Fonte: Nexo Jornal - 12.11.2016
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Brasil - Com a proximidade do fim do ano, já é possível afirmar que 2016 será lembrado como um momento decisivo na transição global para a economia de baixo carbono. O ápice desse movimento foi, sem dúvida, 22 de abril deste ano, quando 175 países assinaram o Acordo de Paris, recorde histórico de adesão em um mesmo dia a um acordo internacional. O segundo semestre foi marcado pela ratificação do acordo bem antes do esperado. Em consequência, ele já vai entrar em vigor no próximo dia 4 de novembro. Isso sinaliza que a comunidade das nações está comprometida com as medidas necessárias para reter as mudanças climáticas em uma elevação máxima de 2°C frente à temperatura média global antes da Revolução Industrial, com esforços para não ultrapassar 1,5°C. Essa conjugação de esforços congregou até mesmo países tradicionalmente reticentes ao tema, como Estados Unidos e China. O Brasil, que foi ator destacado dessa construção, assumiu um compromisso de Estado que não poderá mais ser negligenciado pela pressão conjuntural.
As metas estão colocadas e nada impede que o país aproveite o impulso desse "momentum" para embarcar em um novo modelo de desenvolvimento. É preciso virar a página do improviso (que já inspirou tantas políticas sem lastro financeiro para sua concretização) e adotar uma atitude de planejamento estratégico, com vistas a uma agenda economicamente sustentável, socialmente comprometida e capaz de impulsionar investimentos e competitividade empresarial. O setor de energia elétrica oferece um caminho promissor nesse sentido, como apontam os estudos “Financiamento à Energia Renovável: entraves, desafios e oportunidades” e “Consumo Eficiente de Energia Elétrica: uma agenda para o Brasil”, publicados neste ano pelo Conselho de Líderes do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável). Daqui para frente, a questão ultrapassa a dimensão diplomática e deve ganhar concretude. Os recursos públicos disponíveis precisam ser alocados em escolhas que façam sentido no curto, médio e longo prazos. Nesse contexto, é uma bela notícia o anúncio feito pelo BNDES, no início de outubro, de aumento da participação do banco no financiamento à energia renovável, simultaneamente à redução de aportes para termelétricas. Há entraves importantes à transição para uma economia de baixo carbono no Brasil, seja em termos regulatórios ou mesmo em função da falta de planejamento e visão estratégica, que resulta em incentivos perversos – como aconteceu na ênfase a termelétricas no auge da crise hídrica em 2014 ou como, do mesmo modo, ocorre agora com o programa de estímulo às termelétricas a carvão, recém-aprovado pelo Congresso Nacional na forma de um artigo inserido na Medida Provisória n. 735/2016, que regula privatizações no setor elétrico. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a queima de combustíveis é a principal fonte de emissões de GEE (gases de efeito estufa), responsável por 70% das emissões mundiais. No Brasil, ainda que as atividades associadas ao uso da terra sejam as maiores emissoras, como mostrou o terceiro inventário nacional de emissões de GEE, cuja revisão foi enviada às Nações Unidas em abril último, o consumo de energia, inclusive elétrica, não fica muito distante e já é a segunda principal fonte de emissões, com cerca de 30% do total. Para que alcancemos a meta que assumimos no Acordo de Paris – ganhos de 10% de eficiência no uso da energia elétrica e ampliação da participação de fontes alternativas renováveis para 23% do total da matriz –, precisamos deslocar os incentivos atualmente concedidos aos combustíveis fósseis para o financiamento de tecnologias alternativas renováveis, de potencial tão extraordinário em nosso país. Na nova lógica do mercado mundial, recursos naturais, como as florestas, são ativos valiosos, que devem ser geridos de forma responsável, pois podem ser instrumento relevante para que a economia volte a ganhar fôlego. As reformas necessárias – trabalhista, tributária e previdenciária - serão capazes de destravar o crescimento econômico brasileiro. Mas devemos encarar a retomada econômica como oportunidade para repensar nosso modelo de desenvolvimento. Países altamente poluidores, como a China, estão se redescobrindo como potências sustentáveis. É cegueira estratégica não considerar nossas extraordinárias vantagens comparativas. Estamos destinados a ser a grande potência verde do planeta. Os estudos citados focam algumas das principais perspectivas e oportunidades geradas pela agenda do clima para a economia brasileira. No que diz respeito à eficiência energética, o cumprimento das metas traria ganhos de R$ 57 bilhões a R$ 90 bilhões para o sistema elétrico até 2030. Sabemos que esses ganhos são crescentes à medida que a eficiência aumenta. Como consequência, estima-se a possibilidade de reduções de até 27% na tarifa de energia elétrica, caso fosse alcançada uma melhoria de eficiência da ordem de 20% no período. Os efeitos para a indústria, para o consumidor doméstico e para a inflação no país seriam muito significativos. Tudo isso depende de vontade política, visão de futuro e compromisso com o desenvolvimento sustentável. Eficiência energética nada mais é do que alcançar um mesmo resultado com um gasto menor de eletricidade. É um esforço que vai desde ações bastante simples, como a troca de lâmpadas convencionais pelas de LED em residências e prédios comerciais e a retirada de equipamentos de stand-by, até estímulos dirigidos aos principais consumidores, como a indústria, que pode se beneficiar amplamente com a troca de motores elétricos obsoletos ou superdimensionados por novas opções. O que falta? Incentivo, impulso, políticas direcionadas para a mudança de atitude. Há uma máxima segundo a qual a energia elétrica mais barata é aquela que não precisou ser gerada. Ou seja, evitar o consumo desnecessário implica diminuir também investimentos no aumento da geração e na ampliação da rede de distribuição. Essa desaceleração da expansão da oferta dá fôlego ao sistema no momento crítico pelo qual estamos passando, permitindo uma expansão com melhor planejamento e a interação crescente com fontes renováveis alternativas. O financiamento à geração de energia renovável alternativa – solar, eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (as PCH’s) – baseia-se hoje, majoritariamente, em recursos públicos. No atual cenário de contração econômica e fiscal, é preciso repensar esses mecanismos de financiamento, ampliando as possibilidades de investimento e securitização, ofertando garantias que estimulem as operações de crédito neste mercado, reservando para o Estado apenas as atribuições que a iniciativa privada não tem condições de assumir. Saltar dos atuais 9,5% de presença de fontes alternativas na matriz elétrica para 23% até 2030 requer investimentos, mas traz ganhos facilmente perceptíveis, como o desenvolvimento de uma cadeia produtiva de maior tecnologia e valor agregado. Como o próprio estudo mostra, a geração de 1 MW de energia solar fotovoltaica cria entre 25 e 30 empregos, enquanto uma grande hidrelétrica como Belo Monte, a terceira maior do mundo em potência instalada, gerou menos de dois empregos por MW. Definitivamente, os compromissos brasileiros assumidos em Paris não são um ônus. Fortemente influenciados pela sociedade civil e pela iniciativa privada, eles traçam uma rota de desenvolvimento em que todos ganham. Bastam planejamento, vontade política e entendimento de que já entramos numa nova era, em que a palavra sustentabilidade precisa ser levada a sério, como eixo de uma nova maneira de estar no mundo. * Marina Grossi é economista e presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) desde 2010. |
sexta-feira, 18 de novembro de 2016
16.11.16 | Um momento de virada mundial, Nexo
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