Na esteira da comoção causada pelos mais recentes morticínios nos Estados Unidos, um grupo de senadores democratas e republicanos anunciou um raro acordo bipartidário para restringir, ao menos parcialmente, o permissivo comércio de armas naquele país.
Trata-se de passo significativo num tema que está entre os mais divisivos da sociedade americana.
Em geral, os conservadores de lá veem nas armas um símbolo de autonomia individual, consagrado pela segunda emenda da Constituição. Qualquer tentativa de restringir esse direito é entendido como ingerência indevida do Estado na vida privada e uma violação de garantias fundamentais.
Já as forças mais à esquerda defendem o aumento das restrições aos produtos. Seu principal e mais persuasivo argumento são as repetidas matanças de civis, crianças em particular, cometidas por atiradores que, sem maiores dificuldades, adquirem até rifles de assalto.
A população apresenta-se dividida, com pequena maioria (52% na mais recente pesquisa Gallup) favorável a ampliar os controles, embora outros levantamentos tenham registrado percentuais mais elevados após os últimos ataques.
No Congresso, onde o lobby armamentista tem presença forte, a cizânia partidária vem bloqueando há décadas qualquer avanço maior em torno da questão.
Daí a importância do acordo consagrado no domingo (12). Assinada por dez senadores de cada legenda, a proposta é um caminho do meio entre as ambições democratas e as restrições republicanas.
Dentre as medidas, a mais relevante talvez seja a que aumenta o rigor na verificação de antecedentes de menores de 21 anos, incluindo pela primeira vez registros de saúde mental e comportamento.
O plano prevê ainda incentivos federais para que os estados promulguem as chamadas leis de bandeira vermelha, destinadas a retirar armas de fogo de pessoas consideradas uma ameaça a si mesmas ou a outros, além de ações de combate ao comércio ilegal.
As intenções ainda precisam ser concretizadas em legislação, e discordâncias acerca de alguns detalhes podem atravancar o processo —para nada dizer da oposição de grupos pró-armas e de parlamentares refratários a mudanças.
A despeito dos obstáculos, o acordo é visto como a melhor oportunidade em décadas para sustar o armamentismo no país. Cumpre fazer o possível, não aguardar o ideal.
Você vai ver aqui: Senado aprova o teto do ICMS da energia e combustíveis, que volta para a Câmara com alterações na desoneração do etanol e alguma compensação adicional para os estados. Governadores tentaram negociar para manter (e garantir) desoneração maior em 2022. Enquanto isso, novo reajuste da Petrobras é esperado. Confira:
O teto do ICMS O Senado aprovou o PLP 18/2022 (teto do ICMS). Em resumo, tenta evitar que os estados cobrem uma alíquota superior a 17%/18% sobre os combustíveis e energia elétrica. -- Principais mudanças dizem respeito à compensação aos estados e municípios, pela perda de arrecadação: trechos aumentam o abono de dívidas e transferem para a União despesas obrigatórias com Saúde e Educação (Valor, g1). O relator Fernando Bezerra (MDB/PE) recuou na desoneração do etanol. O Senado tentou isentar o biocombustível de impostos federais até 2027, mas manteve até 2022. -- Ainda tem uma PEC dos Biocombustíveis para ser votada, possivelmente hoje (14/6), para garantir no longo prazo que a tributação do etanol seja sempre inferior à da gasolina, preservando a competitividade do biocombustível substituto. O texto volta para a Câmara, onde Arthur Lira (PP/AL) nunca assumiu um compromisso público em aprovar eventuais mudanças no texto propostas no Senado. "Lógico que, se vier com alguma mudança, o projeto volta para a Câmara, e aqui será de novo reapreciado", afirmou Lira, na semana passada. E os estados tentaram um acordo: desonerar os combustíveis para este ano direto por decisão do Confaz, mais rápida. Em troca, queriam o período de transição para que os novos tetos – especialmente da gasolina – entrassem em vigor de forma gradativa. Congresso está rejeitando a proposta. De olho nas eleições, Jair Bolsonaro (PL) voltou a cobrar agilidade do Congresso na aprovação do pacote de redução dos impostos dos combustíveis. Sem apresentar as referências utilizadas no cálculo, disse que, se aprovados os projetos em tramitação, o preço do litro da gasolina cai R$ 2 nas bombas. E que o litro do diesel ficará R$ 1 mais barato. -- O presidente incentivou os motoristas a “tirarem foto” do preço nas bombas como forma de fiscalizar a redução de preços. As contas do presidente divergem das estimativas apresentadas por Fernando Bezerra, no Senado. De acordo com o senador, o pacote de desoneração poderá levar a uma redação de R$ 0,76 no litro do diesel e de R$ 1,65 no litro da gasolina. O real impacto da desoneração sobre os preços dos combustíveis, contudo, dependerá da dinâmica do mercado. A redução dos preços prometida pelo governo pode ser anulada, a depender de novos reajustes da Petrobras. Segundo uma fonte da equipe econômica do governo ouvida pelo Valor, há uma expectativa de que a estatal reajuste os preços dos combustíveis ainda esta semana. -- A Abicom (importadores) estima que o diesel vendido pela Petrobras nas refinarias estava, na sexta-feira (10/6), 18% abaixo do preço internacional, enquanto a gasolina tinha defasagem de 19%. -- E o petróleo continua pressionando. Nesta manhã (7h45), o Brent operava em alta de 0,89%, a US$ 123,36 por barril. E ontem, após grande volatilidade, o Brent fechou em leve alta, de 0,21%, a US$ 122,27 por barril. Valor
Anita Krepp * Especial para o Estadão, O Estado de S.Paulo
13 de junho de 2022 | 16h38
O crescimento do mercado da cannabispara uso terapêutico em todo o mundo tem atraído a atenção e os investimentos de grandes empresários e executivos no Brasil. É um mercado estimado pela Fortune Business Insights, globalmente, em US$ 28 bilhões no ano passado, podendo chegar a US$ 197 bilhões em 2028. Além do uso medicinal, a planta também é aproveitada em sua totalidade na fabricação de matéria-prima para as indústrias cosmética, têxtil, de alimentos e bebidas e até na construção civil, o que justifica o interesse cada vez maior nesse segmento.
Claudio Lottenberg, ex-presidente do hospital Albert Einstein e atual presidente do conselho da entidade, já vinha acompanhando os avanços da substância na medicina havia vários anos, até que, no ano passado, decidiu apostar no seu próprio negócio ligado à cannabis. Hoje, é um dos sócios da Zion MedPharma, de medicamentos produzidos com a substância. Segundo ele, não há dúvidas sobre o potencial terapêutico, mas ainda é preciso superar a barreira da falta de conhecimento e de informações.
“Quando as cirurgias de miopia começaram, também enfrentaram preconceito, pois eram vistas como estética. Depois, normalizou. Coisa parecida aconteceu com a cirurgia bariátrica. Esses preconceitos sempre existiram e precisam ser quebrados para que a medicina evolua”, diz.
Claudio Lottenberg, presidente do conselho do hospital Albert Einstein, decidiu apostar no seu próprio negócio ligado à cannabis Foto: Divulgação/Claudio Lottenberg
Ao lado de Lottenberg no comando da Zion está Dirceu Barbano, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele, que assinou as primeiras autorizações para importação de cannabis no Brasil e foi um dos responsáveis pela abertura do órgão à discussão da questão, não teve dúvidas quando a oportunidade de investir no mercado de cannabis bateu à porta. Hoje, a Zion tem seu valor de mercado estimado em R$ 60 milhões.
Ex-diretor executivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Allan Paiotti, que também já ocupou cargos de diretoria em empresas de tecnologia, logística e investimentos, também entrou nesse mercado no ano passado. “Quando tive contato com o mundo da cannabis medicinal, fiquei superimpressionado com seu potencial terapêutico e com o relativo atraso do Brasil nessa matéria. Aí, resolvi juntar as coisas”, diz, referindo-se à decisão de cofundar a Cannect, marketplace de produtos médicos e à base de cannabis, em que atua como presidente.
Aposta firme
No exterior, não são apenas executivos da área da saúde. Grupos farmacêuticos inteiros já fizeram suas apostas na cannabis. A Pfizer e a Jazz Pharmaceuticals investiram, no ano passado, cerca de US$ 7 bilhões cada uma em aquisições. Mas, no Brasil, até pela insegurança jurídica que cerca o tema - uma vez que a maconha, considerada ilícita no País, é uma das espécies da cannabis -, esse tipo de movimentação ainda não acontece em larga escala. A Hypera, maior farmacêutica do País, já protocolou pedido para a comercialização de produtos à base da substância e aguarda pela aprovação da Anvisa.
Para que esse mercado avance, seria necessária a sua regulamentação. Mas o projeto que trata do assunto, o PL 399/15, está parado no Congresso desde 2015. Quase todos os países da América Latina estão mais adiantados em relação à regulamentação da cannabis. Uruguai, Colômbia, México, Argentina e Paraguai, por exemplo, já autorizaram o plantio em seus territórios, passo fundamental para o crescimento do negócio.
Enquanto isso não acontece por aqui, os fundos de investimentos que investem nesse mercado precisam recorrer às empresas listadas nas Bolsas americanas, como é o caso do fundo da XP. O BTG também entrou nesse segmento após a compra, no ano passado, da gestora Vítreo, que já tinha um fundo de investimentos voltado para a cannabis.
Mas, apesar das dificuldades, o potencial do mercado não passou despercebida para Theo van der Loo. Ele foi presidente da Bayer no Brasil de 2011 a 2018. Quando saiu da empresa para se aposentar, encontrou tempo, enfim, para se dedicar aos estudos sobre a cannabis. Cauteloso, primeiro se tornou investidor de uma empresa no Uruguai, até que, em 2019, fundou a NatuScience, importadora de produtos para o mercado brasileiro.
Theo van der Loo foi presidente da Bayer no Brasil de 2011 a 2018 e, na aposentadoria, passou a se dedicar aos estudos sobre a cannabis Foto: Nilton Fukuda/Estadão
Atualmente, ele dedica cerca de 70% do seu tempo ao mercado da cannabis. “É uma questão complexa, com muitas oportunidades, mas, também, muitos riscos pela questão regulatória. Como você vai investir milhões em ensaios clínicos para desenvolver o mercado se não tiver a segurança de que o mercado seguirá existindo?”, diz ele, que se atentou à cannabis como oportunidade de negócio por sugestão de seu filho.
A entrada das empresas de cannabis nas Bolsas dos EUA e do Canadá chamou a atenção tanto da mídia - que alçou a erva das páginas policiais para as de economia - quanto dos players do mercado financeiro. Foi assim que Diego de Assis, gerente de risco da Visa para a América Latina, com experiência de mais de dez anos na gestão de risco de crédito corporativo no País, tornou-se investidor-anjo da Cannapag, plataforma brasileira de pagamentos para produtos e serviços do nicho. Para ele, a legalização do cultivo de cannabis no Brasil pode gerar uma revolução agrícola e, com ela, oportunidades sem precedentes.
Outro executivo do mercado financeiro que resolveu apostar as fichas nesse segmento é José Roberto Machado. Com 28 anos de experiência na área financeira - sendo 18 deles no Santander -, ele decidiu, há dois anos, deixar o cargo de diretor que ocupava no banco para entrar de cabeça no setor de cannabis. Em um primeiro momento, como investidor de um cultivo no Uruguai; em seguida, como investidor-anjo na operação da brasileira OnixCann, onde também atua como conselheiro.
O mercado também atrai pessoas ligadas ao esporte. O tenista Bruno Soares investiu recentemente R$ 12 milhões na importadora brasileira EaseLabs. “Senti na minha própria pele os benefícios da cannabis para os problemas que eu tinha como atleta de alto rendimento e, desde então, faz parte da minha rotina”, conta, falando de suas crises de ansiedade e inflamações musculares.
Pioneirismo
Patrícia Villela Marino, casada com Ricardo Villela Marino, membro de uma das famílias controladoras do Banco Itaú, figura entre os principais investidores da cannabis no Brasil. Sua relação com o tema é antiga. Em 2010, ela liderou a criação da Plataforma de Política de Drogas, apoiada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para discutir essa questão na América Latina. Em 2015, a plataforma transformou-se no Instituto Humanitas 360, que abarca este e outros assuntos de cunho social.
Patrícia Villela Marino, cofundadora e presidente da Humanitas360 e fundadora do Civi-Co, está entre os principais investidores da cannabis no Brasil Foto: Estadão/Diego Da Silveira
Nunca foi uma tarefa fácil. “Fui chamada de maconheira rica inúmeras vezes”, conta Patrícia, que, em 2013, coproduziu o documentário “Ilegal”, sobre famílias lutando pelo acesso à cannabis medicinal para seus filhos.
Atualmente, ela investe em mais de dez empresas de cannabis que estão debaixo do guarda-chuva da primeira aceleradora desse tipo de negócio no Brasil, a The Green Hub, onde também figura como principal investidora. Sua carteira de investimentos é compartilhada com o marido. “Os ricos desse país não querem só ganhar dinheiro, mas também colaborar com sua produção de riqueza e de prosperidade”, diz, destacando que ela própria investe milhões em pesquisas científicas com a erva.
Segundo ela, tais pesquisas são urgentes e necessárias, tanto para desenvolver o mercado quanto para que o Brasil recupere o protagonismo que sempre teve na área da saúde - como na criação dos genéricos, por exemplo. Para Patrícia, agora é o momento de as empresas fazerem a sua aposta. “Não adianta simplesmente importarmos matéria-prima e colocarmos nosso rótulo para vender o remédio. É preciso apostarmos na pesquisa científica e produção nacional se a gente quer mesmo construir um projeto de nação”, afirma.
Caminho da legalização
Apesar de todas as polêmicas, o uso da cannabis vem sendo legalizado em vários países, após pesquisas mostrarem os efeitos positivos no combate a enfermidades como epilepsia refratária, mal de Parkinson e fibromialgia. Diversos governos passaram a apostar na cultura até como solução para problemas sociais. É o caso da Tailândia, onde há até pouquíssimo tempo cultivar cannabis levava à prisão. Hoje, o próprio governo distribui 1 milhão de mudas da planta entre a população e estimula a troca de culturas entre os agricultores. É também o caso do Líbano, onde a legalização, ocorrida no ano passado, faz parte de um plano de recuperação econômica do país.
Mas, mesmo para uso recreativo, a cannabis vem ganhando status de “legal” mundo afora. É o caso de alguns Estados americanos, do Canadá e do Uruguai. E pesquisas mostram que a legalização não elevou o uso da maconha. Em alguns casos, até diminuiu, como mostra um estudo publicado recentemente na revista Addiction.
No estudo, uma equipe internacional de pesquisadores avaliou as tendências do uso de cannabis por jovens e adolescentes entre 12 e 21 anos no Uruguai após a legalização, ocorrida, na prática, em 2017. Consistente com estudos anteriores, os pesquisadores não relataram mudanças significativas nos padrões de uso de cannabis entre esse público. Já entre os menores de 18 anos, o uso de maconha até caiu após a legalização.