domingo, 30 de junho de 2019

Produto nacional enfrentará imposto zero em importados, FSP

V

Julio Wiziack
BRASÍLIA
A Camex (Câmara de Comércio Exterior) só aguarda aval do ministro da Economia, Paulo Guedes, para baixar uma resolução que está pronta e prevê zerar as alíquotas de importação de bens de capital, informática e telecomunicações que têm produtos nacionais similares.

A medida, se for implementada, dará a largada para a abertura comercial prometida por Guedes desde a campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro.

Pessoas que participaram das discussões afirmam que a resolução ainda não entrou em vigor porque o ministério aguarda a aprovação da reforma da Previdência.

A medida ainda poderia levar a um revés na votação capitaneada pela bancada que hoje defende a indústria local.

A resolução da Camex alterará o atual regime de ex-tarifário, que vale para os países do Mercosul e é um modelo que zera, temporariamente, as alíquotas para importação de máquinas, equipamentos e insumos de tecnologia sem similares na indústria local.

Hoje essa isenção tem validade de dois anos para cada pedido de importação.
Segundo técnicos, que falaram sob a condição de anonimato, a Camex pretende modificar o regime ao permitir que importados com equivalentes na indústria nacional não sejam taxados.

Quem participa das discussões afirma que essa mudança é possível graças a um “waiver” (regras de exceção) válido até o fim de 2021 para que cada país do Mercosul possa modificar as regras do bloco sem consultar seus integrantes.

Depois desse processo, seria preciso abrir negociação para convencê-los a encampar a nova política.
Ainda segundo esses técnicos, as conversas estão avançadas. Uruguai e Paraguai sinalizaram favoravelmente à adesão ao novo regime. A Argentina ainda resiste.

A notícia de que importados similares aos da indústria nacional não serão taxados fez representantes da indústria pesada baterem à porta de Guedes e das secretarias especiais do ministério.

Guedes sempre defendeu que jogar o empresariado nacional na “cova dos leões” seria a única forma de despertar seu instinto de sobrevivência para forçar a competição e o aumento da produtividade.

Desde a transição, o ministro se baseia em um estudo feito pela SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) da Presidência da República que mostrou as vantagens da abertura comercial para a economia.

O atual presidente da Camex, Carlos Pio, foi um dos responsáveis pelo estudo.

Naquele momento, diversos setores reagiram contrariamente ao plano de Guedes e encontraram respaldo no secretário de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, que defende reduções gradativas das alíquotas a exemplo do que ocorreu no programa voltado para a indústria automotiva. 

A transição para reduções gradativas de alíquotas, nesse caso, será de 15 anos.

Na sexta-feira (29), Troyjo estava em Bruxelas, com a comitiva brasileira, à frente do fechamento do acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia.
O discurso de tarifas gradativas acabou, aos poucos, sendo adotado por Guedes. 

O ministro, publicamente, anunciou a intenção da equipe econômica de reduzir as alíquotas de bens de capital e insumos de tecnologia ao longo de quatro anos para que chegassem, no último ano do mandato do presidente Bolsonaro, a cerca de 4%.

No entanto, a taxa de investimento voltou ao patamar de 50 anos atrás, e uma política mais radical neste momento ajudaria a atrair os investimentos via importação de máquinas e equipamentos.

Em outra frente, o governo ampliou, na semana passada, o ex-tarifário, criando condições mais vantajosas para a concessão do benefício.

Em vez de três meses, o processo deve durar cerca de 20 dias e permitir que mais insumos sejam enquadrados pelo regime de ex-tarifário.

Todo produto nacional que tiver condições equivalentes ao de similares importados poderá ficar livre de imposto.

A burocracia vigente acaba dificultando o fornecedor nacional neste processo e, muitas vezes, prejudica a indústria, que demora demais a receber as máquinas ou os insumos (como peças).

A medida que está na Camex é mais drástica, e uma das preocupações da indústria é o efeito que a entrada desenfreada de importados pode causar ao setor.

Representantes das entidades dizem que a indústria foi duramente prejudicada por décadas de juros e impostos elevados e câmbio valorizado (dólar barato).

Essa combinação restringiu a capacidade de competição da indústria local. Por isso, não seria possível implementar uma abertura fulminante.

No estudo da SAE, feito na gestão Michel Temer, porém, os efeitos de uma abertura mais drástica seriam benéficos. Na simulação feita com 57 setores da economia, a abertura comercial reduziria preços para o consumidor e tornaria as empresas mais competitivas para exportações.

Em contrapartida, seria preciso incentivar a migração de 3 milhões de desempregados desses setores para outros.

O estudo já propunha uma redução para 4% nas tarifas de bens de capital e de insumos de tecnologia.

Desde então, nada ocorreu porque, dentre outros fatores, o governo acreditava que poderia comprometer as negociações do Mercosul com a União Europeia, cujo acordo já foi fechado.
[ x ]
Procurado, o Ministério da Economia não quis comentar.

INDÚSTRIA CONTESTA ESTUDO 

A Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) contratou a consultoria LCA para contestar um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada) que ajuda a embasar o plano de abertura comercial do governo federal.

A cúpula da Abimaq se reuniu há cerca de um mês com o presidente do Ipea, Carlos Von Doellinger, e reclamou da metodologia do estudo.

Pesquisadores do Ipea confirmaram o encontro e afirmaram que Von Doellinger cobrou explicações do diretor do Dinte (Departamento de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais).

Os representantes da Abimaq consideram que os participantes do Ipea deturparam a metodologia usada internacionalmente para calcular o impacto das reduções tarifárias de bens de capital, informática e telecomunicações sobre a economia e o emprego.

Essa manobra teria forjado números favoráveis a uma abertura comercial mais radical, alinhada com a do governo. Para mostrar que o Ipea induziu a erro, a Abimaq aguarda a conclusão do estudo da LCA.

Resultados prévios mostram que a participação do setor no PIB (Produto Interno Bruto) cairia 0,58%, pela simulação do Ipea. Nos cálculos da LCA, essa queda seria de 7% nos primeiros três anos de redução tarifária.

Em linhas gerais, a consultoria refez a modelagem do Ipea usando os padrões internacionais.
Depois, aplicou um modelo próprio de comparação para avaliar os impactos de uma abertura comercial no PIB, na balança comercial, na produtividade e no emprego.

O primeiro problema verificado no estudo do Ipea foi o uso de uma base de dados nacional. Os demais estudos usam parâmetros globais de comércio entre os países.

O estudo do Ipea mostrou que uma queda de um ponto percentual na tarifa média de importação gera um aumento de 0,66% ao ano na produtividade total dos fatores.

A indústria considera que, pelos cálculos do Ipea, os efeitos dessa produtividade ficaram comprometidos pelo uso de dados de 20 anos atrás, período em que o país se beneficiava dos efeitos da liberalização comercial.

A partir daí, o estudo mostra que o PIB cresceria, no máximo, 0,2% a partir de 2029. Os investimentos teriam seu ápice de crescimento em 2025 (0,47%). A balança comercial registraria uma alta recorde (0,2%) em 2030. Por fim, a abertura teria impacto neutro sobre o emprego.

No estudo feito no ano passado pela SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), da Presidência da República, a abertura generalizada da economia levaria a 3 milhões de desempregados.

Por meio de sua assessoria, o Ipea disse que não houve qualquer deturpação para que se chegasse a resultados favoráveis a políticas de governo. 

O instituto afirmou que “não defende redução mais ou menos drástica de tarifas” e que está preparando novos estudos para municiar o governo.

O instituto informou ainda que o uso de dados nacionais foi a opção adotada porque se trata de uma proposta de “abertura unilateral”.

O QUE ESTÁ EM JOGO?

O que é o ex-tarifário?
Redução temporária da alíquota do imposto de importação de bens de capital (BK), de informática e telecomunicações (BIT), acertada com o Mercosul, sempre quando não houver produção nacional equivalente.
Qual é a alíquota desses impostos fora do regime? 
As importações de bens de capital são taxadas em 14%, e as de bens de informática e telecomunicações, em 16%.
Por que zerar as alíquotas? 
Como forma de atrair investimentos aos países do bloco

Daniel Martins de Barros Conteúdo Exclusivo para Assinante Propagandeando a verdade, OESP


O cérebro fica inclinado a tomar como verdade o que interpreta mais facilmente

Daniel Martins de Barros, O Estado de S.Paulo
30 de junho de 2019 | 03h00
Uma das maiores transformações que experimentei quando o assunto é turismo foi a possibilidade de trocar hotéis por casas de verdade. Claro que hotéis podem ser chiques, oferecem cafés da manhã que a gente só vê em novela e tolhas mais macias do que meu travesseiro. Mas – sobretudo para quem viaja com crianças – eles tendem a se tornar gaiolas de ouro: ficar limitado ao um quarto é aflitivo.
Daí a liberdade de se ter uma casa inteira para você – em vez dos mimos do hotel, o conforto de um espaço maior. Se você não se importa em cozinhar de vez em quando, lavar louça e fazer uma arrumação, viajar para uma casa de verdade é uma excelente opção.
Um desafio particular é fazer compras de mercado. Diante de marcas totalmente desconhecidas e rótulos nem sempre compreensíveis, às vezes nos damos mal. Já cheguei a colocar chocolate em pó num leite estranho, que só depois descobri ser um tipo de coalhada, por exemplo. Sim, é um caso bem “classe média sofre”, eu sei. Não é um problema de verdade. Mas tudo isso era só para dar um exemplo de como ficamos desorientados diante da ausência de informações prévias, mostrando como o cérebro depende das coisas que já ouvimos antes para se orientar.
Quando somos expostos a propagandas dos produtos, já ouvimos falar das marcas, fica mais fácil escolher, mesmo que a propaganda seja enganosa. O que nos leva finalmente para o tema do artigo – uma mentira repetida várias vezes começa a parecer verdade.
Foi publicado este mês um estudo feito com mais de 2 mil pessoas que investigou se a forma que pensamos influencia a tendência de acreditarmos mais nas mensagens repetidas. Um grupo que reuniu cientistas da BélgicaCanadáEstados Unidos e Alemanha entrevistou voluntários avaliando três aspectos mentais: a inteligência; o estilo cognitivo das pessoas – se elas eram mais intuitivas, confiando nas impressões, ou analíticas, avaliando mais cuidadosamente as informações; e a necessidade de fechamento – tendência que as pessoas têm de evitar ambiguidade e encontrar um sentido fechado nas informações.
A pesquisa começava pela leitura de várias afirmações ou manchetes políticas que deveriam ser apontadas como falsas ou verdadeiras. Em seguida, os voluntários eram submetidos aos testes cognitivos. Ao final eles novamente deveriam distinguir frases falsas de verdadeiras, misturando frases já apresentadas no início da pesquisa com outras vistas pela primeira vez.
Independentemente da inteligência dos sujeitos, de sua necessidade de fechamento ou de seu estilo ser mais intuitivo ou analítico, tudo mundo acreditava mais em informações falsas quando elas eram apresentadas pela segunda vez. Pode parecer desanimador o fato de que ninguém está imune ao fenômeno, chamado de efeito da verdade ilusória. Se todos somos sujeitos à influência da propaganda repetida, haveria esperança de combater tanta desinformação que nos cerca? A resposta provavelmente é sim, desde que consigamos expor as pessoas a mais e mais informações adequadas. 
O mecanismo provável por trás do efeito de verdade ilusória é que o cérebro fique inclinado a tomar como verdadeiras informações que seja capaz de interpretar mais facilmente. Essa fluência no processamento é tanto maior quanto mais habituados àquela informação estamos.
O efeito se mantém mesmo sem termos registro explícito daquela memória. Não espanta que o cérebro esteja programado para tanto; afinal de contas, na maioria das vezes em nossa história a repetição tinha mesmo relação com a verdade da informação. Não se trata de defeito de alguns leitores, mas de uma característica humana embutida em nossa mente.
Se formos capazes de apresentar as informações corretas para a sociedade, portanto, de forma clara, compreensível e – mais que tudo – incansável, podemos tornar o processamento das informações corretas mais fluente, ajudando-as a tomá-las como verdade. Como mostra minha experiência nos supermercados desconhecidos, apesar de muitas vezes ser mal utilizada, a boa propaganda é útil para ajudar a navegar o mar de informações que nos cerca.

‘Presidente optou por se tornar rainha da Inglaterra’, diz Pessôa, OESP

Douglas Gavras, O Estado de S. Paulo
30 de junho de 2019 | 05h00
O Congresso deve conseguir aprovar a reforma da Previdência, apesar da falta de articulação do Executivo, avalia o chefe de crescimento econômico do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, Samuel Pessôa. “Difícil é imaginar o dia seguinte. Mudar a Previdência é uma condição necessária, mas ela não é suficiente (para reaquecer a economia)”, diz.
Para Pessôa, há condição para que o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, corte os juros básicos. Ainda assim, antes de aprovar a Previdência, o governo não tem espaço para muitas medidas de curto prazo. A seguir, trechos da entrevista: 
Por que a economia não reage?
Quando o presidente Jair Bolsonaro ganhou a eleição, houve um excesso de otimismo com o governo, as pessoas imaginavam que o presidente iria operar o sistema político da forma convencional, atendendo ao conjunto de regras de funcionamento do presidencialismo de coalização, nos mecanismos de relacionamento do Executivo e Legislativo desenvolvidos ao longo do mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e que serviram de padrão para os outros governos em seguida. 
ctv-mmg-pessoa
Alívio. Ciclo de queda dos juros pode ajudar em investimentos de infraestrutura, diz Pessôa  Foto: Werther Santana/Estadão

 

Fazendo articulações? 
É a forma como o presidente negocia, de maneira republicana, a construção da base de sustentação e compartilha poder com partidos que são próximos a ele, mantendo uma participação proporcional ao tamanho e ao peso de cada partido. Isso o Bolsonaro não quis implementar, o que gerou uma enorme frustração de expectativa em todo mundo e desestimulou investimentos. 
As dificuldades políticas têm atrapalhado as reformas e a recuperação da economia?
O presidente construiu uma candidatura, foi eleito e está prestes a aprovar uma reforma da Previdência sem se comprometer com ela. Bolsonaro é o maior interessado na aprovação da reforma, mas ela deve passar sem a liderança dele. Em geral, o fracasso do desempenho da economia é atribuição do Executivo, mas Bolsonaro conseguiu uma coisa original: jogou no colo do Congresso a responsabilidade pelo desempenho fraco que a economia brasileira tem tido. 
Essa postura tem dado certo?
Na última semana, o presidente se queixou de que o Legislativo quer esvaziar o seu poder, transformando Bolsonaro em uma espécie de ‘rainha da Inglaterra’ (ao comentar um projeto da Câmara que transfere aos deputados o poder de fazer indicações para agências reguladoras). Isso é uma coisa que muito me espanta. Ele escolheu ser ‘rainha da Inglaterra’. Ele fez toda uma campanha demonizando a política tradicional, mas não existe outra política - ela pode ser bem-feita ou de pior qualidade, mas não há outra. Quando o presidente não toma a liderança da negociação entre Legislativo e Executivo e diz que toda política é roubalheira, ele se exime de fazer política. O Brasil já havia aprendido a operar nos marcos do presidencialismo de coalização padrão e eu sou uma certa viúva dele. Hoje, temos um governo de extrema direita, que não se preocupa tanto com a agenda econômica do País.
Aprovando as mudanças na Previdência, o que vem a seguir?
Mudar a Previdência é uma condição necessária, mas não é suficiente. Ela consegue colocar a economia rodando a 2%, ao invés de 1%, como agora. Há toda uma agenda de outras reformas que precisam ser feitas, mas tenho dificuldades de desenhar o dia seguinte à aprovação da reforma da Previdência, não sei qual vai ser a reação do Congresso. Não sei como ficaria o contorno da política. Pode ser que o presidente continue no palanque, fazendo guerra cultural, matando os comunistas que ele diz encontrar por aí. E o Congresso, tocando a agenda das demais reformas, em paralelo ao governo.
O governo pode tomar medidas para tentar reaquecer a economia no curto prazo?
Não tem muita coisa que pode ser feita além das reformas, mas o Banco Central sinalizou que haverá um ciclo de queda dos juros depois da aprovação da reforma da Previdência. Se olharmos o gasto público hoje, tem um espaço de R$ 35 bilhões que poderiam ser gastos na manutenção de estradas. Não valeria a pena construir coisas novas, mas colocar algum dinheiro na manutenção de estradas e pontes. Mas é preciso passar a etapa da reforma da Previdência. Qualquer medida que for tomada antes que o País tire a reforma da frente pode aumentar o risco-país, gerar um aumento de percepção de risco lá fora, o que seria uma coisa ruim para o crescimento econômico.
A redução dos juros poderia ser mais rápida? 
Independente da percepção das pessoas, a gente está discutindo pouco abaixo dos juros atuais. Eu entendo que o Banco Central tenha dificuldade de iniciar essa discussão sem tirar o tema da Previdência da frente. Mas o ciclo de queda de juros sempre ajuda um pouco, pode ter algum espaço para incentivar a infraestrutura.
O boletim Focus, do Banco Central, tem trazido previsões cada vez mais baixas para o crescimento do País este ano. Alguns economistas estimam crescimento inferior a 1%. O senhor concorda com essas expectativas? 
Eu sou um pouco mais otimista do que parte dos economistas tem sido até agora. Aqui no Ibre, nós projetamos 1,2% de crescimento do País para este ano. O argumento que a gente sustenta é que o consumo das famílias tem tido uma recuperação. É medíocre e a produtividade ainda está muito baixa, mas pode ajudar.