domingo, 14 de julho de 2013

Ovos de ouro negro


Decisão sobre uso dos recursos públicos obtidos com o petróleo é por demais importante para ser tomada sem o devido esclarecimento
O Congresso planeja votar nesta semana projeto de lei que define o destino dos recursos que União, Estados e municípios receberão por conta da exploração de petróleo.
O assunto, em si mesmo muito complexo, tornou-se de vez confuso com a aprovação, pela Câmara, de uma proposta que revoga texto sugerido pelo governo federal e aceito no Senado.
Mesmo especialistas no assunto têm se confundido com os termos e as consequências de cada projeto. Isso para não mencionar que os efeitos econômicos dos dispositivos dependem de projeções especulativas sobre a produção de petróleo, preços, valor dos contratos de exploração e taxas de juros internacionais, por exemplo.
São tantas as incógnitas que a prudência recomendaria o adiamento da votação de tais projetos. A pressão das manifestações, num tema intrincado como esse, atua contra o imperativo do esclarecimento público, mas a favor do oportunismo populista e das boas intenções mal fundamentadas.
O que está em discussão é o destino das receitas públicas do petróleo. A princípio, na legislação aprovada entre 2010 e 2012, a parte da União seria destinada ao Fundo Social. Os rendimentos dessa reserva poderiam ser aplicados em diversos programas sociais.
Neste ano, contudo, o debate enveredou pelo uso do próprio capital do fundo, modelo em que o dinheiro poupado também será usado, e não apenas seus rendimentos --em outras palavras, em vez de aproveitar somente os ovos, propõe-se abater a galinha.
A ideia de constituir um fundo se baseia, em primeiro lugar, no objetivo de guardar para as próximas gerações as receitas obtidas com a extração de um bem finito --o petróleo. Preservar essa poupança estende, do presente ao futuro, o benefício dessa riqueza.
Em segundo lugar, a injeção de bilhões na economia pode gerar distorções nada desprezíveis, como inflação e desindustrialização.
O uso parcimonioso também ajuda a combater o desperdício dessas verbas. Eventuais equívocos na aplicação dos rendimentos podem ser corrigidos --basta colocar os próximos ovos em outra cesta. Um erro com os recursos do fundo, no entanto, terá impacto bem maior: equivale a matar a galinha sem tirar proveito com isso.
Além disso, a manutenção do fundo permitirá, no futuro, modificar a destinação dos recursos ao sabor das necessidades sociais e econômicas de cada momento.
Gastar tais recursos de antemão, de acordo com uma decisão tomada em debate açodado, é uma escolha irresponsável.

O pior inimigo


BRASÍLIA - Políticos e marqueteiros quebram a cabeça para transformar as derrotas da presidente Dilma em vitórias, mirando um prazo específico: o final deste ano, início do próximo. Hoje, a 15 meses da eleição, Dilma até pode despencar nas pesquisas e ficar na berlinda. Mas ela tem de entrar em 2014 demonstrando força e real chance de vencer.
Enquanto o Congresso volta à vidinha de sempre, com o ônus do enterro da constituinte exclusiva, em 24 horas, e do plebiscito, em menos de duas semanas, Dilma tenta ficar com os louros de ter oferecido uma resposta às reivindicações populares.
Enquanto médicos esperneiam contra os vetos ao Ato Médico, o serviço obrigatório dos formandos e a importação de estrangeiros, Dilma contabiliza o apoio da população por ter enfrentado o corporativismo para garantir mais atendimento.
Enquanto as centrais sindicais vão às ruas, divididas entre ser a favor ou contra o governo e cheias de dúvidas sobre sua capacidade de mobilização, Dilma elogia olimpicamente o direito à manifestação, mas condena o bloqueio das estradas. Quem haveria de discordar?
Enquanto o circo pega fogo, não militantes vão às ruas, prefeitos vaiam e as centrais tentam recuperar a força e o tempo perdidos, Dilma vira as baterias para os EUA, por causa da espionagem, e para os europeus, por terem vetado o sobrevoo do avião do presidente da Bolívia, Evo Morales. Pega bem.
Esses contrastes são milimetricamente estudados e se sustentam sobre um dado poderoso: a imagem administrativa de Dilma esfarela, mas a imagem pessoal ainda é a de uma presidente séria, honesta, bem-intencionada. Eis uma boa alavanca para a retomada. E tome exposição!
Tudo muito bom, tudo muito bem, só falta combinar com o maior "adversário": o desempenho do governo. A política vai muito mal, a economia vai pior. E não dá para enxergar nenhuma luz no fim do túnel --nem no final deste ano, início do próximo.
eliane cantanhêde
Eliane Cantanhêde, jornalista, é colunista da Página 2 da versão impressa da Folha, onde escreve às terças, quintas, sextas e domingos. É também comentarista do telejornal "Globonews em Pauta" e da Rádio Metrópole da Bahia.

Excesso de bravatas

14/07/2013 - 03h30


Bispo licenciado da Igreja Universal, Honorilton Gonçalves assumiu a superintendência executiva e de produção da Record em agosto de 2003. No ano seguinte, a emissora lançou o slogan "a caminho da liderança", embora ainda fosse a terceira principal rede de televisão do país.
Fruto dos próprios investimentos, mas também da acomodação do SBT (cujo slogan era "liderança absoluta do segundo lugar"), a Record superou o rival em 2007 e, pela primeira vez, viu a Globo um pouco mais de perto.
Ao longo destes dez anos, o slogan se tornou uma espécie de palavra de ordem, gritada por executivos da emissora e repetida por fiéis espectadores em qualquer situação, seja no lançamento de novos produtos, seja em resposta a críticas à qualidade da programação.
Em vez de se aproximar da líder, porém, em 2012 a Record sentiu a volta do SBT aos seus calcanhares. A luta entre as redes de Edir Macedo e Silvio Santos nunca foi tão acirrada quanto nestes últimos meses.
Coincidência ou não, a emissora deu início a um doloroso processo de enxugamento de custos, demissão de pessoal e cancelamento de programas. O que aconteceu? O que deu errado?
Há muitas explicações para a crise da Record, mas impressiona ver a emissora não reconhecer erro algum e, ainda, culpar os outros pelos seus maus resultados.
Não tenho simpatia alguma por Gugu Liberato nem pelo programa que ele fazia no canal, mas foi triste ver o apresentador transformado na face mais visível da crise ao ser vazada a informação de que, eliminando-se o seu salário, estimado em R$ 3 milhões mensais, seria possível poupar a cabeça de 600 funcionários.
Duas semanas depois desta notícia, no dia 7 de junho, o apresentador chegou a um acordo com a Record para a rescisão de contrato. Na véspera, o então vice-presidente da emissora, Honorilton Gonçalves, havia dito à Folha: "Esta é a fase mais importante da Record, pois estamos preparando a empresa para ser ainda mais competitiva, para o caminho da liderança. Temos a preocupação de adequar a rede à realidade atual do país e do mundo."
Menos de 30 dias depois desta entrevista, na segunda-feira, 1º de julho, foi a vez de o próprio Honorilton perder o cargo, encerrando um ciclo de uma década na casa. Foi substituído por Marcelo Silva, igualmente oriundo da hierarquia religiosa que comanda a Record.
Contrariando a lógica neste tipo de mudança, dois dias depois da demissão do vice-presidente, na quarta (3), a empresa anunciou a troca do seu presidente: saiu Alexandre Raposo, entrou Luiz Claudio Costa.
A concorrência à Globo é necessária, mas a Record ainda não encontrou a fórmula nem os meios para levar adiante a sua proposta. A emissora tem sustentado um jornalismo de qualidade no horário nobre, mas ainda não conseguiu achar o tom da sua teledramaturgia.
Pior, segue apelando a programas popularescos, a assistencialismo e ao proselitismo religioso em diversas atrações.
O excesso de bravatas ("A Record nunca esteve tão pronta para enfrentar a Globo", dizia Honorilton) pode ajudar a mobilizar seguidores para uma batalha, mas não parece ser o caminho indicado para conquistar público na televisão.
Arquivo pessoal
Maurício Stycer é jornalista, repórter e crítico do portal UOL, autor de "História do Lance!" (Alameda Editora). Escreve aos domingos em "Ilustrada".