quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017
Um mestre da tergiversação, por Luiz Maklouf Carvalho, OESP
Osenhor vai ter de falar nisso”, disse
a senadora Vanessa Grazziotin
(PCdoB-AM) ao ministro licenciado
Alexandre de Moraes, indicado ao
Supremo Tribunal Federal (STF), na terceira
hora de sua sabatina na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado. “Nisso”,
no caso, era uma posição que Moraes defendeu
em sua tese de doutorado (USP/2000) –
o veto à indicação de ministros ao STF pelo
presidente da República.
A questão entrou em pauta já no começo
da sabatina, como uma das perguntas do
senador Eduardo Braga (PMDB-AM), relator
da indicação de Moraes pelo presidente
Michel Temer. Moraes deu o primeiro drible.
O segundo foi em Lindbergh Farias
(PT-RJ). O terceiro, no senador Lasier Martins
(PSD-RS). O quase futuro ministro ignorou
a questão específica de três senadores
– sua própria proposta de veto presidencial
–, e demorou-se em platitudes sobre a
tese que defendeu.
Grazziotin seria a quarta a ser fintada – e
foi aí, à guisa de “comigo, não!” – que instou
Moraes a não escapulir. “É, na verdade, o
melhor argumento contra a sua própria indicação”,
disse a senadora. Moraes matou
no peito (“existem várias propostas sobre a
escolha de ministros para o STF...”) – e passou
a bola por baixo de sua saia (“não é só
uma discussão brasileira...”).
Mais dribles do gênero seriam dados. Até
a sexta hora da sabatina, que entrou pela
noite, o indicado mostrou-se um mestre da
tergiversação – parabéns aos que o treinaram!
– e não respondeu à pergunta incômoda.
Poderia ter sido levado às cordas, de leve,
nas réplicas dos senadores oposicionistas.
Mas Lindbergh Farias e Vanessa Grazziotin
aceitaram o faz-de-conta-que-eunão-tô-entendendo
com tolerância inimaginável.
Talvez um subproduto das visitas de
cortesia que Moraes fez a todos os senadores
antes da sabatina.
Também foram condescendentes, nas ré-
plicas, os oposicionistas Gleisi Hoffmann
(PT-PR) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Não falaram da tese de doutorado, mas de
outros pontos incômodos para o ministro
licenciado. Rodrigues tratou, por exemplo,
da acusação de plágio em um dos livros de
Moraes – outra pedra que ele tentava (e conseguia)
tirar do calcanhar desde o questionamento
do relator, Eduardo Braga.
Moraes chegou a dizer, arrogante e ofensivo,
que a reportagem que denunciou o
plágio era “maldosa” e que “a viúva do autor
(que confirmou a acusação de plágio) foi
induzida pelo repórter”. Rodrigues explicou
o porquê da pergunta – “para ficar nitidamente
esclarecido”, veja bem – e, mesmo
com a papelada do plágio nas mãos, nada
disse quando a nitidez solicitada mais
pareceu um borrão.
Sobrou para a imprensa, também, a culpa
de outras acusações a Moraes. “A imprensa
inventa, às vezes, o que ela bem entender” e
“a imprensa requenta, inventando fatos”,
disse, genérica e aleivosamente, como nunca
antes se ouviu de candidato a ministro
do STF, pelo menos durante as sabatinas.
Na primeiras seis horas, Moraes não teve
um único momento de arroubo, ou de irrita-
ção, ou de brilho, à exceção do de sua careca
reluzente – um contraste plural com o cabelo
pintado de acaju do senador Edison Lobão
(PMDB-MA) e sua voz cavernosa, sentados
lado a lado. “Faz tempo que eu não uso
shampoo”, respondeu o calvo candidato a
uma brincadeira do senador Armando Monteiro
(PTB-PE), ele também já desprovido
de fios no topo da cabeça. Na parte séria,
Monteiro elogiou a discrição do também
careca ministro Teori Zavascki, a quem Moraes
pode substituir, e perguntou ao sabatinado
o que ele diria sobre ter “um certo gosto
pelas luzes”. Moraes respondeu, na mesma
toada monocórdica: “Cada pessoa é um
estilo. A postura num cargo executivo é diversa
num cargo judiciário”.
l Apenas três dos oito senadores
da Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) investigados na
Lava Jato participaram da sabatina
de Alexandre de Moraes ao
cargo de ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF).
A sessão começou presidida
por Edison Lobão (PMDB-MA) –
alvo de dois inquéritos. Ele alternou
mais de uma vez a condução
da sabatina com o vice-presidente
do colegiado, Antonio Anastasia
(PSDB-MG). A senadora Gleisi
Hoffmann, suplente na comissão
e ré na Lava Jato, teve atuação
presente e se declarou suspeita
para indicar um ministro do STF,
por ser ré na Corte. Denunciado
na Lava Jato, o senador Benedito
de Lira (PP-AL) não deixou de
fazer perguntas. Ele, no entanto,
não entrou em temas relacionados
a investigações.
Citados em delações, Aécio
Neves (PSDB-MG) e Eduardo Braga
(PMDB-AM) atuaram para defender
o sabatinado.
“Eu queria chamar a
atenção para o seguinte: nós
estamos aqui numa
sabatina de um ministro do
STF, uma sabatina
completamente esvaziada.
A gente poderia suspender,
porque não dá! É um
desrespeito!”
Lindbergh Farias (PT-RJ)
SENADOR
ERALDO PERES/AP
Manifestação. Deputados do PSOL driblaram a segurança
]
ANÁLISE: Luiz Maklouf Carvalho
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