terça-feira, 17 de abril de 2018

Saudades do que nunca existiu, por Luis Eduardo Assis, OESP (definitivo)



Como tudo parece ruim agora, é natural que se pense que antes era melhor



Luís Eduardo Assis, O Estado de S. Paulo
02 Abril 2018 | 05h00
É leitura obrigatória, cai na prova. O novo livro de Steven Pinker, Enlightment Now, reforça o tema que já havia sido abordado em seu trabalho anterior The Better Angels of our Nature e vende de forma convincente uma ideia contraintuitiva: o mundo vai bem. Nunca estivemos melhores. O predomínio da razão e o progresso material derivado do desenvolvimento científico, que vêm no rastro do Iluminismo a partir do final do século 18, transformaram o mundo em um lugar melhor. Vivemos mais, vivemos com mais qualidade, somos mais tolerantes, sabemos muito e nos matamos menos. Ainda assim, a ideia de que a vida era melhor no passado resiste como uma crendice popular. 
O Instituto de Pesquisas Pew divulgou em dezembro de 2017 uma enquete realizada em 38 países sobre a percepção de progresso ao longo do tempo. A pergunta submetida a 43 mil pessoas foi bastante simples: para alguém como você, a vida no seu país está melhor ou pior do que há 50 anos? Em apenas 20 dos países consultados a percepção é de que a vida melhorou. O destaque da lista é o Vietnã, onde 88% das pessoas acreditam que a vida está melhor agora, seguido por Índia e Coreia do Sul. Na outra ponta, Jordânia, México e, claro, Venezuela são os países mais pessimistas. O Brasil não está bem na foto. Aqui entre nós, nada menos que 49% dos pesquisados acreditam que a vida neste meio século piorou, contra 35% que julgamque melhoramos. 
Esta visão lúgubre não tem o menor respaldo na realidade. O Brasil melhorou extraordinariamente desde o final dos anos 60. A renda per capita, por exemplo, cresceu mais de 200% em termos reais de 1967 até 2013, quando se deu o pico da série histórica. 
Mesmo depois da maior recessão de nossa história, a renda média de 2017 foi 175% mais alta que a registrada há meio século. Somos mais ricos. Somos, principalmente, mais saudáveis. A expectativa de vida ao nascer em meados dos anos 60 era de 57 anos, contra 76 anos hoje. A mortalidade infantil despencou, em virtude do avanço do saneamento e do serviço público de saúde, em especial as campanhas de vacinação. De 115 mortes a cada mil nascimentos na década de 60, o índice recuou para 13,8 em 2015. A maior taxa de mortalidade infantil do mundo hoje é a de Angola, com 88 mortes a cada mil nascimentos, bem menos que a do Brasil há 50 anos. Somos também mais instruídos. A taxa de analfabetismo para pessoas com mais de 15 anos recuou de 35% para 7,2% nas últimas cinco décadas. O porcentual de analfabetos no Brasil dos anos 60 era semelhante à taxa de analfabetismo de um país como Ruanda hoje. 
Se a vida melhorou, qual a razão do passadismo? A própria pesquisa dá uma pista para a resposta ao verificar que há uma forte correção positiva (0,68) entre a percepção de que o passado era melhor e a avaliação da situação atual. Países onde os pesquisados acreditam que a situação hoje não é boa tendem a achar que a vida há 50 anos era melhor. Um típico caso de viés cognitivo em que o peso das observações recentes influencia de forma exagerada a percepção do passado. Como tudo parece ruim agora, é natural que se pense que antes era melhor. Isto dá uma ideia da gravidade do momento em que vivemos. 
A concupiscência da classe política no trato da coisa pública, aliada à escalada do desemprego e da violência, ajuda a explicar nosso derrotismo. A campanha presidencial que se aproxima é oportunidade rara para discutir os rumos deste país. Temos saudades de um tempo que não vivemos, de um lugar onde nunca estivemos. Não temos passado glorioso. Mas o futuro será mais benevolente, se pudermos resgatar, pela política, as instituições que os políticos desgastaram. 
ECONOMISTA. FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL 
E PROFESSOR DA PUC-SP E FGV-SP. 
EMAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM

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