segunda-feira, 6 de junho de 2022

Crueldade, Miguel Reale Júnior , OESP

 04 de junho de 2022 | 03h00

Especialmente em tempos cinzentos, é preciso “ter medo do guarda da esquina, mais do que do general”, como alertou Pedro Aleixo quando da instauração do AI-5. Os subordinados adotam com facilidade o abuso do poder se os desmandos não são reprimidos, mas dados como positivos pelos superiores.

Segundo a teoria da aprendizagem formulada por Gabriel Tarde e, depois, estudada por Sutherland, a conduta delitiva se aprende em associação com as pessoas que a consideram positiva, gerando o convencimento de estar a agir de maneira certa. Mesmo em face de condutas cruéis, os freios inibitórios são anulados em decorrência do aplauso ao comportamento malvado vindo de autoridades.

Seria a crueldade inerente à pessoa humana, cujo primitivismo deve ser burilado pelos limites impostos pelo processo educacional? Ou a malvadeza é aprendida nas relações sociais, de acordo com o meio social no qual se está inserido?

Indo mais a fundo: o mal é inerente ao exercício do poder? Será um ingrediente ou um meio pelo qual obrigatoriamente o titular do poder se manifesta para mantê-lo ou para afirmá-lo? Haveria até mesmo com gosto pelo mal?

Essas perguntas tocam no fulcro da questão da violência policial.

As perspectivas – a individual, congênita, e a social – combinam-se, mas sem dúvida têm grande peso o incentivo e o elogio a valores negativos vindos dos superiores. A probabilidade de punição (ou, ao menos, a certeza da reprovação moral da conduta nociva) é essencial para o exercício do poder se dar no limite do respeito aos demais.

Por isso a relação do governante com as polícias que atuam com a força na rua é fator relevante, pois a forma de agir do policial decorrerá do quadro de valores transmitido pela autoridade estatal.

Foi marcante o privilégio com que Jair Bolsonaro tratou a Polícia Rodoviária Federal. Aumentou seu efetivo, garantiu proventos na aposentadoria iguais ao do último salário, compareceu a inaugurações de sedes e visitou postos policiais. Neste ano, repetidamente, mencionou que o aumento salarial da Polícia Rodoviária Federal teria tratamento especial, inclusive equiparando a remuneração de seus quadros superiores à dada à Polícia Federal. A proximidade entre o presidente e a Polícia Rodoviária Federal é manifesta.

A tornar mais significativa essa ligação, Sergio Moro, no Ministério da Justiça, estendeu, inconstitucionalmente, a atribuição da Polícia Rodoviária Federal para além das rodovias, quando é claro o § 2.º, artigo 144 da Constituição, que edita: “§ 2.º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais”. Assim, por portaria ministerial, reiterada em grande parte por André Mendonça como ministro da Justiça, deu-se atribuição para a Polícia Rodoviária Federal atuar em ação conjunta com as polícias militares na área urbana. Ao mesmo tempo, eliminaram-se as aulas de Direitos Humanos previstas no currículo de formação do concursado.

Em consequência, a Polícia Rodoviária Federal, sem expertise para agir em operação policial nas favelas, passou a ser chamada a participar de ações de repressão com o Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio de Janeiro. Veio, destarte, a integrar as forças policiais em duas chacinas na mesma Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio, em 11 de fevereiro deste ano, com 8 mortos; e recentemente, em 24 de maio, com o saldo aterrorizador de 23 mortos, sendo metade dos assassinados sem antecedentes criminais.

O presidente da República festejou a ação militar, cumprimentando os policiais pelo morticínio, que “neutralizou vinte”. Negou-se a recriminar, contudo, a crueldade praticada por três policiais rodoviários em Sergipe, que malvadamente lançaram gás lacrimogêneo e de pimenta no porta-malas onde aprisionaram Genivaldo de Jesus Santos, que morreu por asfixia, após ter sido seviciado e empurrado com brutalidade para dentro da viatura.

Esses maus policiais, aos gritos e palavrões, agiram com obsessão para afirmar sua superioridade diante de um pobre cidadão, negro, tido por desprezível: uma pessoa “a ser neutralizada”, como disse o presidente em face dos mortos da Vila Cruzeiro.

Assim, Genivaldo de Jesus Santos, parado pelos policiais por trafegar na moto sem capacete, foi cruelmente morto pela soberba do poder sem controle, em boa parte fruto do aplauso às violências anteriores da corporação.

O poder pessoal do “guarda da esquina” deve estar sob monitoramento, contido por lição de respeito ao direito dos cidadãos, pois, do contrário, abre-se a possibilidade de vir a ser cruel ao ter o mal como meio de afirmação de “autoridade”.

Assim, o exercício do poder, sem o bom exemplo e a fiscalização vindos de cima, viabiliza a instauração do instinto de desumanidade, tendo por consequência a crueldade, que, ensina Montaigne, é o extremo de todos os vícios, a nefasta ausência total de piedade.

Não será fácil desaprender o mal que se espalhou no espírito de parcela dos brasileiros nos anos Bolsonaro.

*

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

A cidade espanhola onde a água 'desafia' a gravidade, BBC News FSP

 

A cidade espanhola onde a água 'desafia' a gravidade

No Alhambra de Granada, façanha hidráulica de mil anos impressiona engenheiros até hoje

A Alhambra tinha uma das redes hidráulicas mais sofisticadas do mundo
A Alhambra tinha uma das redes hidráulicas mais sofisticadas do mundo - Getty Images/BBC News Brasil
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BBC NEWS BRASIL

A água está por toda parte na exuberante Alhambra de Granada, um complexo palaciano do século 8 que é um dos exemplos mais emblemáticos da arquitetura moura no mundo.

Ela flui em canais que resfriam os prédios; jorra de fontes em grandes salões e pátios encantadores; e pulveriza de tal forma que, de certos ângulos, enquadra perfeitamente as majestosas portas em arco.

O mesmo sistema complexo dá vida aos famosos jardins do Generalife, o antigo palácio de verão ao lado.

Os visitantes ainda podem ver hoje parte da Acequia Real, no Pátio da Acequia do Generalife
Os visitantes ainda podem ver hoje parte da Acequia Real, no Pátio da Acequia do Generalife - Getty Images/BBC News Brasil

Na época, esta era uma das redes hidráulicas mais sofisticadas do mundo, capaz de desafiar a gravidade e levar a água do rio, quase um quilômetro abaixo, até o topo de uma colina.

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A façanha de mil anos ainda impressiona os engenheiros hoje: em um ensaio sobre momentos-chave da história da água na civilização, o Programa Hidrológico Internacional da Unesco observou que "a tecnologia moderna da água deve ao legado [destes] jardins aquáticos e casas de banho", que antes eram apreciados apenas pelos ricos e poderosos, mas hoje tornaram os banhos e as hortas particulares acessíveis e práticas.

Por milênios, grandes cidades surgiram na beira dos rios, nas margens dos lagos e nas costas dos mares.

É o caso também do grande Reino de Granada, que se desenvolveu ao longo dos rios Darro e Genil, no que se tornaria a comunidade autônoma da Andaluzia na Espanha.

Para os governantes islâmicos que controlaram esta e outras partes da Espanha por quase 800 anos, a água desempenhava uma função essencial na sociedade - não apenas para a sobrevivência, mas também para fins religiosos e estéticos.

"No Islã, a água é a origem da vida, é um símbolo de pureza e atua como purificador do corpo e da alma; é considerada piedosa", diz Rocío Díaz Jiménez, diretora-geral do conselho de administração da Alhambra e do Generalife.

As fontes públicas, decoradas com azulejos de cerâmica, eram abundantes nas ruas das cidades andaluzas. Elas foram instaladas ao lado de mesquitas para ablução (ritual de purificação antes das orações), ou próximo aos portões da cidade para matar a sede dos viajantes.

Mesmo dentro das casas, a água era o foco. "Era raro o pátio de uma casa andaluza não ter uma fonte central de água, por mais humilde que fosse —seja uma piscina, uma fonte ou uma bacia", afirma Díaz.

"A água também faz parte da essência da Alhambra —um elemento fundamental para sua existência."

O DESAFIO DE LEVAR ÁGUA PARA O TOPO

Mas nem sempre foi assim. Os historiadores acreditam que a Alhambra foi designada como uma fortaleza no século 9 por um homem chamado Sawwar ben Hamdun, durante as guerras entre muçulmanos e cristãos que se converteram ao islamismo.

No entanto, só com a chegada no século 13 de Muhammad 1º, o primeiro rei da dinastia nasrida —que governaria de 1230 até a conquista católica espanhola em 1492—-, que os engenheiros conseguiram superar o desafio da localização elevada da Alhambra, a 840 m de altura no monte Sabika, e a transformaram em uma cidade palaciana habitável de 26 acres com acesso à água corrente.

Enquanto os mouros vinham usando acequias simples, ou pequenos canais, nas áreas circundantes há séculos, com base em técnicas de irrigação que aprenderam com os persas e romanos durante sua expansão pelo Mediterrâneo e pela Península Ibérica, a grande inovação dos nasrida foi criar uma que levasse a água por 6 km - do rio mais próximo até o alto do seu elaborado complexo de pátios, jardins e casas de banho.

Como explica Díaz, "tudo indica que os nasridas foram os primeiros a levar água para o monte vermelho de Sabika e torná-lo habitável".

O cerne de sua inovação foi a Acequia Real —um canal de 6 km que saía do rio Darro.

Um açude, ou barragem, foi construído para desviar o fluxo rio acima, e a força do rio o transportava ao longo da encosta antes de distribuir a água em canais menores. Rodas de água, ou na'ura, foram adicionadas para elevar a água a diferentes níveis.

Em seguida, passava por uma complexa estrutura hidráulica composta por grandes piscinas, cisternas e uma infinidade de tubos em uma rede perfeitamente interligada, antes de ser transportada para os jardins do Generalife e para o próprio palácio da Alhambra por meio de um aqueduto.

Os visitantes ainda podem ver parte da Acequia Real hoje no Pátio da Acequia do Generalife, onde corre pelo meio do pátio emoldurada por jatos de água em arco.

"A água corrente dá à Alhambra uma sensação mágica", afirmou a turista Krista Timeus, que é de Barcelona, em março.

"Minha vista favorita é a do palácio e do céu refletidos nas piscinas compridas dos pátios internos. Nosso guia nos disse que para os nasridas ter a água como tema central no palácio era um importante símbolo de status e riqueza da região, então faz sentido que seja um elemento central da arquitetura. É difícil imaginar o lugar sem ela."

Na Fonte dos Leões, a água jorra da boca de cada um dos 12 animais esculpidos
Na Fonte dos Leões, a água jorra da boca de cada um dos 12 animais esculpidos - Getty Images/BBC News Brasil

FONTE DOS LEÕES

Com o passar do tempo, o sistema de irrigação do palácio-cidade foi ampliado: mais rodas de água e albercas (grandes piscinas) foram construídas, e cisternas foram adicionadas para coletar a água da chuva.

Mais tarde, outro canal foi bifurcado a partir da Acequia Real, chamado Acequia Tercio, que levou a água ainda mais alto e regou os pomares acima do Generalife.

Um dos exemplos mais inteligentes do sistema hidráulico da Alhambra está no Palácio dos Leões.

No centro de um pátio grande e sereno, a Fonte dos Leões brilha em mármore branco, cercada por colunas esculpidas. A fonte consiste em um grande prato sustentado por 12 leões míticos brancos.

A água jorra da boca de cada animal, alimentando quatro canais no piso de mármore do pátio que representam os quatro rios do paraíso e, na sequência, percorre o palácio para resfriar os cômodos.

Díaz descreve a fonte como a personificação do sistema como um todo.

"A Fonte dos Leões reúne o conhecimento de uma tradição técnica, fruto de estudos e experiências construtivas ao longo de muitos séculos, que permitiram a criação da Alhambra", diz ela.

Enquanto a Acequia Real foi continuamente modernizada e ampliada ao longo dos séculos, outras acequias da região caíram num estado de abandono no século 20 e pararam de funcionar.

Foi o caso do canal Aynadamar do século 11, a acequia mais antiga da cidade. Com um nome que significa "Fonte de Lágrimas", permitiu o desenvolvimento do distrito medieval de Albaicín, em Granada, parte do status de Patrimônio Mundial da Unesco da área.

O intrincado sistema de irrigação dá vida aos famosos jardins do Generalife, o antigo palácio de verão ao lado da Alhambra
O intrincado sistema de irrigação dá vida aos famosos jardins do Generalife, o antigo palácio de verão ao lado da Alhambra - Getty Images/BBC News Brasil

RESTAURAÇÃO COM TÉCNICAS TRADICIONAIS

Neste ano, José María Martín Civantos, professor da Universidade de Granada especializado em história medieval e técnicas antigas de irrigação, e a Fundación Agua Granada (uma organização sem fins lucrativos destinada a preservar o meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável) estão liderando um projeto para restaurar o canal de Aynadamar, dando continuidade ao legado de irrigação dos mouros.

Ainda hoje, com toda a nossa tecnologia moderna, temos muito a aprender com estes antigos sistemas de água.

Por isso, como explicou Civantos, "a obra será realizada de acordo com os costumes tradicionais, respeitando o traçado original e o seu patrimônio, assim como a recuperação do canal e do seu ambiente".

A expectativa é que o projeto tenha um impacto além da Alhambra também.

Sebastián Pérez Ortiz, diretor administrativo da Fundación Agua Granada, disse que a água vai irrigar áreas com ecossistemas semiáridos, e o Aynadamar vai se tornar um corredor ecológico para o desenvolvimento da vegetação nativa e um habitat para muitos animais.

Esse potencial de conhecimento —e benefícios ambientais - é também o motivo pelo qual os cientistas da Associação Internacional de Engenharia e Pesquisa Hidroambiental vão realizar seu Congresso Mundial em Granada neste ano, analisando (e reforçando) a importante relação da cidade com a água no passado, presente e futuro.

Os cientistas do congresso vão estudar estes antigos sistemas de irrigação e ecossistemas associados, assim como o elaborado sistema hidráulico da Alhambra para ver o que podem aprender hoje.

"As técnicas engenhosas dos mouros nos mostram que inovação e tecnologia não precisam ser incompatíveis com a conservação, muito menos com a sustentabilidade", explica Civantos.

"Os sistemas de irrigação nos oferecem um vasto ecossistema do qual dependem muitas de nossas paisagens culturais".

Uma geração de dependentes de nicotina, The News

 

(Imagem: the news)

Cigarros eletrônicos. Em qualquer balada no final de semana, a proporção entre jovens e seus pen-drives soltadores de fumaça impressiona, além de só aumentar.

A bem da verdade, os vapes estão deixando de ser exclusivos das festas e batendo ponto em colégios, faculdades e escritórios — o vício está em todo lugar.

Inicialmente, eles eram defendidos até como opção para quem queria passar de fumar, mas já se vê uma epidemia de nicotina entre os jovens. 

Alguns números 🚬

  1. O percentual de pessoas de 18 a 24 anos que já experimentaram cigarro eletrônico é quase três vezes o da população total — é jovem mesmo. 

  2. Em média, um maço de cigarro comum rende 300 tragadasUm vaporizador pode oferecer 1,5 mil, muitas vezes, com bem mais nicotina.

  3. O uso do cigarro eletrônico aumenta em 42% a chance de ter um infarto; 

  4. Ao usá-lo, o adolescente tem 50% mais chances de ter uma asma;

Para quem não sabe… No Brasil, a importação ou a propaganda desses cigarros é proibida, mas, há hoje 19 projetos de lei sobre eles em análise no Congresso.

Assim como os vapes, que são ilegais por aqui, estima-se que quase metade (48%) dos cigarros consumidos no Brasil sejam comercializados de forma ilícita — um prejuízo + R$ 86 bilhões aos cofres públicos nos últimos 10 anos.

Olhando para trás e para frente: O que se vê são os esforços para reduzir o número de fumantes nas últimas décadas indo por água baixo — o Malboro do seu avô passou o posto para o JUUL de menta da sua turma.