sexta-feira, 29 de julho de 2022

Renovação de concessão vai separar ferrovias para passageiros e cargas em SP, FSP

 Marcelo Toledo

RIBEIRÃO PRETO

A renovação antecipada por mais 30 anos da concessão ferroviária da MRS Logística, que será assinada nesta sexta-feira (29), prevê que, em até dez anos, os trilhos entre São Paulo e Jundiaí estejam segregados, com linhas específicas para o transporte de passageiros e de cargas.

Com os trilhos hoje compartilhados pela concessionária e pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), o crescimento das opções de tráfego no entorno da capital é essencial para permitir a ampliação do escoamento de cargas rumo ao porto de Santos e, também, do transporte de passageiros.

A proposta é uma das constantes nas obrigações definidas entre a MRS e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para prorrogar antecipadamente o contrato até 2056 –ele venceria em 2026. O atual, com validade também de 30 anos, foi assinado em 1996, no primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Trem passa pela malha da MRS próximo à estação Evangelista de Souza, no extremo sul de São Paulo
Trem passa pela malha da MRS próximo à estação Evangelista de Souza, no extremo sul de São Paulo - Eduardo Anizelli-13.mai.2021/Folhapress

"Ao separar em 8 ou 10 anos as linhas, isso permitirá o crescimento de ambos. Hoje os trens da MRS basicamente andam de madrugada, fora de horário de pico, e precisam ser trens mais leves, menores. A partir do momento que separar, as duas empresas [CPTM e MRS] ganham, pois poderão fazer seus investimentos", disse o presidente da MRS, Guilherme Segalla de Mello.

A concessionária administra 1.643 quilômetros de trilhos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, entre eles o trecho que leva ao porto de Santos, o mais importante da América Latina.

Segundo a ANTT, 30% da carga ferroviária brasileira passa pelos trilhos operados pela MRS.

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O prazo para a segregação se deve, segundo ele, às especificidades das obras, que serão feitas com restrições de horário devido à operação da linha 7-Rubi, que liga Rio Grande da Serra a Jundiaí e é a mais longa da CPTM, com 100 quilômetros.

Ela é oriunda da São Paulo Railway, criada no século 19 e pioneira no transporte ferroviário em São Paulo. "São 18 estações entre Jundiaí e Luz, eram 750 mil passageiros por dia antes da pandemia. É difícil fazer uma obra de trem com o trem literalmente andando."

O contrato prevê que será construída a linha nova, que será seguida da transferência da rede aérea de eletrificação. O próximo passo será capacitar a linha antiga para o uso de cargas.

Estações serão remanejadas, já que em alguns momentos a linha São Paulo-interior estará do lado esquerdo e, em outros, do lado direito.

O ideal, de acordo com o executivo, seria a existência de seis linhas férreas, sendo duas utilizadas pela MRS, duas pelo Trem Intercidades e outras duas pelas operações da CPTM, mas o sistema contará com quatro linhas.

A concessionária terá uma, assim como o Intercidades, cabendo as outras duas aos trens da CPTM.

No total, os investimentos previstos na renovação da concessão chegarão a R$ 11 bilhões e contemplam ainda melhoria da mobilidade urbana, com a redução de conflitos urbanos em 51 cidades das 105 cortadas pela MRS. O investimento nas obras será de R$ 1 bilhão.

Conflitos urbanos são problemas como cruzamentos férreos dentro das cidades, locais sem segurança adequada, falta de cercas ou ausência de passagens para pedestres.

Boa parte deles está no Vale do Paraíba, em municípios como Pindamonhangaba. Na mineira Juiz de Fora, a ferrovia corta a cidade em 29 pontos, o que exigirá obras como vedação de muros e implantação de passagens de pedestres.

A segregação é vista como importante, além de ampliar a oferta de linhas férreas, por conta das diferenças entre os dois tipos de transporte: enquanto o trem de passageiros é mais leve e rápido, o de carga é pesado e lento. Isso impacta de forma diferente na conservação da ferrovia.

No total, o projeto estima investimentos de R$ 2,2 bilhões nas obras de segregação. Além da chamada Noroeste, entre a capital e Jundiaí, a ligação da Mooca ao centro de São Paulo, denominada Sudeste, também receberá melhorias.

Leandro Narloch - A democracia está sob ataque, mas não do jeito que você está pensando, FSP

 Muita gente tem afirmado que a democracia está sob ataque, que Bolsonaro está perto de dar um golpe (se é que já não deu, se é que ele não "é o próprio golpe", como defendem alguns) e por isso é urgente defender as instituições.

Outros preveem que bolsonaristas, depois da eleição, tentarão uma fanfarronice similar à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

Manifestantes fazem protesto em defesa da democracia na esplanada dos ministérios - Pedro Ladeira - 7.jun.20/Folhapress

Não sei o que se passa na cabeça desse presidente: se ele vai dar um golpe eu não tenho a menor a ideia.

E se a ameaça à democracia significar uma dúzia de malucos vestindo capacetes com chifres tentando invadir o Congresso, para desistir assim que a polícia chegar, pelo menos o mal é identificável e controlável (e merecedor de boas piadas).

Mas há forças antidemocráticas mais poderosas, que corroem nossa democracia aos poucos e causam danos mais profundos que um ou outro mandatário. Dispersas, elas são mais difíceis de serem identificadas ou combatidas. Não rendem manifestos ou cartas de repúdio.

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Uma delas é o "rent-seeking", a pressão política de minorias em buscas de privilégios.

Como grupos pequenos e homogêneos se organizam com mais facilidade, conseguem com frequência impor seus interesses contra a vontade de grupos maiores com interesses difusos.

Por exemplo, a maior parte dos brasileiros deve ser a favor de menos alíquotas de importação, mais concorrência no setor de ônibus interestaduais, avaliação de desempenho de professores de escolas públicas e fim de privilégios da elite do funcionalismo.

Mas os grupos de pressão dessas áreas são mais organizados. Emplacam medidas contrárias à vontade da maioria: mais taxas de importação (para o fabricante nacional continuar vendendo produtos ruins e caros por aqui), barreiras a startups de fretamento de ônibus, avaliações de desempenho de mentirinha nas escolas públicas e manutenção dos penduricalhos no salário de funcionários públicos.

Ao atender privilégios de tantos grupos, a democracia se transforma no seu oposto: o sistema de governo de minorias organizadas. Resulta no "capitalismo de compadres", um motor de desigualdade. O poder não "emana do povo", mas de quem tem mais amigos em Brasília.

Outra força que vem minando a legitimidade da nossa democracia é a pressão para tirar decisões das mãos dos eleitores e transmiti-las às cortes.

Como observa o diplomata Gustavo Maultasch em "Contra Toda Censura" (um espetáculo de livro lançado dias atrás) esse fenômeno ocorre principalmente quando a elite urbana e escolarizada tem preferências diferentes da maioria dos eleitores.

É o caso de aborto, porte de armas e maioridade penal. Nesses temas, a elite "democrática" tenta mover a instância decisória para o Judiciário. A vontade popular de repente é estigmatizada, perde a importância. E muitos acham superdemocrático o STF se atribuir o papel de legislador.

Às 23h59 o ativista assina a carta em defesa da democracia; à 0h pede ao STF derrubar decisões legais tomadas por representantes do povo.

Às 23h59 o democrata defende a independência e a harmonia dos poderes; à 0h concorda com a decisão de Fachin de suspender a isenção de impostos de importação de armas (apesar de pertencer ao Executivo a decisão sobre alíquotas de importação).

É difícil acreditar que essas duas forças antidemocráticas vão arrefecer nos próximos anos. Com o autor de "rachadinhas" ou com o líder do petrolão, nossa democracia ainda vai precisar de muitos outros manifestos em sua defesa.

Os bilhões que o ecoturismo do Brasil não sabe ganhar, Luisa Pastor- FSP

 Se alguém perguntar, assim, de supetão, quantos parques nacionais existem hoje no Brasil, dificilmente o interlocutor vai responder o número certo: 71. E nem vale a pena especular quantos o cidadão conseguirá citar nominalmente, muito menos localizar. O desconhecimento do Brasil pelos brasileiros é um triste fato e as incursões por áreas de preservação e mata, ainda limitadas a um punhado de aventureiros ou a locais muito específicos.

Talvez os cariocas mencionem no ato o menor parque nacional do país, que fica em sua vizinhança —o da Tijuca, com pouco menos de 40 quilômetros quadrados. Mas vai ser difícil alguém mencionar o maior de todos, o PN Montanhas do Tumucumaque, que com mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, ocupa mais de 26% da área total do Amapá. Já os leitores deste blog certamente lembrarão de pronto do primeiro PN do país, o de Itatiaia, criado em 1937. Talvez até citem o primeiro concedido à iniciativa privada, o de Foz de Iguaçu, com suas fantásticas cataratas.

Cataratas do Iguaçu, no primeiro parque nacional concedido no país - Christian Rizzi/Divulgação

O maior problema dos parques (e aí se incluem os nacionais, estaduais e municipais) brasileiros tem sido, historicamente, a falta de fiscalização e proteção efetiva de suas áreas, além da falta de oferta de infraestrutura para receber mais visitantes, como banheiros, sinalização de trilhas e áreas para camping. E não custa lembrar também da briga interminável entre preservacionistas e conservacionistas, duas turmas que não se bicam. Os primeiros defendem que parques devem ser santuários intocados que mantenham o ser humano bem longe de seus limites, torcendo o nariz para qualquer aproveitamento turístico. Os segundos acreditam que o uso sustentável é possível e desejável, integrando visitantes e pesquisadores ao meio ambiente por meio de atividades controladas e bem definidas.

Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia.
Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia - Divulgação

"O problema dos preservacionistas mais xiítas é que o tal ser humano acaba entrando extraoficialmente na área que deveria ser preservada, com extração ilegal de palmito, madeira, garimpo e outras atividades, sem qualquer controle", argumenta Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia, organização sem fins lucrativos que nasceu do sonho do cofundador da Natura Pedro Passos e desde 2011 é um dos maiores incentivadores da exploração sustentável das áreas preservadas da nossa natureza.

É do Semeia um estudo que apontou para quanto o país perde ao não explorar de modo sustentável seu imenso ativo ambiental. Em parceria com o BCG (Boston Consulting Group", o estudo "Parques como vetores de desenvolvimento para o Brasil: Ecoturismo e potencial econômico do patrimônio natural brasileiro" apontou que essas unidades poderiam receber até 56 milhões de visitantes por ano, quatro vezes mais que o total recebido em 2019, último ano antes da pandemia.

Trocado em cifrões, esse contingente poderia representar um impacto total no PIB (Produto Interno Bruto) de R$ 44 bilhões —em 2019, respondeu por algo entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões. Os estimados 209 mil empregos que havia naquele ano no segmento poderiam saltar para 978 mil postos vinculados à visitação dos parques e seus entornos.

Além da pendenga entre as duas visões distintas do aproveitamento dos parques, Pieroni aponta que falta no país uma cultura de investimento em parcerias privadas e concessões voltada para esse segmento. E é aí que busca entrar o Semeia, que tem a missão de procurar os melhores modelos de gestão para cada região e bioma.

"Não adianta só dizer aos grandes investidores, mais acostumados a projetos bilionários como estradas, hidrelétricas e infraestrutura em geral, que é um bom negócio entrar numa concessão ou PPP (parceria público-privada) que lida com cifras só de milhões", conta ele. A falta de operadores nesse segmento levou o Semeia a organizar road shows para divulgar o potencial do negócio e a importância de conversar com as comunidades do entorno das unidades. "Atrair novos players para essa área é uma forma de evitar editais de concessão viciados, que acabam direcionados a dois ou três grupos, sempre os mesmos", acrescenta.

Agulhas Negras, no Parque Nacional do Itatiaia - Daniel Toffoli/PNI Divulgação

Entre esses novos atores que o Semeia busca motivar estão todos aqueles que lidam com concessões e operações nas quais há grande circulação de pessoas, onde é necessário assegurar segurança, atendimento, informação e controle de multidões —assim, igualzinho a um grande parque, só precisa imaginar como seria trocar o ladrão de malas distraídas por, digamos, uma onça curiosa. Aeroportos, shopping centers, terminais rodoviários são alguns dos exemplos que Pieroni cita. "Se eles já têm essa experiência, por que não atraí-los para algo novo?", pergunta ele.

Contra as críticas habituais de que concessões e parcerias seriam, na prática, uma privatização do patrimônio nacional, e de que ao abri-las ao setor privado os governos estariam fazendo caixa às custas da entrega dos parques, os projetos orientados pelo Semeia partem do que Pieroni chama de "o grande divisor de águas", que é convencer as partes —e principalmente os governos— de que o valor da outorga pago pelo ente privado seja revertido não para a caixa preta do Tesouro Nacional, mas para ações na própria área concedida e seu entorno, por meio da inclusão nos contratos de ações locais e que beneficiem também as comunidades afetadas.

"O ideal é que o valor total da outorga fosse para um fundo dedicado a esse segmento, para ajudar todos os parques, alguns mais complicados que outros", diz Pieroni. "Mas isso exige uma mudança grande na legislação, então orientamos os projetos para que tentem ao máximo direcionar esses recursos para o próprio empreendimento", acrescenta. Por enquanto, é o que dá para fazer.

E o leitor, amante de trilhas e caminhadas, quais parques já visitou?