sexta-feira, 3 de junho de 2022

Mario Sergio Conti Cartas de 'Querido Lula' explicam por que o ex-presidente é líder popular, FSP

 As cartas de súditos a seu mandatário, qualquer que seja ele, e desde o tempo dos reis, pertencem ao gênero suplicante. O missivista relata seus suplícios e então suplica: uma dentadura, casa própria, cadeira de rodas, uns trocados —me abençoa, pelo amor de Deus.

São cartas que permitem aquilatar as aspirações de gente humilde e à beira do desespero. Daqueles que, depois de bater em vão em portas incontáveis, apelam ao soberano, na crença de que o grande homem lhes concederá uma graça.

Ilustração representando o desenho de uma mão que segura um lápis sobre uma folha de caderno pautada, na qual escreve 'querido Lula'
Ilustração publicada em 3 de junho - Bruna Barros

Em 2009, a repórter Carol Pires contou que Lula recebeu 550 mil mensagens postais e eletrônicas nos seus seis primeiros anos no Planalto.

Os pedidos eram encaminhados a seções do governo às quais diziam respeito. O atendimento era irrisório.

Uma das cartas não pedia nada. Uma mulher dizia escrever igual à mãe do presidente, dona Lindu, para que ele compartilhasse com a missivista a alegria de tomar posse. Foi uma das raras que Lula respondeu. Mas não deixou ninguém ler o que escrevera.

Quase 6.000 cartas foram mandadas por crianças. Um menino fez um pedido abrangente: "Presidente Lula, quero que você acabe com a fome no Brasil". No fim, esclareceu: "Não era isso que eu queria dizer, mas a professora mandou".

As palavras do povão ao painho estão de volta em "Querido Lula - Cartas a um Presidente na Prisão" (Boitempo, 240 págs.). Agora, elas são bem diferentes. As pessoas não pedem. Sabem que escrevem a um homem na lona, um destronado sem nenhum poder.

É um livro para ser lido com o espírito desarmado. Quem supõe que seja uma peça de propaganda eleitoral, e ainda por cima demagógica, não deve nem folheá-lo. É claro que, por seus autores serem lulopetistas, ele se presta a isso. Mas é muito mais.

Igualmente, os sabe-tudo que julgam conhecer a fundo as necessidades atuais e históricas da nação, e que vão tomar as cartas como emblemas de uma classe mecanicamente revolucionária, não tirarão proveito delas —caso não tenham olhos para o novo.

Tenha-se em mente o contexto. As cartas foram enviadas durante os 580 dias em que Lula viu o sol nascer quadrado. Como se comprovou à farta, a prisão foi ilegal, embora decretada sob a égide da Constituição (manipulada) e das suas instituições (caducas).

Nunca um ex-presidente esteve tão por baixo. Ainda assim, 25 mil pessoas escreveram para ele no xilindró. "Querido Lula" selecionou 46 das cartas e inúmeros desenhos. Numa ótima decisão, foram mantidas a sintaxe e a grafia originais, apesar de elas destoarem da norma culta.

São epístolas de calão leve (Dilma é "uma mulher da porra", "muito do caralho"); humor ("quando você tinha cabelo eu não participava do movimento"); informações surreais como "pro desespero da burguesia, comprei um Celta (vermelho em homenagem ao PT)"; e conselhos ("preste atenção, menino: você não tem direito de ter uma gripe").

Diferentes entre si, as cartas têm características em comum. São afetuosas, solidárias e tentam levantar o astral do cativo de Curitiba. Comprimida em duas palavras, a síntese das mensagens seria: "tamo junto"!

O segundo recurso é o de testemunhar. Todos os missivistas contam suas vidas. É gente que, graças aos governos do PT, pôde estudar e tirar diploma, ter profissão e um lugar para morar, formar uma família e criar os filhos.

É um bálsamo ouvir de viva-voz os que nunca são chamados a falar. Apesar de tantos arrazoarem em seu nome, ninguém é de fato seu porta-voz: políticos, artistas, pastores. Os que pouco falam, contudo, creem que Lula expressa quem são —por ter sido, também ele, um deserdado.

Por se dirigirem a Lula, os que lhe mandam as cartas são politizados. Mas não têm ódio nem perdem tempo com baixa política. Sergio Moro, artífice do cambalacho que levou o petista à masmorra, é mencionado uma única vez. De passagem, é chamado, com propriedade, de "juiz pavão".

A política da qual o povo petista fala não é abrangente nem belicosa. Quando muito, há referências aqui e ali a "nós" e "eles". Paira um desconforto difuso com os poderosos, sempre centrado no presidente, injustiçado por fazer o bem aos pobres.

O tom geral das cartas, salvo engano, é de quem dialoga com um painho carinhoso, afastado à força da família. Se for isso mesmo, o fato de Lula ser o maior líder popular do Brasil seria explicado mais pela identificação (ele e sua base vieram da pobreza) e menos pela política militante (para enfrentar os inimigos de classe).

Bolsonaro não tem o que fazer nos debates, Alvaro Costa e Silva, FSP

 Bolsonaro diz que só deve participar de debates no segundo turno. Nem o mais fanático dos fanáticos da seita ficou surpreso. O presidente, coitadinho, não quer levar "pancada" dos adversários. Esquece que o terceiro colocado nas pesquisas, Ciro Gomes, tem poupado o governo. Só bate em Lula, o líder das intenções de voto. E que Luciano Bivar, da União Brasil, representa um saco de gatos, uma candidatura de mentirinha, uma linha auxiliar do bolsonarismo e do centrão.

É uma estratégia como outra qualquer. FHC e Lula já fizeram isso —e foram elogiados por analistas políticos. Mas, tomada por alguém que se considera o Destruidor, uma espécie de super-herói ungido por Deus, e ainda por cima com histórico de atleta, a decisão revela fraqueza, além de surpreendente franqueza. Para fugir da salutar troca de ideias, Bolsonaro tem preferido as desculpas esfarrapadas ou engolir camarões com cabeça e tudo e se internar em hospitais.

Antes, porém, é necessário que Bolsonaro vá ao segundo turno. A ânsia golpista, usada para desviar a atenção do desastre econômico, não melhora sua imagem. Ao contrário: piora. O mito insiste no discurso que agrada e mobiliza suas bases radicais, mas que ao mesmo tempo afasta mulheres e evangélicos. A impressão é que, fora dos cercadinhos, não há o que dizer ou explicar. O Destruidor só pode propor mais e maior destruição.

Em sua campanha baseada nas mentiras da rede, o presidente costuma repetir que povo armado é povo livre. A população não pensa assim. Segundo o Datafolha, 72% discordam da frase "a sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência"; 71% discordam de que é "preciso facilitar o acesso às armas"; 69% discordam do conceito (de cunho fascista, aliás) segundo o qual "o povo armado jamais será escravizado".

Bolsonaro não convence. Nem se comparecer aos debates exibindo uma escopeta.


Hélio Schwartsman São as campanhas que definem o resultado de uma eleição?, FSP

 Bolsonaro adoraria fugir dos debates, mas, como está muito atrás de Lula, esse talvez seja um luxo ao qual ele não pode se dar. Já o petista afirma que não tem condições de atender a todos os pedidos de debate e sugere que os órgãos de imprensa se organizem num "pool". Qual a real influência de debates, e, num sentido mais amplo, das próprias campanhas eleitorais, no resultado de pleitos?

Candidatos, marqueteiros e jornalistas tendem a ver as campanhas como o front onde se vence ou perde a disputa. Cientistas políticos costumam ser mais céticos. É claro que, numa eleição apertada, daquelas que se decidem milimetricamente, pequenos movimentos podem ter grandes consequências. Aí, incidentes de campanha e eventualmente até um desempenho desastroso num debate podem fazer a diferença. Mas nem todo pleito é decidido no olho eletrônico.

Cientistas políticos americanos desenvolveram modelos de previsão eleitoral que, valendo-se apenas de dados econômicos e sociais, ou seja, sem analisar pesquisas, marketing ou discursos, conseguem, com vários meses de antecedência e boa precisão numérica, antecipar quem vencerá, não no colégio eleitoral, sistema que multiplica as incertezas, mas no voto popular. Psicólogos também são capazes de, a partir de rápidos questionários, sem perguntas políticas, dizer em quem o eleitor votará com índices de acerto de 80%.

Diante de evidências desse tipo, Andrew Gelman, num clássico artigo dos anos 90, se perguntou: se os votos são tão previsíveis, por que as pesquisas variam tanto? Ele próprio esboça uma resposta. O processo de tomada de decisão do eleitor, em especial o independente, não é linear. Ele hesita, muda de ideia, mas, ao fim e ao cabo, com grande frequência confirma os prognósticos dos modelos.

Se essa hipótese é correta, não importa muito o que façam Lula e Bolsonaro, a inflação despachará o presidente para casa... ou para a Papuda.