SÃO PAULO - A entrega voluntária de armas de fogo atingiu o pior nível no ano em que a Campanha do Desarmamento completa uma década. De mais de 330 mil armas recolhidas em 2004, a quantidade caiu para 11 mil nos nove primeiros meses deste ano. Em contrapartida, dados de registro de novas armas por pessoas físicas apontam tendência crescente do rearmamento da população. Pela primeira vez desde o aperto da legislação, em 2003, novos registros poderão ultrapassar a quantidade de entrega voluntária.
Enquanto os órgãos de segurança pública assistem a uma forte desmobilização da campanha, os registros de novas armas para civis saltou de 3 mil, em 2004, para 18 mil, em 2012 - o maior desde o início da vigência do Estatuto do Desarmamento, em 2003.
A Polícia Federal não repassou dados atualizados de 2013 e deste ano, alegando defasagem tecnológica no Sistema Nacional de Armas (Sinarm).
A campanha arrecadou neste ano 5% do que havia conseguido nos nove primeiros meses da política, entre junho de 2004 e março de 2005. Os números apresentam quedas consecutivas ano após ano.
Especialistas pró-desarmamento expuseram preocupação com a nova tendência de procura por armas, que poderia piorar o cenário da segurança. Defensores pró-armas enxergam aí a possibilidade para fortalecer o discurso pela revisão da atual legislação. Um projeto de lei tramita no Congresso Nacional desde 2012 com a intenção de revogar o Estatuto do Desarmamento de 2003.
Sensação de insegurança. O coordenador do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, demonstra preocupação com a queda das entregas e o aumento de novas armas para civis. “O fato de mais gente estar pedindo armas significa que estamos com uma sensação de insegurança muito grande no País”, afirma. Ele critica a desmobilização da campanha. “Acho que a campanha é uma política pública eficiente, barata, mas que está sem líder, tanto nos Estados quanto no governo federal.”
Ao longo de dez anos, o Ministério da Justiça alterou as estratégias para voltar a impulsionar a entrega. Valores pagos pelas armas foram ajustados - hoje estão entre R$ 150 e R$ 450 por peça, dependendo do modelo - e o anonimato na entrega foi assegurado. O balanço de 2013 aponta que a arma mais entregue é o revólver calibre 38.
Segundo o pesquisador do Núcleo de Estudo da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) Bruno Paes Manso, as políticas da campanha e do estatuto surtiram efeito na segurança, e isso não pode sofrer retrocesso. “Essa combinação de políticas, associada a uma lei mais rigorosa contra o porte de armas, foi fundamental para começar a acelerar o processo de queda dos homicídios, especialmente em São Paulo”, afirma.
A lei. O Estatuto do Desarmamento de 2003 restringiu a compra e o porte de arma, e a Polícia Federal só as libera após a apresentação e a aprovação de justificativa, como ameaça de morte ou em razão da função exercida.
Para a posse da arma - que é quando se tem a autorização para permanecer com ela em casa ou no trabalho, sem poder, no entanto, andar em via pública -, as regras também haviam ficado mais rigorosas. A idade mínima hoje para se requerer arma de fogo é de 25 anos e é necessário realização de exames psicológico e técnico de manuseio do equipamento. Após o trâmite, que pode levar meses, a PF concede ou não a autorização da compra de uma arma.
SÃO PAULO - Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que, quanto menos armas, há menos crimes letais, ao analisar dados de São Paulo. Embora os números de homicídios tenham avançado em alguns anos na última década - considerando sobretudo armas brancas, como facas -, o número de homicídios com armas de fogo tem se mantido estável.
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Especialistas destacam que esse número ficou estável em 36 mil casos entre 2003 e 2010, primeiros anos do Estatuto do Desarmamento, e relacionam a sensação de insegurança ao aumento na procura por armas de fogo pela população civil. “A pessoa ainda acha que andar armado pode ser útil”, diz o pesquisador Túlio Kahn. “Quanto maior o acesso à arma, maior o mercado ilegal”, afirma o coordenador do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que altera o Estatuto do Desarmamento, proposto pelo deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC). Para ele, a legislação atual “tem contribuído significativamente para elevar o índice de homicídios no Brasil, desarmando o cidadão de bem e dando cada vez mais sensação de potência ao bandido”.
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O projeto recebeu nesta terça-feira, 18, o repúdio de diversas entidades de direitos humanos e especialistas em segurança pública. O Instituto Sou da Paz protocolou, em conjunto com organizações da sociedade civil, pesquisadores e autoridades da segurança pública, uma carta aberta, pedindo a rejeição da proposta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), e pela comissão especial onde o projeto tramita atualmente - e deverá ser votado no dia 10.
O texto estabelece aumento do tempo de vigência do registro de arma de fogo, redução da idade mínima para acesso ao armamento, maior facilidade de autorização para andar armado na rua e aumento no limite de armas e munições adquiridas anualmente por civis, entre outros pontos.
Para o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, até o trâmite por meio de comissão especial, que acelera a análise, é “uma manobra política movida pela ‘bancada da bala’”. “Corremos um grande risco de ver um projeto como o Estatuto do Desarmamento, que levou cinco anos de discussão, ser alterado por um projeto colocado para votação sem o menor cuidado e debate.” Em nota, o Sou da Paz classificou o Estatuto como “uma das mais importantes leis para combater a violência do País” e reforçou que a proibição ao porte de arma é o principal eixo da lei.
Audiência. Está marcada para o dia 26 a única audiência pública sobre o tema na Câmara.
SÃO PAULO - A sala de menos de dez metros quadrados tem arrumação minuciosa. Quadros de filmes de faroeste se misturam a simulacros de granadas e bonecos de agentes da polícia americana - e pistolas de brinquedo estão em estantes de madeira. Abaixo, estão enfileiradas espingardas calibre 12, de verdade, presas umas às outras por um cabo de aço por segurança.
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O cenário é o de uma loja de armas do centro de São Paulo. É nele que a proprietária Vera Ratti fala sobre a paixão herdada de família. “Culturalmente, nossos avós, nossos bisavós, meus pais, as pessoas mantinham armas de fogo dentro das casas e não era nada como se fosse objeto que pudesse atacar alguém, ou que pudesse brigar com alguém”, afirma.
Para Vera, o instrumento de caça ou de defesa só assume um lado negativo quando é usado por pessoas com intenções erradas. “Essa pessoa, quando quer praticar o mal, pratica o mal em cima de qualquer coisa. Até mesmo aquele vagabundo que já assaltou, já levou todo o objeto de subtração que ele queria, vira e acaba matando o cidadão - ele já se deu bem pelo simples prazer de matar”, diz.
A empresária quer desmistificar o uso de armas, justificando para isso que o mal tem de ser associado ao ser humano e não ao instrumento. “O ser humano hoje é o maior culpado por qualquer tipo de violência que ele faz, quer esteja portando arma de fogo, portando uma faca, um pau, um carro, uma moto.”
Testes. No mesmo estande, no centro, o empresário Bruno Romani, de 34 anos, prepara-se para iniciar seu treino e defender o porte de arma, assim como Vera. Ele põe óculos de lentes de plástico amarelas e protetor de ouvidos vermelho e começa a falar sobre técnicas, sequências e estratégias dos tiros disparados por uma pistola semiautomática que empunha e aponta para o alvo, um humanoide de papel.
Praticante de tiro esportivo, ele defende uma maior facilidade para a permissão do porte, desde que sejam mantidas as exigências de testes psicológicos e de técnica de manuseio. “Hoje temos os bandidos que vão assaltar as pessoas com a certeza de que elas não têm uma arma para se defender. Vão com mais coragem. Vão com tudo.”
O argumento de Romani se aproxima das ideias do presidente do Movimento Viva Brasil, Benê Barbosa. “É plenamente válido que o cidadão recorra a uma arma de fogo legalmente para a sua defesa”, diz. O movimento se classifica como uma organização que luta pelos direitos e garantias fundamentais.
Cidadão desarmado. Para Barbosa, ao dificultar o acesso dos cidadãos às armas, o Estado acabar por dar segurança ao criminoso. “Temos um Estado absolutamente incompetente para proteger o cidadão. Ainda por cima, o cidadão se encontra desarmado. Ao contrário da ideia inicial, isso acabou trazendo uma ideia de mais segurança ao bandido”, afirma.
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