sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Endeusar políticos é sintoma de transtorno mental, FSP

Do brasileiro mais anônimo ao militante mais sofisticado, todos parecem sofrer da mesma confiança cega no seu candidato

Todo mundo fala de “fake news”. Poucos falam de “fake readers”. E, no entanto, os segundos sempre me pareceram mais perigosos do que as primeiras.
 
Produzir informações falsas ou conspiratórias sempre fez parte do DNA da espécie. Até Eva, que era Eva e vivia no Paraíso, não se conteve e foi um pouco “fake” com Adão no episódio da maçã.
 
Mas é preciso ter uma mente especial, igualmente falsa e conspiratória, para que as “fake news” possam nascer e prosperar. E, nesse quesito, há países e países.
 
O instituto de pesquisas Ipsos Mori resolveu estudar o assunto, informa o jornal “Daily Telegraph”. Entrevistou mais de 19 mil pessoas em 27 países. E concluiu, entre outras coisas, que os “fake readers” não se distribuem democraticamente pelo mundo.
 
Quando falamos de “fake readers”, falamos de pessoas com uma certa “tendência” ou “susceptibilidade” para acreditar em tudo que leem. Sem duvidar, sem questionar.
 
Itália ou Reino Unido, dois países que conheço bem, são pouco crédulos. Entre os italianos, só 29% confessam ter sido enganados por “fake news”. Entre os britânicos, só 33%. Motivos?
 
Arrisco um: a desconfiança permanente que italianos e ingleses sempre manifestaram em relação ao poder. Por razões históricas ou filosóficas, ambos os povos sempre tiveram aquela centelha anarquista que permite olhar para a realidade com uma dose saudável de cepticismo.
 
Não é por acaso que Itália, depois da aberração fascista, tenha tido mais de 60 governos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Há traumas que nunca se esquecem.
 
E não é por acaso que Inglaterra, nas palavras do historiador Élie Halévy, tenha passado por todas as revoluções —industrial, social, cultural— sem nunca ter feito a Revolução (com maiúscula). 
 
Mas no estudo do Ipsos Mori há um país que se destaca pelo seu impressionante grau de credulidade: o Brasil, que lidera a lista. Os brasileiros, ou 62% deles, são os mais crédulos de todos (a média é 48%). Em segundo lugar, com 58%, vem a Arábia Saudita. Como explicar isso?
 
Eruditos apressados dirão que a culpa é da colonização (e do atraso educacional); da herança católica (e da reverência cega perante a palavra escrita); ou, então, de ninguém: se o Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de internet, é inevitável que o número de otários seja proporcional ao número de usuários.
 
Boa sorte nesse debate. Uma coisa é certa: se há algo que distingue o período eleitoral que o país vive é a existência de tribos —à esquerda e à direita, sem distinção— que cometem o supremo pecado em política: acreditar em políticos e batalhar obstinadamente por eles.
 
Atenção: não se trata de repetir o clichê popular (e populista) de que “todo político é ladrão/incompetente/psicopata”. Provavelmente, nem todos. Provavelmente.
 
Mas existe uma diferença entre cultivar esse advérbio cauteloso e defender, com fanatismo, o dogma contrário: o político em quem eu voto é a encarnação terrena da sabedoria e da salvação.
 
Uma temporada recente no Brasil só confirmou o que eu já conseguia intuir à distância: do brasileiro mais anônimo ao militante mais sofisticado, todos parecem sofrer da mesma febre —uma confiança cega, e surda, e muda, e até paralítica, no seu candidato.
 
Observei isso ao vivo: estava no aeroporto de Brasília, aguardando o meu voo para São Paulo (dia 31 de julho, umas 11 horas da manhã), quando uma turba enlouquecida veio na minha direção. Que fiz eu para merecer aquilo?
 
Ledo engano. Quando olhei para trás, Jair Bolsonaro estava a um metro de mim, vindo sei lá de onde. O que se seguiu foi digno de um encontro religioso.
 
Não é um exclusivo de Bolsonaro. O mesmo poderia acontecer com Lula —e acontece, à porta do cárcere, onde dezenas, centenas, milhares de crentes são capazes de enfiar a cabeça na guilhotina pela honestidade de terceiros.
 
Engraçado: eu sou incapaz de arriscar a minha cabeça por pessoas que conheço bem, ou que julgo conhecer. Aliás, para ser honesto, nem por mim arriscaria o bestunto. Como proceder de forma diferente com alguém que eu não conheço de todo —e, ainda para mais, um político, ou seja, um membro da espécie “homo sapiens” que inevitavelmente possui um grau maior de narcisismo e ambição por contingências do ofício?
 
Votar no melhor candidato é uma coisa; endeusá-lo e canonizá-lo, um sintoma de transtorno mental.
 
Haverá cura? Não sei. Mas, se houver, desconfio que italianos e ingleses têm a chave do problema.
João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

O ideal de Justiça e os julgamentos morais da soldado PM Juliane Santos e de Fernanda Camargo, Renato Sergio Lima, FSP

Renato Sérgio de Lima
Com Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Juliane dos Santos, 27 anos, foi morta no dia 2 de agosto de 2018. Juliane era Soldado da Polícia Militar e estava em um bar em Paraisópolis em seu horário de folga quando teve seu celular furtado. Identificou-se como agente da lei na esperança de que recuperasse o bem perdido. Foi brutalmente assassinada por ser policial.
Juliane era também conhecida como “garota sorriso”. Sempre alegre e bem-humorada, Juliane não era apenas uma jovem soldado, mas alguém que sempre sonhou em ser policial e atuar na defesa da lei. Seu corpo ficou desaparecido por cinco dias, o que impediu inclusive que a família pudesse se despedir de forma adequada. O caixão teve que ser lacrado.
Mas a tragédia para a família de Juliane não termina aí. Como se não bastasse seu assassinato, os julgamentos morais passaram a permear o noticiário sobre sua morte. Juliane era lésbica, negra e de família humilde, mas a imprensa achou por bem destacar que, antes de morrer, ela se divertia e namorava uma “ruiva” em um bar. Qualquer pessoa minimamente atenta ao tema da segurança sabe que Juliane se expôs ao identificar-se como Policial Militar em um território dominado pelo PCC, mas sua orientação sexual e a cerveja precisavam constar das análises de seu assassinato.
O julgamento moral que a família de Juliane teve que assistir atônita é vivido hoje por Fernanda Camargo, 40 anos, viúva do mecânico Eduardo Alvos dos Santos. Eduardo, 42 anos, faleceu em 16 de janeiro de 2017 após uma ocorrência de violência doméstica. Fernanda chamara a Polícia Militar porque o marido tornava-se agressivo quando bebia e ela queria tirar seus pertences de casa. Quando a guarnição da PM chegou à residência, Eduardo bateu boca com um dos soldados, e, nitidamente embriagado, caiu segurando-se na farda do policial, que acabou rasgando. O trâmite usual de uma ocorrência como essa era adotar procedimentos de uso progressivo da força, imobiliza-lo e leva-lo para a delegacia para ser autuado. Mas Eduardo foi agredido antes de ser colocado na viatura e, três horas depois, Eduardo morreu dentro da delegacia de Itapevi. O laudo do IML identifica como causa de sua morte uma hemorragia interna traumática, provocada por agente contundente.
Como se este caso não fosse suficientemente trágico, ontem, dia 05 de setembro, a absolvição do soldado responsável pelas agressões adiciona mais uma pitada sádica a este enredo. Em sua decisão, o juiz militar José Alvaro Machado Marques não reconhece o nexo entre os dois fatos e destaca diversas vezes que Eduardo tinha passagens pela polícia e histórico de comportamento violento, como se isso fosse justificativa para ser espancado pelos policiais. Prossegue à sua argumentação, em um processo no qual todas as testemunhas são policiais, afirmando que relatos indicam que Eduardo tinha apenas um “discreto” ferimento no olho e que deve ter morrido de cirrose hepática.
Mas a cereja do bolo de sua conclusão é o parágrafo em que fala sobre a viúva, Fernanda, e os motivos pelo qual continuava a acusar o policial. Sugere o juiz que a viúva pode ser motivada pelo “interesse em buscar indenizações…”. Afinal, o natural não seria esperar que a viúva quer justiça, e sim que ela quer lucrar com o assassinato do marido.
Para não dizer que o eminente juiz foi completamente injusto, ele também afirma em sua decisão que Fernanda pode estar influenciada por “um sentimento de culpa por seus desentendimentos com o marido…”. Bingo! Imagine só, senhor juiz, o que significa para uma mulher vítima de violência doméstica, com uma filha de 17 anos, ver o homem com quem estava casada há quase duas décadas ser espancado por um policial na garagem de casa após uma ligação dela; ver o marido morrer dentro de uma delegacia de polícia em seu colo e ainda ter que lidar com os julgamentos morais do Estado, especulando sobre os motivos de sua busca por justiça.
Quando valores coletivos consagrados nas cláusulas pétreas da nossa Constituição são reduzidos a concepções morais privadas, como podemos compreender que a Justiça adote como símbolo a imagem de Têmis, divindade grega que busca estar acima das paixões humanas para permitir que a verdade não seja apenas a lei do mais forte? Triste momento vivido pelo país…

Desvio de rota, Celso Ming , OESP

Há tanta coisa a reconstruir, a começar pelas ruínas financeiras da Previdência Social, que hoje comprometem gravemente a aposentadoria das novas gerações. Seguir afirmando que esse rombo foi criado pelas elites é tentar ignorar a trombada que vem vindo aí.
Há, por exemplo, uma indústria a reidratar depois de tantos anos de descuido, de despejo de recursos nas contas bancárias de meia dúzia de futuros campeões nacionais e de tantas barbeiragens em matéria de política industrial produzidas pelos governos do PT.
Se o agro tivesse sido confiado ao MST e ao João Stédile, o Brasil não estaria produzindo 240 milhões de toneladas de grãos. E não teríamos hoje mais do que o jogo miúdo que mal supera programas de economia de subsistência e a sistemática destruição de experimentos agrícolas de empresas e de institutos de pesquisa.
O mundo passa por impressionantes mudanças tecnológicas, que estão dizimando empregos e criando novas formas de atividade econômica e de trabalho. E, no entanto, as esquerdas comportam-se como os taxistas contra o Uber, contra o Cabify e contra os aplicativos. Aferram-se à preservação do imposto sindical e à manutenção de postos de trabalho de profissionais que vão sendo substituídos por formas novas de atividade remunerada. Bancários, carteiros e telefonistas são ocupações em extinção (ou em forte redução), e não há como mudar esse jogo.
Há um sistema educacional a reconstruir diante da grande explosão da nova revolução industrial em andamento, da tecnologia da informação, da inteligência artificial e da internet das coisas. Mas a pregação das esquerdas é de que a tarefa a cumprir, a principal coisa a fazer aí é inculcar nas crianças o catecismo da luta anti-imperialista.
E há um sistema de saúde a remodelar, num momento em que o aumento da expectativa de vida reduz a importância da luta contra doenças infecciosas e aumenta a da luta contra doenças degenerativas.
Se é para construir a democracia, não podem nossas esquerdas pregar a ruptura, a desobediência civil e o desacato seletivo a algumas decisões da Justiça e não a outras.
Aí já tem munição para muita conversa da qual esta Coluna não fugirá. Cada dia com sua agonia, como diz o Evangelho de Mateus (6,34). Mas não posso deixar passar neste espaço considerações sobre as contas externas de 2017.
CONFIRA:
Belezura nas contas externas. Nas crises intermitentes dos anos 70 e 80, o desespero ficava concentrado na fuga de dólares. A inflação altíssima e as contas públicas altamente deficitárias até que eram toleradas. O que prostrava era o estouro das despesas em moeda estrangeira e a corrida ao dólar. O ministro da Economia do final da década de 70, Mário Henrique Simonsen, resumiu a situação com uma frase, de vez em quando lembrada: “A inflação aleija, mas o câmbio mata”.
O balanço de pagamentos é o check-up das contas externas. Como pode ser conferido pelos números de 2017 divulgados nesta sexta-feira pelo Banco Central, as contas externas vêm mantendo comportamento brilhante, não só pelos bons resultados da balança comercial (superávit de US$ 64,0 bilhões), mas, também, pela vigorosa entrada de capitais de risco (Investimentos Diretos não eram aplicados a juros altos no Brasil).
Considerado apenas o fluxo de mercadorias (balança comercial), serviços e rendas, o rombo total das contas externas (conceito de Transações Correntes) caiu de US$ 104,2 bilhões em 2014 para apenas US$ 9,8 bilhões em 2017, tombo de 90,6%. Essa diferença foi folgadamente coberta pela entrada líquida de capitais.
Por esse lado, não há risco de deterioração. As importações de mercadorias e serviços tendem a crescer em consequência do próprio avanço do PIB, provavelmente de 3%. A indústria, por exemplo, terá de importar mais máquinas e mais matérias-primas. Como o consumo também deve aumentar, o superávit comercial também deverá ser menor. O Banco Central, por exemplo, espera que o déficit nas Transações Correntes dobre para US$ 18,4 bilhões e o superávit comercial caia para US$ 59 bilhões. 
Enfim, o comportamento do Balanço de Pagamentos é outro capítulo que transcorre sem sustos. O grande problema concentra-se hoje na área fiscal, é a desordem das contas públicas.