23 de março de 2011 | 9h09
Rolf Kuntz
As exportações do pequeno Vietnã para os Estados Unidos aumentaram 226,4% em sete anos e chegaram à respeitável soma de US$ 14,9 bilhões no ano passado. As vendas da gigantesca China para a maior potência mundial cresceram 139,4% no mesmo período e alcançaram US$ 364,9 bilhões. Em 2010, o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, faturou US$ 23,9 bilhões com as vendas para o mercado americano, apenas 33,5% mais que em 2003. No ano passado, o Vietnã conseguiu um superávit de US$ 11,2 bilhões nesse comércio.
O Brasil teve um déficit de US$ 11,4 bilhões. O parceiro foi o mesmo: a economia número um do mundo, ainda em crise, mas com apetite suficiente para absorver um enorme volume de importações. O Brasil foi incapaz, como tem sido há vários anos, de extrair os benefícios possíveis da parceria com a maior potência global.
O protecionismo americano explica parcialmente esse desempenho. Mas a história é mais complexa. Em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu tirar da pauta – a expressão foi usada por ele – as discussões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O negociador americano, Robert Zoellick, hoje presidente do Banco Mundial, avisou: se o acordo fosse assinado, o Brasil ganharia uma vantagem pelo menos temporária em relação à China. Os chineses aumentariam sua presença, inevitavelmente, mas o Brasil poderia aproveitar a vantagem para ocupar espaços. Zoellick estava certo quanto à China, mas outros países administrados com pragmatismo também cresceram como parceiros dos Estados Unidos.
Os números citados são do Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Diferem um pouco das estatísticas de Brasília. Pelos dados brasileiros, o Brasil tornou-se deficitário no comércio bilateral a partir de 2009. Pelas tabelas americanas, já houve um déficit de US$ 1,8 bilhão em 2008. A fonte americana foi usada para facilitar as comparações e deixar claro o descompasso entre o Brasil e outros países no intercâmbio com os Estados Unidos.
Vários países de regiões diversas, além da China e do Vietnã, exibem melhor desempenho. Vale a pena citar alguns exemplos, apesar do excesso de números. Entre 2003 e 2010, também conseguiram aumentos maiores que os do Brasil nas vendas para o mercado americano: Chile (88,9%), Colômbia (145%), Costa Rica (158,8%), Peru (111,4%), Polônia (124%), Indonésia (73,2%) e Tailândia (49,5%). Há quase certamente outros casos, mas esses deveriam ser suficientes para deixar claros alguns pontos:
1) A opção pelo comércio Sul-Sul, no governo passado, não correspondeu apenas a um esforço de diversificação de mercados. Houve, sim, negligência em relação ao mercado americano, embora funcionários da administração anterior tenham dito o contrário. Essa negligência teve motivação obviamente ideológica. Além disso, a diversificação de mercados era uma velha tendência. Desde os anos 70 o Brasil é descrito como “global trader”. Essa característica não surgiu no governo Lula;
2) O déficit no comércio com os Estados Unidos – um fato recente – não é o grande problema, embora tenha sido acentuado por empresários brasileiros em discussões com o secretário do Comércio, Gary Locke. O secretário respondeu facilmente: os brasileiros devem olhar para seu comércio total, e não só para o intercâmbio com um parceiro. Os Estados Unidos hoje têm superávit em relação ao Brasil, mas continuam deficitários no comércio com a China. Locke está certo. O problema brasileiro é outro: impostos irracionais, infraestrutura inadequada, entraves burocráticos, etc. – além do câmbio, é claro. Isso o secretário conhece. A conversa sobre o déficit foi um desperdício. Além do mais, o Brasil tem poucos acordos comerciais – todos com economias em desenvolvimento – e também isso limita o dinamismo de suas trocas;
3) Valeria a pena ter discutido com o secretário Locke os problemas do protecionismo – há barreiras elevadas contra vários produtos – e a respeito do acordo sobre o algodão. Os americanos estão atrasados no cumprimento de suas promessas e disso a Casa Branca pode cuidar.
As oportunidades perdidas com a diplomacia juvenil do governo anterior são irrecuperáveis. Mas, com pragmatismo, pode-se tomar um novo rumo. Os empresários poderão ajudar, se souberem avaliar seus interesses de longo prazo. Mas precisarão ter uma atuação política mais séria, mais independente de favores e menos conformista do que tiveram nos últimos oito anos.