LUCIANA COLLET E JOSÉ MARIA TOMAZELA - O ESTADO DE S. PAULO
09 Outubro 2014 | 03h 00
Segundo promotor, companhia alertou para estiagem e impacto nas finanças em documento enviado à Bolsa de Nova York
PIRACICABA - A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) sabia do risco de desabastecimento no Sistema Cantareira desde 2012. Em relatório enviado à Bolsa de Nova York, a empresa alerta investidores sobre a estiagem e o impacto para suas finanças a partir de abril deste ano. A informação foi divulgada nesta quarta-feira, 8, pelo promotor Rodrigues Sanches Garcia, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) de Campinas, do Ministério Público Estadual.
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O relatório anual 20-F, consultado pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, foi enviado para a Comissão de Valores Mobiliários também em abril. A empresa admite que há dois anos observa chuvas abaixo da média no Cantareira e revela ter tomado medida mais firme para enfrentar o problema apenas em fevereiro deste ano, quando lançou o bônus para quem economizar água.
A Sabesp indica que, se a situação dos reservatórios atingidos pela seca não melhorar, “pode ser obrigada a tomar medidas mais drásticas”. “A companhia não pode garantir que o programa de incentivo à redução do consumo será a única medida mitigadora que tomará”, afirma a Sabesp no documento, sem detalhar as ações.
O relatório inclui a estiagem entre seus fatores de risco. “Secas, o programa de redução de consumo de água ou outras medidas podem resultar em uma diminuição significativa no volume faturado de água e as receitas dos serviços.” Nas edições anteriores do formulário, o ponto não existia.
A Sabesp descreve o período de seca e admite que a região registrou chuvas abaixo da média em 2012, situação que se repetiu entre o fim de 2013 e início deste ano, resultando na redução do nível de água no Cantareira no período chuvoso, de outubro de 2013 a março.
A companhia admite que somente lançou uma ação para enfrentar o problema neste ano - o bônus. E aponta a redução da vazão de água captada no Cantareira como fator que pode levar à diminuição do volume faturado e explica que faz uso de água de outros mananciais, o que “poderá levar a aumento nos custos”.
Negócio. Em entrevista coletiva, nesta quarta, em Piracicaba, Garcia informou que o relatório foi incluído no inquérito civil que apura a crise no sistema. “A Sabesp nos colocou claramente que água é um negócio e o Sistema Cantareira responde por 73% de sua receita.” Segundo ele, a companhia não fez nada para minimizar o problema.
Quatro promotores e o procurador da República Leandro Lares Fernandes falaram sobre o risco de a crise se prolongar até o fim de 2015. “Hoje, considerando o volume morto, estamos com 15% negativos no sistema. Para termos um volume operacional confiável, em abril, precisamos chegar a 10% positivos”, disse Ivan Carneiro, do Gaema de Piracicaba. Eles querem que a Sabesp deixe de usar ou use com moderação a segunda cota do volume morto.
Segundo os promotores, a Sabesp captou mais água do que o autorizado. A outorga de 2004 permitia retirar até 31 metros cúbicos por segundo, mas eles afirmaram que a empresa chegou a tirar até 39 m³/s. Em janeiro, a média foi de 29,9 m³/s. Em julho, a empresa foi obrigada a reduzir a captação para 19,1 m³/s. Em setembro, o volume deveria cair para 18,1 m³/s, mas os promotores disseram que não é possível saber se a redução foi adotada.
A promotora Alexandra Faccioli Martins disse que, desde julho, o grupo de trabalho que acompanha a crise não emite comunicados. “O período coincidiu com o de pior cenário, com vazão de afluência (entrada de água) 32% abaixo da menor até então registrada.”
De acordo com os promotores, com o anúncio da saída da Agência Nacional de Águas (ANA) do grupo anticrise por falta de consenso sobre os limites de retirada, houve a decisão de que a intervenção era necessária. Os MPs Estadual e Federal entraram na Justiça Federal com ação civil contra os gestores do Cantareira - Sabesp, ANA e Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). A Justiça Federal não se manifestou.
A ANA informou não ter sido notificada. Em nota, a Sabesp afirmou que “seguiu rigorosamente as regras estabelecidas pelos órgãos gestores (ANA e DAEE), de acordo com dados técnicos estabelecidos, conforme definido pela portaria 1.213/2004”. Procurada, a assessoria do DAEE não respondeu até as 21 horas desta quarta-feira.