quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Arco do Futuro: começando mal?



Na semana passada, a imprensa paulistana noticiou que a prefeitura de São Paulo deu início ao processo de implementação do Arco do Futuro, com a publicação de um edital de chamamento às empresas interessadas na “realização de estudos de viabilidade de desenvolvimento urbano do Arco do Tietê”, (trecho central do Arco do Futuro, incluindo as margens do Rio Tietê). É importante lembrar que essa foi uma das principais propostas apresentadas por Fernando Haddad durante as eleições. Seu objetivo é promover uma nova forma de desenvolvimento no entorno do que hoje é o centro expandido de São Paulo, inclusive promovendo o repovoamento desta área, procurando reverter o modelo perverso de expansão contínua da cidade em direção a uma periferia desequipada, a necessidade de grandes deslocamentos etc. De acordo com o edital, o estudo tem que demonstrar a viabilidade do projeto de intervenção, já definido de antemão como uma parceria público-privada. O fato é que as empresas interessadas têm 60 dias para apresentar um estudo de viabilidade para um projeto a ser implementado em parceria com o setor privado, levando em conta um modelo urbanístico, jurídico, e econômico-financeiro para a operação.
De acordo com notícia da Folha Online, em dezembro do ano passado, Fernando Haddad visitou o projeto Porto Maravilha, no Rio, a convite da Odebrecht, uma das empresas do consórcio que está à frente do empreendimento na capital fluminense. A mesma empresa já declarou seu interesse na montagem de PPP semelhante em São Paulo, exatamente na área do Arco do Futuro. Ou seja, a publicação do edital pela prefeitura parece partir de uma manifestação clara de interesse por parte de uma empresa que já desenvolve um projeto semelhante em outra cidade. E, cá pra nós, só quem faz um estudo de viabilidade em 60 dias é quem já está estudando área ou tem estudo pronto, ou seja, a própria Odebrecht.
Mas a questão fundamental nem é essa…
Obviamente, a ideia do Arco do Futuro faz todo sentido e, na verdade, ela já está contida no atual plano diretor de São Paulo, aprovado em 2002, que considera essa área uma “macro área de requalificação urbana”. Porém, se o caminho para sua implementação for mesmo esse que está sendo anunciado, a história já começa com dois erros fundamentais: um de processo, outro de projeto. Na Faculdade de Arquitetura, na disciplina de Planejamento Urbano, nós ensinamos que primeiro se define o que se quer para a área, debatendo amplamente com a sociedade: ou seja, que cidade queremos? Qual é a transformação que desejamos para este lugar? Depois, uma vez definido o que se quer, discute-se quais são os melhores instrumentos para implementar a proposta. O caminho que está sendo colocado agora é o contrário, ele começa com o instrumento, que é a parceria público-privada. A partir daí se definirá o projeto.  Mas se é parceria, a empresa tem que necessariamente ter lucro, e isso, claro, implica e compromete o projeto, na medida em que ele só ficará de pé se incluir a possibilidade de gerar grandes lucros imobiliários. A pergunta central, a partir disso, gira em torno da questão “qual é o uso mais rentável deste solo?” e não do que a cidade quer, demanda e precisa, ou seja, “do  que mais precisamos neste momento nesta cidade?”.
O segundo problema é o próprio conteúdo anunciado da proposta. Estamos vendo se desenhar um projeto que já parte do pressuposto de que vai enterrar a linha de trem e construir um viário sobre esta. Mais uma vez o pressuposto “qual é a grande obra viária que vamos fazer”?, que orientou a maior parte dos governos de nossa cidade, aparece de novo. Ótimo para empreiteiras de túneis e avenidas, ótimo para aparecer no rol das atuações dos prefeitos/governadores. Mas seria ótimo para a cidade? Será que é isso que a cidade quer? E se os trilhos na superfície alavancarem um transporte de massa de alto desempenho para usos que não requererão os carros, não seria melhor? Não é esta a revolução que queremos?
Finalmente, justificar a PPP com o argumento de que não há recursos públicos para se investir na cidade e usar o Porto Maravilha como modelo é um grande equívoco. O Porto Maravilha não conta com investimentos privados, a não ser nas futurastrump towers  e congêneres que ali se erigirão (estas, aliás, também alavancadas com fundos públicos, como a Caixa). Todos os recursos são públicos, desde o solo (em sua maioria federal e estadual) até os milhões que a prefeitura do Rio está repassando mensalmente para o consórcio que está implementando e gerindo o projeto.
A discussão do Arco do Futuro, portanto, já começa invertida e torta. Quem disse que parceria é o melhor instrumento para esse projeto? Quem disse que não já temos instrumentos de uso e ocupação do solo que podem ser mobilizados para implementar mudanças, inclusive uma revisão radical, mais que necessária e urgente, do nosso caquético zoneamento? Com a revisão do plano diretor em pauta, esse é o momento de enfrentar esse debate.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A força da nossa agricultura, Por Arnaldo Jardim




 “... Saciar a fome com a plantação/é a lida.../arar e cultivar o solo/ver brotar o velho sonho/alimentar o mundo...”
Esse trecho é do samba-enredo da Unidos de Vila Isabel, escola campeã do carnaval carioca deste ano, numa justa homenagem ao homem do campo. A citação não poderia ser mais oportuna  para ilustrar o atual momento do setor que tem sustentado nossa economia, o agropecuário.
A previsão de recorde da safra 2012-2013 de cereais e oleaginosas confirma o país como uma das principais potências mundiais na produção de alimentos. Se a indústria recuou 2,7% o ano passado, o setor de serviços e a agricultura asseguraram o crescimento.
Com metodologias diferentes, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) estima que a produção de grãos alcance 185 milhões de toneladas – 11,3% maior que a safra 2012-2012 –, enquanto o IBGE calcula que a produção agrícola atinja 183,3 milhões de toneladas, com projeção de aumento de 13,1%.
As estimativas altamente positivas revelam a eficiência da agricultura brasileira, que foi conquistada com investimentos em pesquisa, modernização da produção e em novos processos.
A falência das políticas públicas protecionistas também impulsionou a agroindústria. Esse processo exigiu a profissionalização no campo e o investimento continuado para aumentar a produtividade agrícola.
O sucesso do agronegócio é ainda resultado das boas condições climáticas e da fertilidade dos solos. A combinação desses elementos naturais com investimentos na produção e em pesquisa está fazendo do Brasil um dos maiores celeiros de alimentos do planeta, além reposicionar o país no tabuleiro geopolítico mundial.
Mas a agricultura brasileira tem grandes desafios para o futuro que ainda precisam ser superados a fim de que se mantenha esse importante setor da economia em franca expansão nas próximas décadas.
Pelo menos três áreas merecem atenção para que o agronegócio mantenha a atual participação de 5% do PIB: condições macroeconômicas favoráveis, política de inovação e a melhoria da logística.
Aliás, a deficiência na logística (armazenagem, transporte e embarque nos portos) continua sendo o maior gargalo do setor agrícola. A falta de infraestrutura adequada para a estocagem e a movimentação pode comprometer a safra recorde.
Para se ter ideia da dimensão do problema, os armazéns públicos e privados têm capacidade estimada de estocagem de 145 milhões de toneladas, um déficit de 45 milhões de toneladas de grãos que devem ser guardados sob lonas de caminhões e em navios graneleiros, o que só fará aumentar as perdas e os custos produtivos pela improvisação. 
A melhor solução para a movimentação da safra é o investimento maciço no modal ferroviário e hidroviário. Isso tornaria o transporte mais eficiente e facilitaria o armazenamento e o escoamento da produção agrícola.
A logística é estratégica para o setor e, nesse contexto, o modelo de concessões e PPP (Parceria Público-Privada), finalmente adotado pelo governo federal na área de transportes, deve impulsionar o setor e também aumentar a competitividade. 
A gestão adequada da política cambial é essencial para a manutenção da competitividade dos nossos produtos, assim como a política de juros baixos com ênfase em medidas para ampliar e desburocratizar o crédito rural, cuja legislação, de 1965, precisa ser revisada, e também ampliar e garantir o acesso aos seguros agrícola e safra.
A redução de impostos sobre  máquinas agrícolas – atualmente de cerca de 18%, o dobro da tarifa que incide nos EUA – e a adoção de uma política mais agressiva de estímulo e incentivo a produção de fertilizantes completam o rol de ações para manter a competitividade do agronegócio. 
Pelo que hoje representa para a economia brasileira, o setor agropecuário necessita eliminar de uma vez por todas os improvisos, as medidas pontuais e paliativas.
Precisamos adotar políticas públicas estratégicas e duradouras no contexto de um projeto nacional que leve em conta a vantagem competitiva da agricultura, um de nossos grandes diferenciais em relação ao conjunto das nações.
Como diz a letra do samba-enredo da Vila Isabel, para “ver brotar o velho sonho/alimentar o mundo” vamos ter de continuar investindo para atender a crescente demanda mundial por alimentos que continuará crescendo acima da oferta.

Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP
Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura Nacional 
E-mail: arnaldojardim@arnaldojardim.com.br

CIVIS E MILITARES AGIAM EM SINTONIA FINA NO DOPS


ROLDÃO ARRUDA - O Estado de S.Paulo
Um recém-descoberto conjunto de seis livros com o registro de quem entrava e saía da ala reservada à diretoria no antigo edifício do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops), no centro de São Paulo, comprova a estreita relação que existia entre forças militares e civis nas ações de repressão política, no período mais duro da ditadura, no início da década de 1970. Os documentos também expõem o intenso fluxo de representantes da sociedade civil pelo prédio que foi um dos principais centros de perseguição de dissidentes; e a forma como a rede de espionagem do regime autoritário se estendia por empresas estatais, sindicatos e universidades.
O acesso à diretoria do Dops ocorria por um portão na lateral esquerda do edifício, no Largo General Osório, bairro da Luz. A passagem de funcionários e visitantes era sempre registrada pelo funcionário de plantão num livro grosso, com folhas pautadas e numeradas - o livro de portaria. Anotava-se o nome, a organização à qual pertencia, horário de entrada de saída e, às vezes, com quem ia falar.
Por meio desses livros, que estavam esquecidos no acervo do antigo Dops, hoje recolhido ao Arquivo Público do Estado, é possível saber que o capitão Ênio Pimentel da Silveira, do Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército, esteve 41 vezes no Dops entre março e outubro de 1971. Frequentemente chegava por volta das 19 horas.
Acusado por ex-presos políticos de se apresentar em sessões de tortura sob o codinome de Doutor Ney, o capitão Ênio era o homem da linha de frente do DOI. Cabia a ele a execução das diretrizes estabelecidas pelo comandante do destacamento, major Carlos Alberto Brilhante Ustra - que também deixou registro de suas passagens pelo Dops, mas com menor frequência.
O capitão costumava se encontrar no Dops com o seu equivalente naquela instituição, delegado Sérgio Paranhos Fleury - o agente que levou para a repressão política os métodos usados contra criminosos comuns. "Prender antes de investigar, torturar, pendurar no pau de arara, dar choques, práticas comuns nas delegacias, foram levadas por Fleury e outros policiais para o enfrentamento da subversão", disse o jornalista Percival de Souza, autor de Autópsia do Medo, alentada biografia do delegado.
Os militares, de sargento a general, iam muitas vezes ao Dops para cumprir formalidades, uma vez que cabia aos policiais dar forma aos inquéritos que iam parar na Justiça Militar. Eles se apresentavam com o nome real, arma e patente.
Com esses dados é possível saber que o capitão Ênio já havia sido promovido a major em 1976. Nem todas as pessoas, porém, se identificavam adequadamente. O Capitão Ubirajara que aparece nos livros, por exemplo, não existe. Sabe-se agora que esse era o codinome usado pelo delegado Aparecido Laertes Calandra em sessões de tortura no DOI.
O cônsul. Entre os civis se destaca o nome de Claris Halliwell, identificado como cônsul americano. À primeira vista, sua presença é compreensível - o Dops tinha uma delegacia especializada em estrangeiros. Chamam atenção, porém, o envolvimento de um cônsul com serviços que poderiam ser executados por funcionários menos graduados e a frequência das visitas. Em 1971 ele foi pelo menos duas vezes por mês ao Dops.
A assessoria de comunicação do Consulado dos EUA diz não ter registros de antigos funcionários. Por isso, não pode confirmar a presença de Halliwell em São Paulo, o cargo que ocupava ou as idas ao Dops.
As poucas informações disponíveis podem ser encontradas num livro sobre seu pai, Leo Halliwell, que atuou na Amazônia como missionário evangélico na década de 30. Claris teria passado a infância em Belém.
Ainda segundo o livro, ele atuou como representante diplomático no Equador e no Brasil e foi cônsul em São Paulo entre 1971 e 1974 - período em que aparece no Dops. Seus substitutos não eram tão assíduos.
Fiesp. Outro civil que se destaca é Geraldo Resende de Mattos, cujo nome aparece sempre seguido pela sigla Fiesp, que identifica a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Ele está presente em todos os volumes, que cobrem o período de março de 1971 a janeiro de 1979.
Na sua fase mais ativa, entre 1971 e 1976, Mattos realizou mais de 200 visitas. Chegava no fim da tarde, por volta das 18 horas, e saía uma hora depois. Às vezes se estendia mais: certo dia, passou oito horas no local.
Mattos morreu de enfarte em 2002, aos 65 anos. Segundo a Fiesp, ele nunca figurou no seu quadro de funcionários. Um parente próximo, que pediu para não ser identificado, contou que ele trabalhava para o Serviço Social da Indústria (Sesi). Consultado na sexta-feira pela reportagem, o Sesi pediu mais tempo para verificar a informação.
O parente também contou que Mattos era especialista em questões de ordem política e sindical. O mais provável é que colaborasse com o Serviço de Informação, que funcionava no quinto andar do Dops, sob o comando do delegado Romeu Tuma. Cabia àquele serviço produzir relatórios para o governador sobre a situação política e social no Estado - uma atuação diferente da que ocorria no segundo andar, onde ficava Fleury.
Universidades. Embora sejam documentos precários, com erros e muitas lacunas, os livros fornecem indicações sobre o alcance do serviço de informações. Alguns exemplos: entre 1974 e 1975, são frequentes as visitas de um senhor apontado como agente na Petrobrás; há um coronel muito assíduo que se identifica com a Cesp, estatal do setor de energia elétrica; outro crava Unesp, de Universidade Estadual Paulista.
Algumas pessoas apareciam porque eram chamadas. Foi essa a explicação que o ex-empresário de João Gilberto, o advogado Krikor Tcherkezian, deu para o fato de seu nome aparecer várias vezes na lista, seguido da sigla USP. Disse que trabalhava no gabinete do reitor e era chamado até seis vezes por mês para acompanhar estudantes envolvidos em investigações da polícia. "Era só aquela coisa de averiguação", contou. "Nunca vi nada. A gente queria saber e não tinha acesso, porque não falavam nada."
O delegado Calandra também foi procurado, mas não quis falar. Ênio Rocha Silveira, filho do capitão Ênio, contou que, ainda criança, acompanhou o pai em algumas visitas ao Dops. "Mas eu nem sabia o que meu pai fazia. Ele foi falar com o delegado Fleury e com o Romeu Tuma", disse. "Meu pai foi chefe da equipe de investigadores do DOI-Codi e também foi para o confronto."
Após passar para a reserva com a patente de coronel, Ênio morreu com quatro tiros no peito em 1986. Segundo o inquérito militar, cometeu suicídio. O filho contesta o laudo na Justiça, afirmando que foi assassinato. "Queima de arquivo."
Os livros da portaria do Dops agora fazem parte do acervo digitalizado do Arquivo do Estado e podem ser consultados pela internet. / COLABORARAM BRUNO BOGHOSSIAN E MARCELO GODOY

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Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva"
Assessoria de Imprensa
Thaís Barreto