terça-feira, 7 de junho de 2022

Datafolha: Lula tem 23% dos seus eleitores de direita, e Bolsonaro, 29% de esquerda, FSP

 Joelmir Tavares

SÃO PAULO

A classificação ideológica do eleitorado do ex-presidente Luiz Inácio da Silva (PT), a partir dos critérios do Datafolha, mostra que 23% dos que querem votar nele são identificados com pensamentos de direita em comportamento e economia, embora a grande maioria (60%) esteja à esquerda.

Fenômeno semelhante ocorre com Jair Bolsonaro (PL), mas com sinais trocados. Apesar de o presidente de perfil conservador ter 54% dos eleitores situados à direita, segmento em que goza de apoio significativo, uma fatia de 29% se posiciona à esquerda no espectro ideológico.

Montagem com Presidente Jair Bolsonaro e o ex Presidente Lula
Os presidenciáveis Bolsonaro e Lula - Pedro Ladeira/Folhapress e Miguel Schincariol/AFP

A pesquisa do Datafolha, publicada no sábado (4), revelou que o Brasil que irá às urnas em outubro está mais identificado com ideias de esquerda do que cinco anos atrás, quando foi feito o levantamento anterior. O percentual atinge agora 49%, o maior da série histórica, iniciada em 2013.

A direita, por sua vez, registrou queda e alcançou seu menor resultado, 34%. Uma parte de 17% dos entrevistados se localiza ao centro. O questionário que serve de base para o mapeamento abrange perguntas no campo de comportamento e na área do pensamento econômico.

O instituto ouviu 2.556 pessoas acima dos 16 anos em 181 cidades de todo o país nos últimos dias 25 e 26. Contratado pela Folha, o levantamento está registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob o número BR-05166/2022 e possui margem de erro geral de 2 pontos percentuais, para mais ou menos.

A classificação ideológica é feita conforme a pontuação alcançada pelas respostas do entrevistado em questões sobre temas que separam as duas visões de mundo —como drogas, armas, criminalidade, migração, homossexualidade, leis trabalhistas, papel do Estado e impostos.

Considerando a avaliação mais ampla, com os critérios de comportamento e economia, Lula tem 4% de eleitores identificados com a direita e 19% com a centro-direita. Outros 18% estão ao centro, enquanto 36% se alinham com ideias de centro-esquerda e 23%, de esquerda. Os valores foram arredondados.

A retórica da campanha do petista acena à pluralidade, o que está traduzido no nome dado à coligação, "Vamos Juntos pelo Brasil". O plano é montar uma frente ampla em torno do PT, principal partido de esquerda no país. As seis siglas confirmadas na aliança até aqui pendem para a esquerda.

Já os cidadãos que declaram voto em Bolsonaro tendem, por óbvio, ao lado destro: 21% se posicionam à direita e 33% à centro-direita. Uma parcela de 17% aparece ao centro, enquanto 22% têm aproximação com ideias de centro-esquerda e 7% possuem perfil considerado de esquerda.

vilanização do campo oposto ao seu é uma das marcas da conduta do mandatário desde a campanha eleitoral de 2018, com ataques que se estenderam ao longo do governo e compõem a base do discurso de sua tentativa de reeleição. Lula lidera as intenções de voto com 48%, ante 27% do rival.

Terceiro colocado no Datafolha, com 7%, Ciro Gomes (PDT) tem seu eleitorado com característica semelhante ao do petista: 5% são identificados com a direita, 22% com a centro-direita, 16% com o centro, 33% com a centro-esquerda e 25% com a esquerda.

Quando observada a classificação dentro de cada um dos dois segmentos que formam o quadro, é possível notar que eleitores com voto declarado em Bolsonaro estão situados mais à direita no aspecto de valores do que nas convicções econômicas.

Enquanto em comportamento as posições de direita entre os bolsonaristas somam 62%, em economia elas correspondem a 33% do grupo.


Dia da Liberdade de Imprensa, 2022 do Meio

 Em 7 de junho de 1977, três mil jornalistas brasileiros assinaram um manifesto pedindo o fim imediato da censura que havia se instaurado no fim de 68, com o AI-5. Hoje é, por causa desse documento, o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa.

Neste exato momento, o repórter inglês Dom Phillips e o indigenista da Funai Bruno Araújo Pereira estão desaparecidos em algum lugar do Vale do Javari, na Amazônia. No domingo, os dois partiram da comunidade de São Rafael em direção a Atalia. A viagem deveria durar duas horas — nunca chegaram. Pereira vinha sendo ameaçado por garimpeiros e madeireiros clandestinos. Até o fechamento desta edição, o Comando Militar da Amazônia não havia ainda se mexido para ajudar nas buscas. Por quê? Porque ainda espera ordens de Brasília que nunca chegam.

O presidente Jair Bolsonaro cria, no país, um ambiente de constante ameaça à imprensa. Ele legitima lobos solitários, que se sentem autorizados à prática de violência contra jornalistas no exercício de sua profissão. Mas as ameaças não vêm apenas do bolsonarismo. Neste exato momento, o repórter Rubens Valente faz uma vaquinha online para conseguir pagar as centenas de milhares de reais que a Justiça lhe cobra. Por quê? Por ter mencionado informações públicas sobre Gilmar Mendes, ministro do Supremo, num livro que não era a respeito de Gilmar.

A condenação de Rubens não tem pé nem cabeça e deveria ser, para todos os colegas de Gilmar no STF, um constrangimento profundo. Também assim se ameaça a liberdade à imprensa, quando gente poderosa impõe a jornalistas na pessoa física a ameaça de completa falência pessoal para poder trabalhar.

Enquanto isso, o líder nas pesquisas eleitorais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem repetindo que pretende regular a imprensa. O máximo que diz é que gostaria de fazê-lo no ‘modelo britânico’. Ocorre que, no Reino Unido, o que impera é a autorregulação. Os veículos escolhem se participam ou não do programa. Não há qualquer problema regular qualquer espaço da economia — incluindo a indústria jornalística. Mas Lula é candidato à presidência. Se quer regular, deveria ser claro e colocar em debate, em cima da mesa, exatamente o que deseja fazer.

Para podermos conversar abertamente, com franqueza, sobre as qualidades ou defeitos de seu plano. Regulação pode ser boa e ampliar liberdade. Pode ser ruim e impor controle governamental. Temos, como sociedade, o direito de conhecer o plano no qual podemos votar ou não.

É que vivemos um tempo em que a desinformação impera. A prática do jornalismo está mais difícil. Mas é o jornalismo profissional que, todos os dias, traz aos brasileiros informação sobre a sociedade, sobre o governo, informação sem a qual democracias não existem. Democracias, para funcionarem bem, precisam de estruturas independentes do Estado, de fora do poder, sempre desconfiadas de quaisquer governos, investigando, analisando, informando.

O voto nasce de opinião construída a partir de informação de qualidade. Políticas públicas nascem do debate informado no centro da sociedade. A imprensa, a livre imprensa, atua nessas duas pontas.

Uma imprensa livre, diversificada, e exposta ao público. Quem deve avaliar que imprensa é boa e qual é ruim é o público, que escolhe o que lê, assiste, ouve. Neste dia Nacional da Liberdade de Imprensa, nós cá do Meio aguardamos aflitos por notícias de Dom e Bruno. O ambiente lá fora está tóxico. E perigoso.

— Os editores.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Hélio Schwartsman - Acaso favorece Brasil com crise que deve despachar Bolsonaro, FSP

 Týche é a divindade grega que representa a fortuna, o acaso. Não há nada que assuste mais humanos do que o acaso. Embora ele seja uma força decisiva em nosso Universo, que teria até mesmo surgido a partir de flutuações quânticas aleatórias, nós nos esforçamos para negá-lo, obstinando-nos em ações fúteis, inventando deuses e repetindo mantras absurdos como "nada acontece por acaso".

Há uma explicação evolutiva para isso. Apesar de o acaso ser importante, ele não é tudo. Se você se render ao fatalismo e nem tentar sair de uma situação difícil, aí é que não sairá mesmo. Como a natureza valoriza mais a sobrevivência do que a elegância de não pagar micos, ela nos calibrou para negligenciar o acaso e superestimar nossa agência.

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E, se há uma seara na qual ele é com frequência ignorado, é a política. Tendemos a vê-la, não sem uma ponta de razão, como o palco mesmo da agência humana. Mas há um problema de "timing". Para um país prosperar, precisa adotar políticas econômicas sensatas. Os resultados, contudo, costumam demorar mais do que os quatro anos de um mandato. Assim, com frequência o que vemos é um governante colhendo os frutos das políticas de seu antecessor e plantando o desempenho do sucessor. Isso, é claro, se caprichos do acaso, que podem assumir a forma de pandemias, guerras, catástrofes naturais etc., não subverterem tudo.

Jair Bolsonaro tenta desesperadamente medidas para reduzir alguns preços-chave da economia, notadamente os dos combustíveis. Até pode ter sucesso numa ou noutra manobra, mas é pouco provável que reverta o mal-estar generalizado provocado pela inflação, que é robusta, difusa e eleitoralmente tóxica.

Democracias têm um forte viés situacionista, mas isso não chega a ser um problema, porque o acaso sempre traz uma crise econômica que providencia a alternância no poder. Týche nos sorriu, porque a nossa veio em quatro, não em oito anos.

Estátua de Týche, deusa grega da fortuna
Estátua de Týche, deusa grega da fortuna - Reprodução