segunda-feira, 13 de junho de 2022

Dom Phillips e Bruno Pereira escancaram uma Amazônia sem preservação nem soberania- Joel Pinheiro da Fonseca, FSP

 

desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira segue sem desfecho. Espero que sejam encontrados com vida mas, sinceramente, não é a hipótese mais provável. O caso escancara, para nós e para o mundo, o que os números já vinham mostrando: a Amazônia está entregue ao crime.

Nas discussões sobre a Amazônia é comum cair num dilema questionável entre preservação ambiental e soberania nacional. Bolsonaro e as Forças Armadas sempre batem na tecla da soberania. Por trás do discurso, contudo, a realidade é que o governo optou por ficar sem nenhum dos dois.

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Trecho do rio Itaquaí, no Amazonas, próximo ao local de desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips - Pedro Ladeira - 10.jun.22/Folhapress

Não é segredo para ninguém que a taxa de devastação aumenta continuamente, fato que vem sendo documentado por cientistas e por jornalistas como Dom Phillips. Quando o possível assassinato dele na área por grupos criminosos é citado pelo próprio presidente como uma inevitabilidade ("duas pessoas apenas num barco, numa região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer"), fica claro que ele também perdeu qualquer intenção de governar a região; ou seja, perdeu a soberania.

Perdeu, não. Entregou. Bolsonaro sempre flertou com a ideia de vender a exploração da Amazônia a grandes empresas estrangeiras, mas o que ele acabou fazendo foi mais simples. O governo simplesmente saiu de cena e deixou qualquer um fazer o que quiser. Quem quiser um naco, não precisa pagar nada: é só chegar e pegar.

Desmatamento e garimpo ilegal em alta; invasão de terras indígenas e assassinatos de indígenas, idem. É o resultado de um governo que decidiu facilitar a vida de contraventores na região e que sucateou —e até mesmo sabotou— os órgãos de fiscalização, que há anos já enfrentam condições precárias.

Com isso, deu livre vazão aos interesses mais predatórios e assassinos, que hoje dão as cartas por lá. Traficantes, garimpeiros, grileiros, madeireiros, pescadores, traficantes de drogas, traficantes de pessoas, criminosos dos mais diversos países operam livremente. Parece que todo mundo está na Amazônia; todo mundo menos o Estado brasileiro. Em vez da lei brasileira, vale a lei da selva.

Apesar do dilema teórico, na prática os dois valores caminham juntos: ao desistir da preservação, o governo abriu mão também da soberania. Os meios de preservação da floresta —o trabalho de IBAMA e ICM-Bio, a proteção de comunidades indígenas e ribeirinhas e mesmo a presença militar— são fatores indispensáveis para manter o poder na região.

Sem esses meios, sobra o faroeste. Enquanto isso, nossas Forças Armadas, infelizmente, parecem mais preocupadas em fazer questionamentos espúrios às urnas eletrônicas do que restabelecer sua autoridade na região.

A Amazônia é o maior ativo ambiental brasileiro. Por ela passam alguns dos principais debates do futuro próximo: água, clima, biodiversidade. Ela poderia lançar o Brasil ao protagonismo do debate ambiental global.

Preservá-la presta uma serviço a nós e ao mundo, pelo qual inclusive deveríamos receber (se, é claro, estivéssemos preservando). Saber explorá-la de maneira sustentável, destinando suas riquezas biológicas e minerais ao nosso desenvolvimento de longo prazo, deveria ser item prioritário da nossa política.

Hoje em dia tem enriquecido criminosos, sido palco de assassinatos e servido para destruir nossa imagem pelo mundo. Entre preservação e soberania, ficamos sem nenhum.


Celso Rocha de Barros Governo Lula pode não ser 'Palocci', mas ainda ser responsável, FSP

 Na semana passada, vazou o programa de governo do PT. O documento defende a revogação da reforma trabalhista e o fim do teto de gastos. Também se opõe à privatização da Eletrobrás. Aliados do PT criticaram as propostas, que devem ser revisadas.

Eis o que eu acho que será a economia em um eventual terceiro governo Lula.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o ex-presidente Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o ex-presidente Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin - Marlene Bergamo/Folhapress

Não se deve esperar um ajuste duríssimo como o que Antonio Palocci fez em 2003. Suceder a Jair Bolsonaro (PL) não é a mesma coisa que suceder a Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A transição de FHC para Lula foi a melhor e mais pacífica da história brasileira. Isso deu a Lula o direito de perder popularidade sem ter medo de cair.

A próxima transição deve começar com Jair tentando um golpe porque não aceitou o resultado da eleição. Pedro Malan manteve as contas razoavelmente sob controle no segundo governo FHC. Paulo Guedes vai gastar uma Eletrobrás para garantir que a gasolina não suba até a eleição.

Além disso, quando Palocci estava segurando os gastos em 2003, o superciclo das commodities começava a garantir o crescimento. Não há nada disso no horizonte.

Mas um governo do PT pode não ser "Palocci" e ainda ser responsável.

Guilherme Mello, um dos economistas da Fundação Perseu Abramo, já declarou que o PT não pretende mexer na autonomia do Banco Central. É uma boa notícia, embora devesse vir acompanhada de pedido de desculpas a Marina Silva.

O que foi privatizado não vai ser estatizado de novo. Fazê-lo seria pegar todo o dinheiro disponível que Lula terá para gastar e dizer para o Brasil, "olha, não vou fazer mais nada porque comprei de volta a Eletrobrás". Era inteiramente legítimo ser contra a privatização da Eletrobrás, mas a esquerda não conseguiu impedi-la. O custo de revertê-la é muito alto.

O teto de gastos de Temer já morreu. Enterrá-lo provavelmente vai dar a Lula uma chance de agradar a esquerda. Mas haverá uma nova regra fiscal. No começo do ano, o ex-ministro Nelson Barbosa propôs uma regra fiscal atrelada ao PIB, fixada no início de cada governo, com separação de gasto corrente e investimento (mas limites para os dois). As discussões devem partir de algo assim.

A reforma trabalhista não será revogada, mas será alterada. Deve incluir medidas para proteger categorias que cresceram nos últimos anos, como os entregadores e outros setores "uberizados". O documento do PT defende medidas para favorecer a sindicalização, sem listá-las. Se elas derem certo, a possibilidade de flexibilização sem precarização é muito maior.

É alta a probabilidade de Lula bancar a reforma tributária proposta pelo deputado Baleia Rossi, do MDB de São Paulo. Ela desperta entusiasmo entre os especialistas, no mercado, e é baseada nas ideias de Bernardo Appy, economista que fez parte do governo Lula.

Se eu fosse apostar para uma surpresa negativa para a Faria Lima, seria tributação dos ricos. O PT não vai terminar mais um mandato presidencial sem ao menos propor tributação progressiva. Se fosse apostar em uma surpresa positiva para a Faria Lima, apostaria em alguma coisa sobre abertura comercial.

Enfim, não vai ser o governo dos sonhos da Faria Lima de 2018. Mas suspeito que, depois de quatro anos de Paulo Guedes delirando sem entregar, nem eles sonhem mais com aquilo tudo.

STF confirma que lei estadual que permite remição de pena por leitura fere Carta, MPSP

 A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, acolhendo tese do procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo, decidiu, em sessão virtual realizada em maio, que a Lei Estadual 16.648/18, que instituiu nos estabelecimentos carcerários a possibilidade de remição da pena pela leitura, é inconstitucional, confirmando assim decisão favorável ao MPSP que já havia sido obtida no Tribunal de Justiça.

Segundo o relator, ministro Edson Fachin, “é formalmente inconstitucional lei estadual que cria nova hipótese de remição da pena, além das expressamente previstas na legislação federal, por usurpação da competência legislativa da União para legislar sobre direito penal, à luz do art. 22, inciso I, da Constituição Federal”, porque “a questão relativa à remição de pena não se insere na competência concorrente ou suplementar dos Estados”.

Ainda de acordo com o ministro, “nos termos da repartição constitucional de competências, não há espaço para que o legislador estadual regulamente a execução da pena, seja inovando as modalidades de remição da pena ou criando equiparações inexistentes, em substituição ao legislador federal”. A decisão do Supremo foi prolatada no âmbito de agravo regimental (AG REG no ARE 1.331.765/SP).


https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2018/lei-16648-11.01.2018.html