O Globo - 06/11
As mudanças no mercado de trabalho devido às novas tecnologias estão exigindo uma educação mais longa e, sobretudo, o aprendizado constante. Essas mudanças, e a necessidade de o padrão educacional brasileiro não apenas melhorar, mas sobretudo se adequar aos novos tempos, foram analisadas no recente ciclo de debates da Academia Brasileira de Letras, coordenado pela escritora Ana Maria Machado.
O sociólogo José Pastore, um dos maiores especialistas do assunto no país, diz que o mercado de trabalho hoje “está atrás de pessoas que saibam transformar informação em conhecimento”. Esse aprender contínuo, ressalta Pastore, nenhuma escola pode oferecer. “O ser humano antes tinha seu tempo dividido entre o trabalho e o lazer. Hoje, no mundo do trabalho, pede-se que se divida o tempo em três partes: trabalho, lazer e aprendizagem continuada”.
Ele adverte que 60% das profissões que existirão dentro de 20 anos ainda não existem hoje. “Aprender por conta própria, aprender a aprender, aprender continuamente. É preciso ter a obsessão da leitura”, recomenda Pastore. Ele destaca que o bom comando da linguagem é fundamental hoje no mundo do trabalho. “Deficiência de linguagem vai junto com deficiência de pensamento, mina a produtividade da economia, a eficiência”.
As escolas do Brasil são deficientes não é de hoje, diz ele. Em 1850, 90% da população dos EUA estava alfabetizada. No Brasil, naquele ano, nós tínhamos 90% de analfabetos. Os EUA passaram os últimos 50 anos investindo em educação, e mesmo assim nos testes de Pisa perdem para Singapura, Coréia do Sul e Finlândia.
Pastore resume assim nossa situação: os trabalhadores não ganham bem, não têm produtividade, não inovam, não geram lucro para as empresas, e as empresas não evoluem e não geram mais empregos.
O economista-chefe do Instituto Ayrton Senna Ricardo Paes e Barros cita outros exemplos: o Chile, em 30 anos, aumentou a produtividade graças à educação, Malásia e a China vão na mesma direção. Com uma ponta de ironia, ele comenta: “Esses países consideram que a educação é um direito humano básico, mas permitem que a educação sirva ao capitalismo”.
Mas no Brasil temos uma educação desprovida de utilidade para o capitalismo, critica Paes e Barros. “A Coreia do Sul levou ao extremo, focou sua educação na tecnologia. E vem o Brasil e desmoraliza a educação. Conseguiu o sonho de alguns de aumentar a educação e não aumentar a produtividade”.
Ele destaca que, em 1980, estávamos na mesma situação da Coréia, o que um brasileiro produzia era igual ao que um coreano produzia. Hoje precisamos de mais de três brasileiros para produzir o que um coreano produz. Na mesma época, eram precisos dez chineses para produzir o que um brasileiro produzia, em 2010, bastava um chinês, hoje um brasileiro já não produz o mesmo que um chinês.
O economista Samuel Pessoa, da Fundação Getulio Vargas, ressalta que no final dos anos 50 começamos a procurar estudar se a educação tinha relação com a desigualdade de renda, e acabamos entendendo que se quiséssemos compreender o aumento da produtividade do trabalho, uma parte seria responsabilidade da educação.
“Há uma correlação positiva entre a escolaridade e a renda. Quem estuda mais ganha mais em média. É uma relação de causa e efeito, olhar o investimento educacional como investimento econômico”. Sem falar no aumento da produtividade. Ele cita exemplos claros: uma hora trabalhada no Brasil produz 1/5 que nos Estados Unidos, e 1/3 dessa diferença dá para explicar pelo atraso da educação.
“O atraso educacional brasileiro explica nossa diferença de produtividade em relação às economias desenvolvidas”. Para Samuel Pessoa, “nunca tivemos uma educação de qualidade para todos”. Nos anos 50, pelo menos metade das crianças de 7 a 14 anos estavam na rua, fora das escolas. “O país parecia estar vivendo seu auge, mas não tinha dinheiro para colocar as crianças nas escolas. A educação pública boa era para 2% da população”.
O economista Samuel Pessoa é taxativo: “O sistema educacional só é bom quando o filho do pobre sai com a mesmo conhecimento do filho do rico. Desigualdade educacional explica a desigualdade de renda”. Ele considera um “erro histórico” termos passado anos 30 aos anos 70 não dando importância para a educação, e pergunta: Qual seria o PIB per capita brasileiro se, entre 1930 e 1980, tivéssemos investido 4% do PIB a mais em educação. E responde, com base em pesquisas: “Seria o dobro. É muito caro desistir de uma criança”.
As mudanças no mercado de trabalho devido às novas tecnologias estão exigindo uma educação mais longa e, sobretudo, o aprendizado constante. Essas mudanças, e a necessidade de o padrão educacional brasileiro não apenas melhorar, mas sobretudo se adequar aos novos tempos, foram analisadas no recente ciclo de debates da Academia Brasileira de Letras, coordenado pela escritora Ana Maria Machado.
O sociólogo José Pastore, um dos maiores especialistas do assunto no país, diz que o mercado de trabalho hoje “está atrás de pessoas que saibam transformar informação em conhecimento”. Esse aprender contínuo, ressalta Pastore, nenhuma escola pode oferecer. “O ser humano antes tinha seu tempo dividido entre o trabalho e o lazer. Hoje, no mundo do trabalho, pede-se que se divida o tempo em três partes: trabalho, lazer e aprendizagem continuada”.
Ele adverte que 60% das profissões que existirão dentro de 20 anos ainda não existem hoje. “Aprender por conta própria, aprender a aprender, aprender continuamente. É preciso ter a obsessão da leitura”, recomenda Pastore. Ele destaca que o bom comando da linguagem é fundamental hoje no mundo do trabalho. “Deficiência de linguagem vai junto com deficiência de pensamento, mina a produtividade da economia, a eficiência”.
As escolas do Brasil são deficientes não é de hoje, diz ele. Em 1850, 90% da população dos EUA estava alfabetizada. No Brasil, naquele ano, nós tínhamos 90% de analfabetos. Os EUA passaram os últimos 50 anos investindo em educação, e mesmo assim nos testes de Pisa perdem para Singapura, Coréia do Sul e Finlândia.
Pastore resume assim nossa situação: os trabalhadores não ganham bem, não têm produtividade, não inovam, não geram lucro para as empresas, e as empresas não evoluem e não geram mais empregos.
O economista-chefe do Instituto Ayrton Senna Ricardo Paes e Barros cita outros exemplos: o Chile, em 30 anos, aumentou a produtividade graças à educação, Malásia e a China vão na mesma direção. Com uma ponta de ironia, ele comenta: “Esses países consideram que a educação é um direito humano básico, mas permitem que a educação sirva ao capitalismo”.
Mas no Brasil temos uma educação desprovida de utilidade para o capitalismo, critica Paes e Barros. “A Coreia do Sul levou ao extremo, focou sua educação na tecnologia. E vem o Brasil e desmoraliza a educação. Conseguiu o sonho de alguns de aumentar a educação e não aumentar a produtividade”.
Ele destaca que, em 1980, estávamos na mesma situação da Coréia, o que um brasileiro produzia era igual ao que um coreano produzia. Hoje precisamos de mais de três brasileiros para produzir o que um coreano produz. Na mesma época, eram precisos dez chineses para produzir o que um brasileiro produzia, em 2010, bastava um chinês, hoje um brasileiro já não produz o mesmo que um chinês.
O economista Samuel Pessoa, da Fundação Getulio Vargas, ressalta que no final dos anos 50 começamos a procurar estudar se a educação tinha relação com a desigualdade de renda, e acabamos entendendo que se quiséssemos compreender o aumento da produtividade do trabalho, uma parte seria responsabilidade da educação.
“Há uma correlação positiva entre a escolaridade e a renda. Quem estuda mais ganha mais em média. É uma relação de causa e efeito, olhar o investimento educacional como investimento econômico”. Sem falar no aumento da produtividade. Ele cita exemplos claros: uma hora trabalhada no Brasil produz 1/5 que nos Estados Unidos, e 1/3 dessa diferença dá para explicar pelo atraso da educação.
“O atraso educacional brasileiro explica nossa diferença de produtividade em relação às economias desenvolvidas”. Para Samuel Pessoa, “nunca tivemos uma educação de qualidade para todos”. Nos anos 50, pelo menos metade das crianças de 7 a 14 anos estavam na rua, fora das escolas. “O país parecia estar vivendo seu auge, mas não tinha dinheiro para colocar as crianças nas escolas. A educação pública boa era para 2% da população”.
O economista Samuel Pessoa é taxativo: “O sistema educacional só é bom quando o filho do pobre sai com a mesmo conhecimento do filho do rico. Desigualdade educacional explica a desigualdade de renda”. Ele considera um “erro histórico” termos passado anos 30 aos anos 70 não dando importância para a educação, e pergunta: Qual seria o PIB per capita brasileiro se, entre 1930 e 1980, tivéssemos investido 4% do PIB a mais em educação. E responde, com base em pesquisas: “Seria o dobro. É muito caro desistir de uma criança”.
O papel econômico da Educação - MERVAL PEREIRA
O Globo - 05/11
A crise educacional e a falta de competitividade do país. No recente ciclo de palestras da Academia Brasileira de Letras com o tema “Planejamento e Políticas Públicas”, sob coordenação da escritora Ana Maria Machado, houve uma feliz coincidência: três dos palestrantes, com abordagens diferentes, acabaram se dedicando especialmente a analisar a crise educacional brasileira e sua relação com a falta de competitividade do país.
O sociólogo José Pastore, uma das maiores autoridades em trabalho no país, Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, um dos técnicos por trás do Bolsa Família, e Samuel Pessoa, do Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas no Rio, mostraram como a deficiente estrutura educacional impede que o trabalhador brasileiro ganhe produtividade.
Como analisa Paes de Barros, “a produtividade brasileira cresceu menos do que o salário. Para reduzir a pobreza, é preciso crescimento salarial, que não existe sem crescimento da produtividade. Mas o cenário educacional é desastroso”.
Pastore diz que nós brasileiros vamos ter que escolher entre “muito trabalho e boa Educação ou pouco trabalho. Alta competência ou baixo salário”. Mas o Brasil está atrasado, lembra, fazendo comparações: “Nossa educação média ainda está em torno de 7 anos de escola, quando nos Tigres Asiáticos já passou dos 10 anos; no Japão está nos 12; nos EUA e na Europa já está entre 13 e 14 anos”.
Para Samuel Pessoa, da FGV, “demorou muito para os economistas entenderem o papel econômico da Educação. Nossa sociedade se atrasou na Educação, nosso maior erro histórico no século 20”.
Paes de Barros fez análise do que chamou de verdadeira revolução no combate à desigualdade: “A taxa de crescimento de renda per capita dos mais pobres cresceu acima da média nacional, e isso é inclusão social. No Brasil, 80% caminharam acima da média. Só dois grupos, que representam 15% da população, os mais ricos, cresceram abaixo da média, e têm metade da renda brasileira. Por 13 anos, o pobre cresceu quatro vezes mais rápido do que o rico. Para reduzir a desigualdade, precisa de desigualdade na taxa de crescimento”.
Infelizmente, lamentou Paes de Barros, é preciso fazer isso por mais 20 anos para que nos tornemos um país razoável. Mas o grande feito, salientou, é fazer com que o mais pobre consiga taxas de crescimento chinês via mais trabalho e mais remuneração.
Falando sobre a crise atual, o economista disse que, “mais do que nunca, a melhor política social é a política econômica, pois os pobres estão conectados à economia”. Para ele, o gasto público não é sustentável, e o gasto com o pobre é disso “minúscula porcentagem”. A explosão dos gastos “tem a ver com decisões erradas que põem em risco o que conseguimos”.
Paes de Barros vê “ares de insustentabilidade”, pois, embora os salários dos mais pobres precisem continuar crescendo, “não podem crescer mais rápido do que a produtividade. Quem vai pagar a conta?”.
Na análise de Ricardo Paes de Barros, “temos hoje a maior juventude de todos os tempos, de 15 a 29 anos — 50 milhões —, maior do que jamais tivemos e do que jamais teremos”, mas um sistema educacional atrasado dezenas de anos em relação a países que eram similares ao nosso há poucos anos.
“A escolaridade de quem nasceu nos anos 1930 era de 3,5 anos. O primeiro grupo que atingiu 4 anos de escolaridade foi o que nasceu em 40. Em 70, atingimos 8 anos de estudo. O novo adulto brasileiro, com 25 anos, se tiver um amigo chileno, este terá dois anos de escolaridade a mais — 10 a 12 anos. O pai do amigo chileno já tinha 10 anos. Estamos mais de 20 anos atrasados”.
Sobre o aprendizado de crianças de 15 anos, verificado pelo teste Pisa, Paes de Barros ressalta que 67% dos brasileiros “sabem nada ou quase nada em Matemática”. A Coreia do Sul tem três vezes mais conhecimento, e 93% dos países têm mais conhecimento do que os brasileiros.
Mas temos ilhas de excelência que deveriam ser copiadas. “500 escolas brasileiras já alcançaram a meta do Plano Nacional de Educação para daqui a 10 anos, e a maior parte delas está no interior do Nordeste”. Que país é este, pergunta o economista, lamentando: “Não sabemos valorizar quem sabe fazer Educação”.
Ele cita como exemplo a cidade de Brejo Santo, na fronteira tríplice entre Pernambuco, Paraíba e Ceará, na base da Chapada do Araripe, com renda per capita inferior a R$ 10 por dia, e que está na liderança na Educação. (Amanhã, o novo mercado de trabalho)
A crise educacional e a falta de competitividade do país. No recente ciclo de palestras da Academia Brasileira de Letras com o tema “Planejamento e Políticas Públicas”, sob coordenação da escritora Ana Maria Machado, houve uma feliz coincidência: três dos palestrantes, com abordagens diferentes, acabaram se dedicando especialmente a analisar a crise educacional brasileira e sua relação com a falta de competitividade do país.
O sociólogo José Pastore, uma das maiores autoridades em trabalho no país, Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, um dos técnicos por trás do Bolsa Família, e Samuel Pessoa, do Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas no Rio, mostraram como a deficiente estrutura educacional impede que o trabalhador brasileiro ganhe produtividade.
Como analisa Paes de Barros, “a produtividade brasileira cresceu menos do que o salário. Para reduzir a pobreza, é preciso crescimento salarial, que não existe sem crescimento da produtividade. Mas o cenário educacional é desastroso”.
Pastore diz que nós brasileiros vamos ter que escolher entre “muito trabalho e boa Educação ou pouco trabalho. Alta competência ou baixo salário”. Mas o Brasil está atrasado, lembra, fazendo comparações: “Nossa educação média ainda está em torno de 7 anos de escola, quando nos Tigres Asiáticos já passou dos 10 anos; no Japão está nos 12; nos EUA e na Europa já está entre 13 e 14 anos”.
Para Samuel Pessoa, da FGV, “demorou muito para os economistas entenderem o papel econômico da Educação. Nossa sociedade se atrasou na Educação, nosso maior erro histórico no século 20”.
Paes de Barros fez análise do que chamou de verdadeira revolução no combate à desigualdade: “A taxa de crescimento de renda per capita dos mais pobres cresceu acima da média nacional, e isso é inclusão social. No Brasil, 80% caminharam acima da média. Só dois grupos, que representam 15% da população, os mais ricos, cresceram abaixo da média, e têm metade da renda brasileira. Por 13 anos, o pobre cresceu quatro vezes mais rápido do que o rico. Para reduzir a desigualdade, precisa de desigualdade na taxa de crescimento”.
Infelizmente, lamentou Paes de Barros, é preciso fazer isso por mais 20 anos para que nos tornemos um país razoável. Mas o grande feito, salientou, é fazer com que o mais pobre consiga taxas de crescimento chinês via mais trabalho e mais remuneração.
Falando sobre a crise atual, o economista disse que, “mais do que nunca, a melhor política social é a política econômica, pois os pobres estão conectados à economia”. Para ele, o gasto público não é sustentável, e o gasto com o pobre é disso “minúscula porcentagem”. A explosão dos gastos “tem a ver com decisões erradas que põem em risco o que conseguimos”.
Paes de Barros vê “ares de insustentabilidade”, pois, embora os salários dos mais pobres precisem continuar crescendo, “não podem crescer mais rápido do que a produtividade. Quem vai pagar a conta?”.
Na análise de Ricardo Paes de Barros, “temos hoje a maior juventude de todos os tempos, de 15 a 29 anos — 50 milhões —, maior do que jamais tivemos e do que jamais teremos”, mas um sistema educacional atrasado dezenas de anos em relação a países que eram similares ao nosso há poucos anos.
“A escolaridade de quem nasceu nos anos 1930 era de 3,5 anos. O primeiro grupo que atingiu 4 anos de escolaridade foi o que nasceu em 40. Em 70, atingimos 8 anos de estudo. O novo adulto brasileiro, com 25 anos, se tiver um amigo chileno, este terá dois anos de escolaridade a mais — 10 a 12 anos. O pai do amigo chileno já tinha 10 anos. Estamos mais de 20 anos atrasados”.
Sobre o aprendizado de crianças de 15 anos, verificado pelo teste Pisa, Paes de Barros ressalta que 67% dos brasileiros “sabem nada ou quase nada em Matemática”. A Coreia do Sul tem três vezes mais conhecimento, e 93% dos países têm mais conhecimento do que os brasileiros.
Mas temos ilhas de excelência que deveriam ser copiadas. “500 escolas brasileiras já alcançaram a meta do Plano Nacional de Educação para daqui a 10 anos, e a maior parte delas está no interior do Nordeste”. Que país é este, pergunta o economista, lamentando: “Não sabemos valorizar quem sabe fazer Educação”.
Ele cita como exemplo a cidade de Brejo Santo, na fronteira tríplice entre Pernambuco, Paraíba e Ceará, na base da Chapada do Araripe, com renda per capita inferior a R$ 10 por dia, e que está na liderança na Educação. (Amanhã, o novo mercado de trabalho)
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