terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A Bahia virou a terra de uma artista só: Ivete Sangalo, por João Jorge do Olodum


Presidente do olodum diz que divisão desigual de recursos no carnaval empobrece a Bahia e que 'Afródromo' empurraria negros para gueto
NELSON BARROS NETODE SALVADOR
É Carnaval em Salvador, e João Jorge Rodrigues, 57, presidente do Olodum, crava: há um monopólio na divisão de recursos na folia da Bahia, que é "terra de uma artista só" -Ivete Sangalo.
Na força da cantora, o líder do "bloco mais aclamado e conhecido no planeta", em suas palavras, vê um caráter étnico: ela é branca.
A vinda a Salvador de atrações como o sul-coreano Psy, diz, é mais um retrato de uma Bahia que não valoriza seus artistas, sua negritude.
João Jorge falou à Folha na sede do Olodum, em um belo sobrado encravado no Pelourinho. Em seguida, tinha outra entrevista: com o americano Spike Lee, 55, que filma "Go Brazil Go!", documentário sobre a ascensão econômica do país, que também vai abordar o Brasil da perspectiva racial.
Sobre isso, ele sentencia: a capital baiana "é campeã mundial de apartheid". Sobretudo nos dias de folia.
Mestre em direito público pela Universidade de Brasília (UnB), João Jorge vai na contramão do discurso dominante entre os envolvidos no Carnaval de Salvador.
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Folha - Enquanto cresce a participação popular em blocos de rua no Sudeste, o Carnaval é criticado na academia e por referências do samba e do próprio axé.
João Jorge - O Carnaval do país é um retrato do Brasil atual. Ele é um Carnaval discriminatório, segregado, com mecanismos que reproduzem o capitalismo brasileiro: a grande exclusão da maioria em beneficio de uma minoria.
Seria ingenuidade esperar que no Carnaval de Salvador, de São Paulo, do Recife ou do Rio nós tivéssemos democracia, oportunidade, igualdade. Você passa 359 dias no ano praticando toda forma de violência institucional, de racismo institucional, e você quer que em seis dias o Carnaval seja democrático?
A situação é pior na Bahia?
Aqui, ainda mais. Você tem um segmento que tem os melhores patrocínios, maior visibilidade, todos os recursos. Há cordas separando os blocos do povo.
Estamos falando da possibilidade de o Carnaval ser mais generoso. Além de ser uma festa da alegria, proporcionar também àqueles que fazem cultura ter apoios tão generosos quanto o de quatro grupos. Mas é ilusão achar que isso mudará em curto prazo. Os atores que podiam brigar por isso estão às vezes mais preocupados em fazer parte do jogo.
O chamado 'Afródromo' ajuda ou atrapalha o cenário? [a iniciativa de Carlinhos Brown e outras seis entidades de criar um novo circuito, exclusivo para os blocos afro, estrearia neste ano, mas foi adiada pela nova gestão na prefeitura]
O Olodum tem brigado muito para sair mais cedo e poder ser visto pela televisão. Para que empresas patrocinem de forma equitativa os blocos afros.
Ao mesmo tempo, eles resolveram fazer algo separado. O que a sociedade mais quer é que os negros escolham um gueto para ir e se afastem da disputa com eles. É como se soubéssemos o lugar em que deveríamos ficar, em vez de aparecermos na Barra, no Campo Grande.
Mais ainda: obriga o poder público a ter gastos com outro circuito, quando os recursos poderiam ser distribuídos de uma forma melhor.
Até que ponto o monopólio afeta a festa, a música local?
A diversidade, que antes era a riqueza do Carnaval, foi diminuindo, e hoje o Ilê Aiyê, o Filhos de Gandhy, a Timbalada e o Olodum correm um pouco no meio disso.
Mas nos demais lugares você não tem novidades. A Bahia virou a terra de uma artista só. Parece que os outros estão todos mortos.
Isso mata os artistas emergentes, mata os que estão trabalhando e, em vez de fortalecer essa própria artista, a fulmina, porque é a galinha dos ovos de ouro aberta para pegar ovos. A festa faz de conta que está enriquecendo uma pessoa, mas na verdade está empobrecendo uma cidade, um Estado.
A pessoa é Ivete Sangalo?
Sim, ela.
E como o senhor vê a vinda de celebridades como o sul-coreano Psy, para ações publicitárias, com o discurso de prestigiar o Carnaval?
Essa mudança, de a gente precisar de elementos como esses, é uma coisa recente, tem 20 anos. Antes, as pessoas vinham para participar, para conhecer o Carnaval de Salvador. Com o tempo, passou a ser: 'Eu quero que você venha para você ser importante para o Carnaval'. Inverteu. O Carnaval é que era importante para essas pessoas.
O pessoal pergunta: qual é a atração deste ano do Olodum? É a banda Olodum. A banda mais internacional da Bahia: 37 países, quatro Copas do Mundo, tocou com os últimos 30 grandes nomes da música mundial. Na visão de outros grupos, outros artistas, eles não são atrações no Carnaval de Salvador, atração é o coreano, é a atriz da Globo.
A novidade do Olodum é o samba-reggae, é a força biológica da música que a gente tem, a música de protesto...
E existem novas músicas do Olodum assim?
Tem, e atuais. Agora, qual rádio que toca pagode, sertanejo e funk vai tocar música de protesto? Vou dar um exemplo bem simples: ninguém consegue mudar a ordem do desfile de Salvador, porque foi imposta pelo capital. A ordem é: quem tem mais dinheiro.
Mas qual prefeito ou governador vai dizer: "A gente banca o Carnaval, dá segurança, saúde, infraestrutura, gasta R$ 84 milhões, e todos terão de cumprir a seguinte diretriz -será um desfile alternativo, com um bloco afro, depois um afoxé e um bloco de trio. Um bloco travestido e um trio independente. Em horários que todos possam aparecer na TV". Quero ver qual autoridade da Bahia vai fazer isso.
E Claudia Leitte? Parte do público e da crítica diz que ela tenta repetir Ivete, que não teria identidade...
Não posso falar disso, porque esse é um problema dessas cantoras, desse tipo de personalidade cuja força é o caráter étnico. A força delas é que são cantoras brancas. Se elas se imitam ou não, não posso dizer nada, é o mercado que elas escolheram. De serem cantoras brancas, que dominam todo o mercado de publicidade, todo o mercado de shows, e que uma compete com a outra.
Recentemente, uma delas colocou o filho para subir no palco, e a outra fez o mesmo.
E tem a gravidez de cada uma, tudo que é feito para gerar noticia. Estou preocupado inclusive com Spike Lee, para ele não engravidar ninguém aqui nesse período [risos], para criar notícia, entendeu?
Agora, um fato é importante: elas exercem um papel importante na música brasileira e souberam dar um ar profissional a isso que é uma resposta também às demandas da própria comunidade negra. Você, com ótimas cantoras negras aqui, numa cidade de maioria negra, não capitalizar isso é um erro estratégico. Para você ver a força do racismo e da alienação. As cantoras negras da Bahia seriam milionárias nos EUA.
E os desfiles das escolas de samba no Rio e em São Paulo?
Olha, eles foram importantes nos anos 10 e 20 do século passado para formar uma cultura do samba. Depois, foram engessados pelo modelo de desfile, pelo sambódromo e continuam sendo um espetáculo maravilhoso... De ver. Mas sem participação ampla, e isso difere do Recife, de Olinda e de Salvador.
Por isso o Rio está tendo essa explosão de blocos de rua, mostrando que as pessoas cansaram desse modelo da fantasia, das alas, da batida, de 90 minutos de desfile. Sem falar da guerra publicitária, dos enredos patrocinados.
Em algum momento o Carnaval foi uma festa popular?
Nunca, ainda não é e talvez não seja. É uma festa de multidões, mas que tem uma repressão muito grande sobre tudo. O Carnaval é extremamente limitado, onde se desfila, se bate foto, é preciso pagar taxas. E não é isso que é vendido para o mundo.
Veja, um dos fenômenos mais interessantes do Carnaval é a visibilidade da homossexualidade. Mas é também no Carnaval em que os homossexuais são mais agredidos. Ao mesmo tempo em que parece que a cidade fica liberal, receptiva ao outro, ela é extremamente conservadora.
O Carnaval está migrando para ter os bailes de novo, os camarotes, uma estrutura mais apartada ainda do que se conseguiu ter nos blocos de trio nos horários de desfile.
Mas o Olodum segue nela...
O Carnaval não é a salvação, não é o fim do mundo. É algo importante para a civilidade que precisa emergir, mas não se resolvem os problemas das cidades sem o confronto. O Carnaval é a cara da sociedade. Só em um momento o brasileiro se mostra como ele é. É no Carnaval.

Assembleia cria CPI que nem o autor se lembra de ter pedido


PAULO GAMA
DIÓGENES CAMPANHA
DE SÃO PAULO
A Assembleia Legislativa de São Paulo instalou na última sexta-feira três CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) propostas por tucanos com potencial mínimo de dano político para o governador Geraldo Alckmin (PSDB).
A estratégia da base de apoio ao Palácio dos Bandeirantes tem sido congestionar a fila de pedidos de CPIs com o objetivo de impedir a instalação de investigações propostas pela oposição.
Isso porque só é permitido o funcionamento de cinco comissões de inquérito ao mesmo tempo.
Entre as novas CPIs da Assembleia paulista há uma que nem o próprio autor do requerimento, o deputado tucano Fernando Capez, se lembrava de ter pedido. Ela terá 120 dias para investigar o mercado de venda de autopeças.
Contatado para explicar a importância da investigação, Capez não se lembrou em um primeiro momento de ter solicitado sua abertura. Pediu um tempo para checar e, no dia seguinte, reconheceu ser o autor do requerimento.
Junto com ela, foram instaladas outras duas CPIs: a dos abusos de empresas de telemarketing com clientes e a da pesca predatória, propostas pelos tucanos João Caramez e Maria Lúcia.
Como outras duas CPIs também propostas por governistas já estão em andamento, nenhuma outra pode mais sair do papel por ora.
Continuam na fila pedidos da oposição para investigar empresas responsáveis por pedágios e irregularidades na Fundação para o Desenvolvimento da Educação, do governo estadual. Um pedido de CPI para examinar a crise que levou à troca no comando da segurança pública do Estado não conseguiu o número mínimo de assinaturas.
Editoria de Arte/Folhapress
'CPI DA MANGUAÇA'
As três novas CPIs começam a funcionar no lugar de outras também com baixa probabilidade de gerar complicações políticas, como a da reprodução assistida, a do consumo abusivo de álcool e a da propaganda sobre juros no comércio. Todas foram iniciativas tucanas.
As duas últimas foram extintas oficialmente na segunda-feira sem sequer terem apresentado seus relatórios.
O tucano Cauê Macris, que propôs e presidiu a CPI do álcool, atribuiu o fracasso a uma "manobra da oposição" que "travou" seu funcionamento, questionando sua pertinência na Justiça.
Autora do pedido para investigar a pesca predatória, Maria Lúcia diz que a comissão "pode contribuir com propostas de legislação". "Sou contrária às CPIs que sejam instauradas apenas por razões politicas", afirmou ela, negando que tenha agido por orientação do governo.
"As comissões existem para apurar condutas dos entes públicos que possam redundar em desvio de conduta. Essas três CPIs foram apresentadas simplesmente para segurar a fila", afirma Major Olímpio (PDT). "Fico triste, para não dizer envergonhado, por ver funcionar a CPI da pesca, como já tivemos a da manguaça [consumo de álcool]."
Líder de Alckmin na Assembleia, Samuel Moreira (PSDB) diz não haver nenhuma estratégia para barrar CPIs embaraçosas para o Palácio dos Bandeirantes.

Para matar a saudade de um texto do Marcos Sá Correa



 
A melhor fantasia deste carnaval foi, com sombras de dúvida, a da Eletronorte. Ela saiu de Árvore do Apagão. Guarnecida com os mais preciosos penduricalhos técnicos. Costurada com fios de alta tensão. Cintilando com as luzes que piscaram em dez estados para anunciar sua chegada, do Norte ao Centro-Oeste. Um luxo só.

Foi tempo em que o máximo de Blecaute com que se podia contar no Carnaval era o cantor Otávio Henrique de Oliveira, o de “Chegou o General da Banda, ê, ê”. Agora temos para nos embalar a festa um enredo muito mais imaginoso – o do galho que atravessou o caminho da rede elétrica entre Colinas e Miracema, no Tocantins, conjurando forças ocultas a desligar em série três linhões e engolir 3.600 megawatts no Nordeste, “ê, ê”.

Quem não entendeu muito bem a explicação da empresa só pode estar se embriagando demais com firulas técnicas. Nem os engenheiros eletricistas e outros especialistas na matéria levaram a sério a conversa da Eletronorte. Alegaram que as linhas de transmissão geralmente correm sobre um vasto leito de devastação proposital e sistemática. Logo, se havia árvore sob as torres do Tocantins, o problema não seria o galho sabotador, e sim o descuido das rotinas de manutenção.

Daí para insinuar que há qualquer coisa bruxuleando no sistema que gerou a fama da administradora Dilma Rousseff no ministério das Minas e Energia, e agora alimenta sua candidatura à presidência da República, era um pulo. Mas no Carnaval só se pula por bons motivos. A hora é de reconhecer que a história da Eletronorte acertou em cheio no quesito alegoria. Culpar a árvore foi um achado sociológico.

As árvores, no Brasil, são as suspeitas de sempre, como diria o capitão Louis Renault, se isto aqui fosse Casablanca. O país está sempre pronto a acreditar que as árvores. mais cedo ou mais tarde, vão lhe aprontar alguma, quebrando calçadas, sujando jardins com folhas mortas, manchando de flores a pintura dos carros e, claro, caindo nos fios para provocar pequenos apagões – porque os grandes só as operadoras do sistema sabem fazer.

A má-vontade é tanta, tamanha e tão basta que o brasileiro típico “quase não sabe os nomes das árvores, das palmeiras, das plantas nativas da região em que vive”, segundo o sociólogo Gilberto Freyre, como sempre traduzindo as excentricidades nacionais para o melhor português possível. Certa vez, lá vão quase 90 anos, ele comparou os alarmes contra o desmatamento a “gritos carnavalescos”, que se ouvem como convites a não fazer nada.

A nota da Eletronorte, como um todo samba-enredo que se preza, enrolou-se num mito popular e consagrado, desde que os primeiros povoadores acreditavam que atrás de cada tronco havia índios para atacar suas aldeias, feras para comer seu gado ou doenças tropicais para derrubá-los definitivamente nas redes em que seriam enterrados.

Os europeus que vieram ao Brasil no século XIX estranharam a deliberada aridez das cidades brasileiras, com a selva dando sopa tão perto de seus subúrbios. O sol batia em cheio sobre suas ruas sem calçamento, porque à sombra de toda copa haveria perigos inomináveis. Por essas e outras, “limpar” ainda é o nome que se dá no país a qualquer obra de motosserra. E tudo indica que é o que, passado o carnaval, vai acontecer no Tocantins.