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| CLASSE MÉDIA EMERGENTE | |
A redução da pobreza sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva permitiu que 30 milhões de pessoas a mais tivessem acesso aos supermercados. Para os brasileiros mais ricos, diferenciar-se implica, portanto, fazer suas compras cada vez mais longe... muito mais longe
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| por Anne Vigna | |
O interesse dos especuladores pelo Brasil, no coração da tempestade financeira que balança as economias do Norte, dopou a valorização da moeda local, tornando os preços em dólares ainda mais atraentes. Se era preciso R$ 354 para comprar um produto que custa US$ 100 em 1º de janeiro de 2003, dez anos depois bastam apenas R$ 205. O carrinho do casal – ele, advogado; ela, contadora – transbordava de sacolas com os logos das marcas norte-americanas. Por uma estada de seis dias, eles previram um orçamento de US$ 20 mil apenas em compras. A loja da L’Occitane de Miami Beach, onde 85% dos clientes falam português, procura contratar um vendedor que fale a língua. O Departamento de Comércio dos Estados Unidos avalia em US$ 8,5 bilhões o aporte dos visitantes brasileiros à economia local em 2011. Nesse mesmo ano, 1,5 milhão de brasileiros aterrissaram na Flórida. Apenas o Canadá envia mais turistas. Mas em Miami os brasileiros são os campeões em todas as categorias: mais numerosos e, principalmente, mais consumistas. “É simplesmente extraordinário”, julga William Talbert III, presidente do Greater Miami Convention and Visitors Bureau, a Secretaria de Turismo da Grande Miami. “Desde 2010, é o primeiro mercado dos visitantes estrangeiros, que concentra mais de US$ 1 bilhão anuais na nossa cidade. Nosso crescimento provém da classe média brasileira.” Mas a dita “classe média” se encontra, de fato, em meio aos 30% da população mais favorecida... Para ela, a viagem a Miami é como um rito de passagem. “É a consagração de um status”, analisa Alexandre Piquet, advogado brasileiro que fundou a agência imobiliária Piquet Realtor para dar assistência a seus compatriotas desejosos de investir em Miami. “Os que conseguem ultrapassar essa barreira se sentem extremamente orgulhosos.” Sendo beneficiada pelo movimento, a Piquet Realtor viu seu lucro dobrar entre 2010 e 2011. Cada vez mais brasileiros, atraídos pelos preços, se tornam ricos o suficiente para adquirir uma segunda residência em Miami. Um apartamento de luxo custa, por metro quadrado, quase duas vezes menos do que um imóvel de mesmo nível em Copacabana ou São Paulo. Aqui, reconhece-se que os brasileiros contribuíram para dinamizar o mercado imobiliário, em alta de 50% desde seu ponto mais baixo em 2009.1 Segundo a Associação Nacional dos Agentes Imobiliários, os brasileiros representariam 8% dos compradores estrangeiros na Flórida em 2011, contra 3% no ano precedente: o mais importante contingente, excluindo os canadenses. No entanto, enquanto estes últimos “procuram propriedades baratas com o objetivo de alugá-las, os brasileiros desejam residências mais luxuosas, por um preço médio de US$ 200 mil ou mais”.2 Por todas essas razões, os Estados Unidos modificaram as modalidades de obtenção de visto para os brasileiros. “O objetivo era reduzir as filas de espera”, explica Sara Mercado, responsável pelo turismo no consulado norte-americano do Rio. Novos locais, mais funcionários, facilidades de pagamento: tudo foi organizado para agradar aos brasileiros e não vê-los partir para a Europa, que não pede visto. “Os impostos são muito altos no Brasil”, estima Alan Long, cônsul encarregado dos negócios comerciais no Rio.3 Quando se fala sobre a ilegalidade dessas compras aos olhos da lei brasileira, que proíbe trazer mais de US$ 500 em mercadorias não declaradas, os funcionários não sabem o que responder. O cônsul reconhece que a alfândega norte-americana não controla as bagagens na saída da cidade. O trabalho recai, então, sobre a aduana brasileira, que não dá conta dos milhares de voos que chegam de Miami. “Nós tomamos consciência do problema”, admite Peter Tofte, alto funcionário do serviço de alfândegas em Brasília. Segundo o Banco Central do Brasil, os brasileiros gastaram em compras diversas no estrangeiro US$ 21 bilhões em 2012 (por cartão de crédito, e sem contar os gastos de hospedagem). Dez funcionários, centenas de bagagens No aeroporto, é evidentemente impossível controlar todas as bagagens, mas os funcionários da alfândega se tornaram especialistas nos voos vindos de Miami. Em São Paulo, dez entre eles se preparam. Diante deles, 350 passageiros do terceiro voo diário da American Airlines. Nenhum declarou compra superior a US$ 500, mas todos carregam malas demais para uma viagem de alguns dias. “Fazemos uma seleção visual em função do número de malas, depois a passagem pelo aparelho de raios X nos ajuda a visualizar o material eletrônico”, conta Araújo Matos, responsável da alfândega. Depois do famoso black friday, a sexta-feira após as festas de Thanksgiving, quando as liquidações nos Estados Unidos são particularmente sedutoras, o retorno ao Brasil terminou para alguns com uma conta mais salgada do que o previsto. “Conseguimos controlar 40% do voo, e a maioria dos passageiros recebeu uma multa”, acrescenta o funcionário. O trabalho da alfândega não é fácil: há gritaria do lado dos passageiros. Uma família (quatro pessoas, doze malas, três computadores) precisou pagar R$ 20 mil de multa. As agências de viagem brasileiras − que propõem, todas, visitas a Miami “com um profissional para suas compras, que vai guiar você entre os vinte principais malls da cidade”, como propaga um folheto − deixam de informar esse pequeno detalhe a seus clientes...
Anne Vigna é jornalista.
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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
Febre de consumo dos brasileiros em Miami
Sob o domínio do medo
| EDITORIAL | ||||
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| por Silvio Caccia Bava | ||||
Com essas informações criam-se o medo, a desconfiança, a contração do espaço público, o reforço ao individualismo, a necessidade de proteção. A população, assustada, aceita a militarização da gestão da segurança pública, que é a substituição do controle democrático por regras de ocupação militar, chegando mesmo, em alguns casos, em algumas regiões, ao toque de recolher. As classes mais abastadas se fecham em condomínios e shoppings, contratam seguranças privadas, e para as áreas mais críticas da cidade são tomadas medidas radicais pelo poder público, como a ocupação militar de favelas nos morros do Rio de Janeiro. Em nome da segurança, do combate ao crime, a aceitação da arbitrariedade. À sombra do Estado, ou mesmo dentro do aparato policial, formam-se milícias e grupos de extermínio. O cenário construído, que justifica as arbitrariedades, é de guerra, de controle do território. É um retrocesso enorme em termos democráticos, de qualidade de vida, das liberdades, dos direitos civis e políticos. Substituímos a negociação democrática dos conflitos de interesses pelo uso arbitrário da força. É preciso desmontar essa narrativa. Não queremos regimes autoritários, não estamos em guerra, nossos maiores problemas não são os crimes, é a desigualdade que se expressa em nossas cidades de maneira gritante. Sem uma melhor redistribuição das riquezas, sem assegurar o direito à cidade para todos os seus moradores, vivendo a exclusão e a pobreza, os amplos setores empobrecidos ficam condenados a partilhar as migalhas. E isso gera conflitos. A pressão é pela democratização da política, para que as maiorias possam disputar os governos e os recursos. A capacidade de pressão da sociedade para se opor à militarização da gestão da segurança pública é baixa. Até porque parte da opinião pública é a favor. E o que vemos é uma crescente tolerância com o avanço das arbitrariedades que comprometem a democracia e o estado de direito. Foi muito débil a reação da sociedade civil às chacinas ocorridas no ano passado em São Paulo. Morreram 1.368 pessoas a tiros, em muitos casos mortas por policiais. A cidade está assustada. A narrativa que as explica limita o foco ao imediato, ao cotidiano, não pensa esses acontecimentos num quadro maior, em que eles façam parte e ganhem sentido. “A compreensão coletiva dos conflitos sociais ficou cada vez mais reduzida à esfera cotidiana imediata, e os alvos das atividades de manutenção da ordem pública tornaram-se cada vez mais territorializados”, diz em seu artigo Luiz Antonio Machado (pág. 6). Ao tornar a violência criminal uma ameaça à continuidade das rotinas cotidianas, a mídia conservadora e os governos estaduais propõem a ocupação militar e a “pacificação” como soluções. Há um sentimento generalizado de insegurança, que é crescente. E esse sentimento respalda atores políticos que promovem um retrocesso nas políticas de segurança pública de décadas, voltam políticas repressivas e de controle, a violação de direitos, os grupos de extermínio, a execução sumária de suspeitos pela polícia. A isso se soma o envolvimento de agentes da polícia com o narcotráfico, em muitos casos passando a defender interesses comuns. A resposta do governo é mais repressão, ocupação militar de territórios, arbitrária imposição de regras de convivência nos territórios ocupados. Não interessa se os interesses da especulação imobiliária se aproveitam dessas intervenções ou se apoiam nelas. Não interessa a questão da defesa dos direitos. A “pacificação” serve para preparar a região para o advento da Copa e das Olimpíadas, e serve aos interesses do capital imobiliário. Num clima como esse, de militarização da gestão pública, começam a surgir aberrações, como desdobramentos dessa cultura do controle. Por exemplo, a autorização legal, em São Paulo, para internar viciados em crack contra a vontade. Uma internação em instalações que sedam com drogas seus internados, internação que não tem data para terminar... É uma discussão ampla e complexa que contrapõe liberdade e democracia a militarização e segurança. Não é só sobre o comportamento da polícia ou as políticas de Estado. É também sobre quanto nossas sociedades estão dispostas a se sujeitar a governos militarizados em nome da segurança. Mas essa discussão nós não vamos encontrar na TV.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil |
De que são feitos os sonhos?
Poucos dias antes de seu assassinato, o presidente americano Abraham Lincoln (1861-65) teria tido um sonho vívido sobre sua própria morte. Paul McCartney ouviu a melodia de "Yesterday" durante o sono, mas acordou cantando as palavras "ovos mexidos". E Freud e Jung tinham uma ou duas coisas a dizer sobre os sonhos.
O reino do inconsciente do pintor Salvador Dalí há muito oferece sugestões formidáveis de simbolismo e profecia. E, embora a ciência questione décadas de suposições sobre a importância e o significado dos sonhos, muitas pessoas ainda os consideram um poço sem fundo de sabedoria e orientação.
Como Sir Paul e Dalí, os artistas continuam vasculhando seus sonhos em busca de inspiração.
Em seu novo filme, "A Origem", o diretor Christopher Nolan criou efeitos especiais futuristas para evocar as estratégias subconscientes de um especialista em espionagem mental que planta e extrai informações enquanto seus sujeitos dormem. O resultado é uma torrente enlouquecida de ação, ambientes surreais e personagens que podem ou não existir.
Conforme escreveu A. O. Scott, do "New York Times", em resenha, "O inconsciente, como sabia Freud (e Hitchcock, e muitos outros grandes cineastas), é um lugar extremamente desgovernado, um labirinto de desejos inadmissíveis, segredos confusos, anedotas e medos".
Alguns atores, incluindo Meg Ryan e Harvey Keitel, estão recorrendo a essa mesma realidade inconsciente para burilar sua arte. Em oficinas em Nova York e Los Angeles, eles usam a psicologia junguiana para representar papéis de seus próprios sonhos.
"Os atores estão sempre buscando formas de se aproximar da psicologia, da vida, da experiência dos personagens que estão criando", disse Keitel ao "Times". E acrescentou: "O trabalho com o sonho trouxe mais uma ferramenta para o ator -nós encenamos nossos sonhos, nós os colocamos de pé".
Os não artistas também podem receber um "feedback" sobre seus sonhos, sem os custos de um psicanalista. Em grupos que estão proliferando nos Estados Unidos e em outros países, as pessoas abrem seus sonhos à discussão.
"Contar seu sonho para um grupo de pessoas pode ser uma experiência muito intensa", disse ao "Times" Liz Hill, escritora que participa de um grupo de sonhos em uma igreja em Ohio (EUA). "Isso traz diferentes perspectivas, que iluminam aspectos do sonho que talvez você não percebesse sozinha."
Mas, apesar de nossa constante busca por poesia, significado e orientação nos sonhos, a neurociência pode estar se inclinado para uma interpretação mais prosaica. Como escreveu Benedict Carey no "Times", os sonhos podem ser mais fisiológicos do que psicológicos, simplesmente uma sintonização para a vigília consciente. Alguns cientistas defendem a teoria de que nossos cérebros, divorciados dos sentidos da vigília durante o sono, continuam disparando impulsos aleatórios para manter as coisas funcionando suavemente.
"Eu afirmo que o sonho não é um estado paralelo, mas a própria consciência, sem a contribuição dos sentidos", disse a Carey o neurologista Rodolfo Llinás, da Universidade de Nova York.
Quanto a símbolos e profecias portentosos, um estudo com mil estudantes das Universidades Harvard e Carnegie Mellon citados no "Times" sugeriram que o viés do interesse próprio tem um papel importante em como interpretamos nossos sonhos. Em outras palavras, nós vemos o que queremos ver.
No caso de Freud, era sexo. Lincoln poderia ter um desejo de morte. E Paul McCartney talvez quisesse apenas o café da manhã.
KEVIN DELANEY
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