domingo, 4 de junho de 2017

Sem Temer - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 04/06

Deve começar na terça-feira (6) o julgamento, pelo Tribunal Superior Eleitoral, da chapa que uniu Dilma Rousseff (PT) a Michel Temer (PMDB), acusada de delitos no financiamento da campanha na qual se reelegeu, em 2014.

A decisão é crucial, pois poderá implicar o afastamento do presidente Temer do cargo que exerce desde maio de 2016. Sendo provável que ao menos um dos sete integrantes da corte peça vista do processo, o julgamento talvez se estenda pelas próximas semanas.

A expectativa é que o relator, ministro Herman Benjamin, vote pela cassação da chapa. Há uma avalanche de evidências, sustentada em documentos e dezenas de testemunhos, a incriminá-la.

Os depoimentos de donos e funcionários de empreiteiras atestam que somas milionárias, originadas da rede de propinas e caixa dois descrita por ex-executivos da Petrobras, custearam parte substancial das despesas da chapa. Dos fabulosos R$ 300 milhões declarados, ao menos R$ 50 milhões são apontados como contrapartida pela prestação criminosa de favores.
Editoria de Arte/Folhapress



Embora não exista prova de que Temer tenha participado desse esquema, a legislação eleitoral é clara ao vincular o vice ao presidente. Resta fora de dúvida que tanto Dilma Rousseff como Michel Temer se beneficiaram de ilicitudes que abalam a própria validade do pleito.

Ao mesmo tempo, desde a divulgação da delação premiada do delinquente confesso Joesley Batista, há duas semanas, a credibilidade do presidente se viu comprometida de forma dramática e, tudo indica, irremediável.
É verdade que a gravação da conversa do delator com o presidente é inconclusiva: contém trechos ambíguos ou inaudíveis e está sob suspeita de edição. Mas é preciso demasiada credulidade para considerar inocente aquele tipo de diálogo, naquela circunstância; parece óbvio que o teor ali é indecoroso.

Todo julgamento que implica um presidente da República tem um aspecto jurídico e outro político. A iminência do juízo no TSE surge como fórmula legal para remover um chefe de Estado cuja situação se afigura indefensável, até porque sujeita à aparição de revelações que convertam as fortes suspeitas em certezas.

É com desalento que esta Folha, portanto, considera recomendável a cassação da chapa e o afastamento do presidente. Seria a segunda interrupção de mandato em pouco mais de um ano.

No ano passado, este jornal exortou à renúncia da presidente Dilma Rousseff ao constatar que ela perdera condições de governar. Mas evitou apoiar seu impeachment.

Não por faltar fundamento jurídico (pedaladas fiscais, sobretudo naquela escala, configuram fraude orçamentária, razão estipulada na Constituição entre as que autorizam impedir um presidente). Mas por se tratar de motivo técnico, obscuro para a maioria, e de medida extrema, que deixaria um rastro de ressentimento.

Agora, como então, o ideal seria que o substituto fosse eleito pelo voto direto. A crise moral que corrói o sistema político é tão grave e profunda que somente um retorno à fonte de toda legitimidade -a soberania popular- pode restaurar a autoridade presidencial.

A Folha já declarou simpatia pelas emendas constitucionais que convertem a eleição indireta em direta nos casos de vacância verificada até seis meses ou um ano antes de o mandato expirar.

Não seria casuísmo, dado que mudanças constitucionais são comuns na vida política brasileira. Além disso, trata-se de universalizar, não de restringir, prerrogativas, devolvendo-se acesso a um direito democrático exercido pelo povo -a quem, diz a Constituição, o poder pertence.

Não há como negar, entretanto, que seriam imensos os obstáculos à aprovação de diretas já.

Desde logo, gigantesca pressão da sociedade, expressa em manifestações de rua comparáveis às de junho de 2013 ou março de 2016, teria de compelir três quintos dos parlamentares a aprovar a medida, talvez no bojo da reforma política em análise na Câmara.

O processo deveria, ademais, ocorrer em tempo recorde, que mesmo assim consumiria meses. Por outro lado, é indiscutível que a Constituição exige do Congresso a escolha do sucessor em 30 dias, desfecho a ser acatado como legítimo.

O governo Temer vem implantando um audacioso elenco de reformas estruturais que estão no rumo certo. Sua capacidade de seguir adiante com esse programa parece seriamente prejudicada.

Em algum momento, decerto nas eleições gerais de 2018, o caminho adotado será submetido ao escrutínio popular. Por ora, o mais importante, com ou sem Temer, é que governo e Congresso persistam nesse rumo, único capaz de nos livrar da recessão e preparar um futuro mais próspero e promissor.


Um debate sobre Previdência - SAMUEL PESSÔA ( na conta do ridículo)


FOLHA DE SP - 04/06

Meu interlocutor argumentou que os benefícios previdenciários no Brasil são baixos. Que é muito difícil viver com dois salários mínimos.

Respondi que a renda per capita do país é baixa e por isso o benefício médio da aposentadoria é baixo. No entanto, nosso salário mínimo já corresponde a 70% do salário mediano do país.

Meu interlocutor respondeu-me que o Brasil não era um país pobre; era a décima economia do mundo.

Respondi que, para esse tema, é errado olhar o tamanho absoluto da economia –somos a décima economia porque nossa população é grande. Temos de olhar a nossa renda per capita. Nesse critério, estamos entre a 60ª e a 70ª posição. Estranho ter que fazer esse argumento para um economista formado.

Em seguida, argumentei que gastamos com Previdência –incluindo aposentadorias e pensões, setor privado e público, população urbana e rural e o benefício de prestação continuada– 14% do PIB (Produto Interno Bruto), despesa três vezes maior do que a de economias com a mesma demografia do que a nossa. Adicionalmente, a conta da Previdência responde por 55% do gasto primário da União, de um Estado com uma das maiores cargas tributárias entre os emergentes.

Meu interlocutor respondeu-me que ninguém olha a conta de juros e que essa conta é muito maior do que a previdenciária.

Argumentei que a conta de juros é salgada pois os juros reais são muito elevados no Brasil. O principal motivo de os juros reais serem elevados no Brasil é que nossa taxa de poupança é ridiculamente baixa, e taxa de poupança baixa é a contrapartida de um Estado que gasta muito com Previdência.

Adicionalmente, os juros pagos pelo Tesouro Nacional aos detentores de títulos da dívida pública –os poupadores ou os rentistas, tanto faz– são muito menores do que algumas contas sugerem. Vários erros são cometidos.

O primeiro é considerar que a amortização da dívida pública constitui um gasto público. Suponha que um inquilino tenha de deixar o apartamento em que vive, pois ele foi requisitado pelo senhorio. Entrega o imóvel e aluga outro. Ninguém em sã consciência considera que ao entregar o imóvel a pessoa gastou o valor do imóvel. O imóvel nunca lhe pertenceu. Analogamente, amortização da dívida pública é a devolução de um recurso que nunca pertenceu ao Tesouro. Não constitui uma conta do gasto público.

Outro erro comum é considerar que a correção monetária da dívida pública corresponde a um item do gasto público. A correção monetária não é renda para o poupador (ou rentista, tanto faz), pois somente repõe a perda de valor da poupança pelo aumento dos preços; logo não é gasto para quem paga.

A conta de juros reais pagos sobe ou desce de acordo com a política monetária. Ao longo do tempo, é de aproximadamente 3% a 4% do PIB. A conta é salgada, mas bem menos do que se pensa.

Meu interlocutor afirma que o baixo crescimento da produtividade no Brasil precisa ser enfrentado como os asiáticos fizeram: estímulo à indústria.

Não nota que no leste asiático os juros são baixos. Juros baixos favorecem a indústria e o investimento em infraestrutura física, ambos intensivos em capital. O crescimento será bem maior.

Os juros são baixos pois lá a poupança é elevada. Esta, por sua vez, é elevada pois a Previdência é considerada um tema privado. O Estado pouco gasta com Previdência, e a carga tributária é baixa.

O círculo se fechou.

A procissão que ainda não terminou, OESP


São João del Rei expressa seu sentimento sobre acusações contra neto de Tancredo

Gilberto Amendola, enviado especial, O Estado de S.Paulo
04 Junho 2017 | 05h00
SÃO JOÃO DEL REI e CLÁUDIO (MG) - Em abril de 2014, Aécio Neves repetia o gesto do avô, Tancredo Neves, e carregava a chama da lanterna de prata pelas ruas da cidade histórica de São João del Rei (Minas Gerais) – durante as duas cerimônias mais emblemáticas da Semana Santa, o descimento da cruz e a procissão do enterro. Na época, a participação de Aécio foi considerada o lançamento “emocional” da campanha que, meses mais tarde, quase o transformaria em presidente da República. “Sabe que tudo nessa cidade tem um caráter religioso muito forte. As coisas têm significado. Aquela procissão foi diferente. Ela não terminou ainda...”, disse a professora Marta Rezende, de 52 anos, antes de ser interrompida pelo dobre fúnebre de um sino.
Em São João del Rei ninguém acredita no acaso. A vida dos moradores é revestida pela presença do mistério divino. Seus menos de 90 mil habitantes se dividem entre as 35 igrejas e uma série de confrarias religiosas – que não demoram a ensinar aos forasteiros e turistas o quão importante é aprender a ouvir aquilo que os sinos de São João falam.
Na quarta-feira passada, os dobres e repiques vieram da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, mantida e administrada pela confraria da Nossa Senhora da Boa Morte. Dois dias depois, Aécio foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após ser afastado do mandato de senador por decisão do ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
O sineiro Luiz Carvalho de Freitas, de 27 anos, é quem escala a torre da catedral para tocar aquele que é considerado o sino mais perigoso da cidade. “Ele é pesado. E não está bem balanceado. É preciso muita experiência”, conta Freitas que desde os tempos de coroinha sonhava em tocar os sinos da catedral. “Antigamente, os sinos avisavam às pessoas o que estava acontecendo. Avisavam se era um dia de festa ou de tristeza”, explica. “Hoje os sinos ainda significam muito aqui. A cidade anda um pouco triste. Esse é um toque de reflexão e busca por entendimento. Acho que é por tudo o que está acontecendo...”, completa.
Dessa vez a notícia ou “o tudo que está acontecendo” não chegou por meio dos sinos. Veio pela internet, pelos smartphones, televisão ou pela conversa do vizinho que acabou de ler o jornal. O Aécio, neto de Tancredo, foi gravado pedindo dinheiro ao empresário Joesley Batista, dono da JBS.
Nascido na cidade, Tancredo tem status de figura religiosa em São João del Rei. Sua importância se impõe, até mesmo, a de outro nascido por lá, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira. Não por acaso, ao menos em São João del Rei, o 21 de abril é mais lembrado pela morte que ocorreu em 1985, a morte do quase presidente Tancredo.
Personagens folclóricos da cidade gostam de recordar do dia 21 de abril de 1985 como o dia que São João parou. O pipoqueiro Oscar Godofredo Amorim, de 67 anos, fala que “era um mar de gente”. “Foi o dia que eu mais vendi cana de açúcar.” A reverência à figura de Tancredo é tanta que o pipoqueiro recorda que, “se ele dissesse, ‘hoje ninguém come feijão em São João’, ninguém comia”.
Outro personagem da cidade, João Aureliano, o João Mão de Onça, ficou conhecido nacionalmente por ter sido o coveiro que enterrou o corpo de Tancredo e, principalmente, ter ficado com a colher (pá) usada na ocasião. “A cidade inteira chorou. Ele mandava aqui, mas era muito generoso”, conta Mão de Onça – que guarda a colher até hoje na própria residência. “Ela é minha. Já tentaram me roubar. Tentaram colocar em museu. Nada disso, ela é minha. Na época ofereceram 28 mil cruzeiros. Hoje deve valer uns 50 mil”.
Mão de Onça diz que sempre desconfiou de Aécio e a população nunca deu o mesmo crédito para ele como dava para o avô. “Eu mesmo votei na Dilma Rousseff”, revela. O coveiro tece uma série de comentários contra o suposto ato de corrupção envolvendo o neto de Tancredo para depois insinuar a cobrança de uma taxa para que a reportagem pudesse fotografar a colher com que ele enterrou Tancredo. A reportagem reclinou.
O emblemático solar dos Neves, no centro histórico de São João del Rei, está fechado. Apenas uma camareira atende o interfone e avisa que o local certo para visitação é o “Memorial” e não o casarão – e “no mais nós estamos instruídos para não falar nada”.
Assim como as críticas são feitas em “baixo tom”, quase não se vê pichações contra Aécio na cidade. A única encontrada pela reportagem estava quase na saída do município e dizia “Fora, Aécio e Cia.” Só isso.
A cidade já apoiou muito Aécio. Em festas em que ele comparecia era comum ver o povo o seguindo e ele retribuindo com beijos e demonstrações de carinho. “A cidade respeita muito a família Neves. E essas coisas (denúncias) são muito difíceis de acreditar”, comentou Dalva Neves Vieira, de 76 anos – que apesar do sobrenome não tem parentesco com o político. “Antes as pessoas brincavam com meu sobrenome e eu até gostava. Agora, a brincadeira já não é tão legal”, completa.
A bordo de uma Brasília. Uma boa lembrança que Aécio tem da sua juventude era o caminho feito entre São João del Rei e a cidade de Cláudio a bordo de uma Brasília velha. A viagem dura pouco mais de três horas – por uma estrada por vezes perigosa e com grande trânsito de caminhões.
A cidade, que tem pouco mais de 25 mil habitantes, foi onde nasceu a avó de Aécio, dona Risoleta Neves. O local ficou ainda mais conhecido depois da polêmica envolvendo o aeroporto da cidade (construído em um terreno de um parente de Aécio) e da ação da Polícia Federal nas fazendas do próprio Aécio e do primo dele Frederico Pacheco – que está preso por suspeita de lavar dinheiro da JBS em favor de Aécio.
O centro de Cláudio não lembra em nada São João del Rei. É possível encontrar prédios e até algum trânsito na área mais central. Na praça, aposentados e taxistas jogam truco usando tampinhas de refrigerante como se fossem dinheiro. Ao serem interrompidos pela reportagem, vão logo avisando: “Em São Paulo, vocês ainda votam no Aécio, né?”, ri o aposentado Antônio Silveira Filho, de 69 anos.
Questionada pelo Estado sobre as críticas ao senador afastado, a assessoria de imprensa afirmou que Aécio “tem laços familiares e históricos com as cidades de São João del Rei e Cláudio” e “luta, pelos meios legais, para que a injustiça cometida contra sua irmã e sua família seja reparada”. “As investigações demonstrarão a fraude das denúncias feitas, sobre às quais não existem provas”. Anteontem, Aécio foi denunciado por Janot por corrupção passiva, acusado de receber R$ 2 milhões de Joesley, e obstrução de Justiça.
Em meio às denúncias, há quem prefira pelas terras de Aécio falar de outros assuntos. O aposentado Otávio Loureiro, de 67 anos, discute, por exemplo, a qualidade da cachaça. “Aqui não tem disso. A gente malha o Aécio, mas tem respeito à memória da dona Risoleta”, afirmou, depois de dar um gole na ‘Sapezinha’, o destilado de cana mais consumido na região.