segunda-feira, 13 de junho de 2022

PAULO PEDROSA Energia: da fervura ao fogo?, FSP

 Paulo Pedrosa

Presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace)

Finalmente o preço alto da energia ganhou o espaço que merece nas redes sociais, na mídia e nos discursos da Câmara e do Senado.

Há muito esse sapo está na fervura. Mas, contrariando a metáfora, ainda dá tempo de saltar da panela enquanto o país mergulha num intenso período eleitoral. É o momento de fortalecer nossa vocação energética e enfrentar nossas fraquezas.

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Precisamos reverter a captura do setor energético por interesses políticos e econômicos que hoje já representam mais da metade das contas de luz. Para o setor elétrico, a agenda está esboçada no projeto de lei 414/2021, à espera de aprovação na Câmara dos Deputados.

O Brasil poderia ser destaque mundial em energia competitiva, barata e limpa. Somos melhores que os países com os quais competimos em nossas instituições, recursos materiais e humanos. Mas o custo da energia elétrica e do gás natural chega às famílias brasileiras, que pagam duas vezes mais pela energia dos produtos que consomem a cada mês do que pagam por suas contas de luz.

Estudo encomendado pela Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) à consultoria econômica Ex Ante revela que a relação custo-preço dos produtos vem promovendo o desinvestimento e a míngua do Produto Interno Bruto.

O estudo, concluído pelo professor Fernando Garcia de Freitas, traz uma conclusão impactante. Com a redução do custo da energia ao nosso patamar competitivo, o crescimento do PIB saltaria de 1,7% ao ano para 4,8%, em média, na próxima década. A população ocupada cresceria em um ritmo mais acelerado. Isso significaria a abertura de 7 milhões de postos de trabalho e a consequente expansão do consumo e do investimento das famílias brasileiras. Um ganho de riqueza expressivo e decorrente, de modo exclusivo, do barateamento da energia no país. A partir da energia, poderíamos tornar viável e suportar um verdadeiro projeto nacional de desenvolvimento.

A melhoria do crescimento e emprego, além do impacto da queda de custos da energia e dos produtos nacionais na taxa de inflação, são elementos fundamentais para restabelecer as expectativas econômicas e possibilitar a estabilização das taxas de juros a um patamar reduzido. Pensar o custo da energia a médio prazo não se limita, portanto, a baixar o valor da conta dos consumidores tão sacrificados. Esse é um debate que envolve diretamente política de desenvolvimento humano.

O avanço das condições materiais da sociedade, alcançado com o crescimento econômico mais rápido, inclui o aumento da expectativa de vida da população e da escolaridade média das novas gerações. Essa é uma das conclusões mais palpáveis do estudo da ​Ex Ante.

Com o crescimento médio anual de 4,2% ao ano do PIB per capita, o Brasil teria condições de atingir um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,765 —próximo ao obtido pelo México em 2019, país que ficou 10 postos acima do Brasil no último ranking mundial de desenvolvimento humano das Nações Unidas (Pnud). Nunca foi só pela energia mais barata. É crescimento econômico e qualidade de vida.

É assim que vamos, na energia, sair da fervura dos preços altos e evitar o fogo de novas crises.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Ruy Castro - Ignorância e beatitude, FSP

 

"Perdi as economias de uma vida", disse Aline, infeliz vítima de um criptorom —golpe amoroso pela internet—, à repórter Paula Soprana, na Folha do dia 5 último. Em março, recém-descasada, Aline entrou num aplicativo de namoro e se deixou atrair por um homem sensível e romântico. O qual, dizendo-se inglês e em Londres, convenceu-a de que era um investidor financeiro e a induziu a fazer uma aplicação em criptomoeda numa corretora internacional. Naturalmente, fictícia, o que ela só descobriu R$ 605 mil depois.

O caminho para depenar Aline passou por uma exchange inexistente que dizia trabalhar com bitcoins e ainda lhe aplicou o golpe das taxas falsas a serem pagas em USTD, sigla para tether, moeda digital atrelada ao dólar. O golpe foi confirmado pelo site Scamosafe, que detecta a veracidade de sites de investimentos, e por uma cientista de blockchain da empresa de tecnologia Avanade, especializada em criptoativos. Vários leitores solidarizaram-se com ela, alertando-nos para esses financial traders e falando em scammers e catfish. O mundo não está para monoglotas.

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Exceto pelo fato de que não frequento aplicativos de namoro, eu também poderia ter caído nessa história. Até ler a pungente reportagem de Paula, nunca tinha ouvido falar em criptorom, tethers, blockchain, scammers e catfish. Na verdade, até hoje não sei nem o que é uma bitcoin. Meu inglês, suficiente para ler Chaucer, leva zero diante desse novo léxico. Meu português também.

Minha alienação não se limita a transações virtuais, sejam amorosas ou financeiras. Cobre toda uma gama de novidades. Não sei, por exemplo, o que é NFT —abreviatura de nonfungible token, ou token não fungível, como acabam, em vão, de me soprar. E não faço ideia do que sejam TikTok, metaverso e a geração Tang Ping.

Pensando bem, é maravilhoso. Minha ignorância beira a beatitude. Nem tem graça me tapearem.

Aline Fernades dos Santos, 41, vítima de crime cibernético; fotografada em sua casa, na zona sul de São Paulo, ela relata um golpe requintado envolvendo criptomoedas e aplicativo de paquera
Aline Fernades dos Santos, 41, vítima de crime cibernético; fotografada em sua casa, na zona sul de São Paulo, ela relata um golpe requintado envolvendo criptomoedas e aplicativo de paquera - Bruno Santos/Folhapress