europa, os judeus precisavam criar ali seu próprio país --um movimento do século 19 chamado de “sionismo”, a partir da ideia de retorno à terra de Sião.
“Meu avô era um homem simples. Não se importava com as coisas materiais, como ir a um restaurante caro ou se vestir bem”, diz Alon. “Ele sempre dizia que sua preocupação era criar um Estado para o povo judeu, e foi por esse objetivo que ele trabalhou toda a sua vida.”
Mas, ao chegar ali, Ben-Gurion deparou com um fato inescapável: o território já era habitado há séculos pelos palestinos, com quem precisaria conviver. “Quando a ONU propôs a criação de um Estado judeu, ele sabia que haveria um conflito com os árabes”, conta Alon.
A proposta da ONU de 1947 era criar um país para os judeus e outro para os árabes. Os judeus aceitaram, mas os árabes, não. A situação, já de atritos entre ambos os lados, tornou-se um confronto internacional com a participação dos países vizinhos.
“Foi por isso que, ao contrário das pessoas que foram às ruas celebrar aquele dia, ele me disse que não ficou feliz. Sabia que nós pagaríamos um preço por aquela guerra. Mas foi adiante e venceu.”
Os palestinos também pagaram um preço: a independência de Israel é conhecida em árabe como “Nakba”, o seu “desastre”.
Durante a guerra, mais de 700 mil palestinos tiveram de deixar suas casas e parte de seus descendentes ainda vive em campos de refugiados. O território da Cisjordânia, onde querem ter o seu Estado, é ocupado por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, travada em 1967. Por essa razão, palestinos têm convocado marchas em protesto ao aniversário de Israel.
Ciente do peso de suas declarações como herdeiro do fundador do país, Alon prefere não falar tanto sobre política. Mas conta que até sua morte o avô acreditava em solucionar a crise com a criação de um país para os judeus e outro para os palestinos.
Ben-Gurion também foi contrário à ocupação da Cisjordânia. Um ano depois da guerra, afirmou: “Se eu tivesse de escolher entre a paz e os territórios que conquistamos, preferiria a paz”.
“Ele dizia que iríamos sobreviver pela superioridade moral, e não pelo Exército”, conta Alon.
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