sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A sinceridade de Ricardo Semler versus a hipocrisia de FHC

Postado em 21 nov 2014
Semler
Semler
Um artigo do empresário tucano Ricardo Semler publicado hoje na Folha repercute intensamente nas redes sociais.
Semler recrimina a “santa hipocrisia” com que tantos comentam o caso Petrobras.
Para ele, o que ocorrendo agora é motivo de celebração – nomear e punir empresas e executivos que há décadas corrompem, impunemente, a política nacional.
Semler refere-se com desgosto aos “envergonhados”, que fingem que os problemas da Petrobras só aconteceram depois que o PT chegou ao poder.
Ele não citou, mas ficou claro que ele falava de FHC, que afirmou sentir vergonha ao ver o que se passa na Petrobras.
Vergonha é uma pessoa dizer que sente vergonha de algo de que ela mesma se beneficiou. A este tipo de coisa, indignação simulada, você dá o nome de demagogia.
FHC, que começou tão bem na política, como um renovador de esquerda depois da ditadura, vai encerrando sua carreira como um demagogo, um hipócrita, um mistificador.
Que os petistas o detestem, é previsível: os anos trouxeram uma rivalidade destrutiva entre FHC e Lula.
Mas quando tucanos como Semler não seguram a irritação é porque algum limite foi rompido.
FHC virou uma paródia de si mesmo.
Ele parece ter perdido a noção das coisas. Poucos dias atrás, ele disse que não falava dos “amigos” quando lhe pediram uma palavra sobre a mídia.
FHC insultou, involuntariamente, a si próprio e aos “amigos”.
Um dos maiores editores de todos os tempos, se não o maior, o americano Joseph Pulitzer, dizia que a regra número 1 do jornalista é não ter amigos.
Não porque o bom jornalista deva ser misantropo, mas porque amizades interferem na maneira como você pratica o jornalismo.
O jornalista que tem amigos vai tratar de protegê-los.
Para que você tenha uma ideia da importância do mandamento de Pulitzer, foi exatamente graças aos “amigos” que FHC escapou incólume no escândalo da compra de votos no Congresso para a emenda da sua reeleição, no final da década de 1990.
A imprensa engavetou o assunto, e poupou o “amigo”.
A que preço? Publicidade governamental portentosa, financiamentos em bancos públicos a juros maternais, compras maciças de livros das empresas jornalísticas, vistas grossas para malandragens fiscais – tudo aquilo, enfim, que foi dar nas imensas fortunas pessoais dos donos da mídia.
Os “amigos” também jamais questionaram decisões nepotistas como a de entregar a estratégica Agência Nacional de Petróleo a seu genro, demitido tão logo acabou o casamento.
O papel de FHC na história foi-se apequenando miseravelmente.
Mesmo a estabilização – a todo momento citada por seguidores como sua grande contribuição ao país – é questionada em sua paternidade. Qual o papel de Itamar Franco no Plano Real? É tão insignificante quanto afirma FHC, ou houve uma usurpação de autoria aí?
A inflação, já que falamos nela, acabou quando a sociedade decidiu que já não a suportava mais. O resto foi consequência desse despertar.
O que aconteceu com a inflação parece estar prestes a ocorrer com FHC, como sugere a manifestação de Ricardo Semler.
Ninguém aguenta mais.
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Nunca se roubou tão pouco
Não sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país
Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos "cochons des dix pour cent", os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.
Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão --cem vezes mais do que o caso Petrobras-- pelos empresários?
Virou moda fugir disso tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?
Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.
Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.
É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.
Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito.
A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas.
O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.
É lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.
A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.
Boa parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e votos que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.
Cada um de nós tem um dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um pagamento sem recibo para médico, deu uma cervejinha para um guarda ou passou escritura de casa por um valor menor?
Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido.

O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que precisa fazer em vez de resmungar.


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