Com uma metáfora de pescaria ("Banco Central age como se estivesse pescando com uma linha fina", 31/10), o sempre elegante economista Arminio Fraga fez, em sua coluna na Folha, uma análise sobre as dificuldades da economia brasileira.
A qualidade de forma e a massa de informações do texto, contudo, não conseguem esconder que ele não acredita mais cegamente no modelo que defende e que ajudou a aplicar. Para não perder a metáfora piscosa, e apoiado nas entrelinhas do seu texto, eu mudaria o título do seu artigo para "A rede está furada".
De forma coerente, pois é o autor do tal tripé macroeconômico (meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário), Arminio tenta defender o modelo, mas não consegue ocultar as contradições insustentáveis desse desenho após 22 anos de prática contínua e insuficiente.
Penso que a manutenção desse modelo é a causa importante de nosso desastre. E sustento minha opinião na melhor literatura e na experiência de gestor público que não praticou nem um único dia de déficit fiscal, mesmo tendo sido prefeito, governador e ministro da Fazenda que ajudou a consolidar o Plano Real.
Vamos aos números: quando FHC assume, em 1995, a dívida pública era de 38% do PIB, a carga tributária representava 27,5% do PIB e havia um patrimônio "privatizável" de US$ 100 bilhões! Apenas oito anos depois de aplicado o novo modelo de "responsabilidade" fiscal, a dívida foi a 78% do PIB, a carga tributária a 32% do PIB e foram torrados os recursos da privatização! O que causou essa impressionante derrocada fiscal? Juros reais mais altos do mundo.
Entre 1980 e 2010, perdemos a vocação para o crescimento e, entre 2010 e 2020, o país cresceu zero pela primeira vez em 120 anos! Foram seis anos de PT, dois anos de Michel Temer (MDB) e dois de Jair Bolsonaro. Apesar de retóricas diferentes, todos aplicaram o mesmo modelo.
Dizem os manuais que juros altos são a ferramenta que bancos centrais têm para dissuadir demanda agregada excessiva. No entanto, sabe quando foi a última explosão de demanda agregada no Brasil? Em 1994 e nunca mais! Eu era nessa época o ministro da Fazenda e administrei a crise fazendo um choque de ofertas e trazendo de fora as mercadorias que faltavam.
No mundo todo, não se atacam com juros os preços administrados pelo governo, preços sazonais e custos incrementados pelo derretimento da moeda. Mas veja o que aconteceu na última semana: o aumento da taxa Selic incorporará em dívida para o Tesouro cerca de R$ 75 bilhões por ano, o dobro do que custará o auxílio que é odiado pelos amantes do teto de gastos.
No Brasil, promoveu-se uma política cambial cretina e corrupta. Cretina porque os políticos descobriram a maravilha de promover o nacional consumismo para fins eleitorais, e corrupta porque um tal swap cambial suja a taxa de câmbio e virou paraíso da informação privilegiada.
Concordo que a chave para mudarmos os desequilíbrios da economia passa pela construção de um arcabouço fiscal sustentável no tempo. Fluxo, mas especialmente estoque, como enfatiza Arminio. Mas não é admissível que a forma de conseguir equilíbrio fiscal seja proibir o país de crescer, como prega o atual modelo.
Por fim, convido Arminio a se debruçar também sobre a receita pública. Em linha com as melhores práticas internacionais, proponho: corte criterioso de 20% nas renúncias fiscais; imposto sobre lucros e dividendos; tributação das grandes heranças; maior progressividade no Imposto de Renda e fim da pejotização, entre tantas outras ideias.
Precisamos aprofundar esse debate porque tanto a direita quanto a autorreferida esquerda defendem o atual modelo carcomido. E só um novo modelo econômico nos orientará ao futuro. O mundo está cheio de novas vivências e instituições. Só no Brasil o desastre tem a defesa intransigente da elite.
Vamos ao debate!