SÃO PAULO - O Ministério Público de São Paulo abriu nesta sexta-feira, 24, um segundo inquérito para investigar possíveis atos de improbidade administrativa do secretário estadual do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O motivo dessa vez é um chamamento público de interessados na venda ou concessão de 34 áreas do Instituto Florestal, como estações experimentais, florestas e hortos.
No entendimento de seis promotores que fizeram a representação, houve irregularidade no procedimento por revelar “dirigismo” na concessão ou venda desses espaços. O chamamento, publicado no Diário Oficial em janeiro, visava à prospecção de interessados na concessão de uso ou aquisição dessas áreas. Na sequência houve uma reunião na secretaria com essas pessoas para que eles pudessem manifestar interesse.
“Houve dirigismo quando se pergunta ao eventual interessado qual área quer explorar, quanto quer pagar, em quais condições, sob o argumento de conceder ou vender só aquelas áreas para as quais haja um interessado. Acaba sendo um dirigismo da licitação porque viola o princípio da impessoalidade”, explica o promotor Ivan Carneiro Castanheiro, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) de Piracicaba. Segundo ele, esse tipo de chamamento não é previsto em lei.
O MP apura se esta reunião ocorreu a portas fechadas, sem a presença de outras pessoas além de possíveis futuros beneficiados na venda ou concessão das florestas. “Parece que só quem tinha interesse nas áreas podia ficar. São pessoas que depois vão oferecer propostas lá na frente. Ou seja, já se sabe quem vai ganhar a licitação”, afirmou o promotor Silvio Marques, da Promotoria de Patrimônio Público e Social, que lidera o inquérito civil.
O órgão ouviu depoimento da advogada Helena Goldman, que representa a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado (APqC), que relata ter sido expulsa da reunião pelo secretário adjunto do Meio Ambiente, Antonio Velloso. A APqC tem, entre seus membros, pesquisadores do Instituto Florestal que, segundo Helena, queriam saber o que iria acontecer com as áreas.
“Estava sentada, esperando o início do chamamento, quando Velloso gritou no microfone ‘saia daqui, eu já falei que é para sair’ e disse que não ia começar até que eu me retirasse da sala”, contou ao Estado. O secretário adjunto, que também é investigado no inquérito, disse que não se tratava de uma audiência pública e, desse modo, não era aberta a quem quisesse. “Quem não estava cadastrado não pôde participar e a advogada e a funcionária do IF que ela acompanhava não tinham feito isso”, alegou. Disse também que o IF tinha mandado três representantes e que elas não tinham por que estarem lá.
Salles, que já é investigado num processo sobre alterações no plano de manejo da APA Várzea do Tietê, se irritou. “Acho que o MP acusa todos os administradores públicos do Brasil, de todas as esferas, o tempo todo, de improbidade, né? Porque se qualquer coisa que você faz na secretaria, o promotor interpreta como improbidade, vai ter uma dessa por semana”, disse ao Estado. Depois declarou que “não houve dirigismo nenhum”. Segundo ele, o objetivo do chamamento era identificar em quais áreas haveria interesse do setor privado. “É justamente para economizarmos dinheiro público e não gastarmos com avaliação técnica das áreas que não tem interesse.”
Segundo Velloso, era uma coisa “singela”, só para colher se haveria interesse. “Depois virá a licitação e mesmo quem não foi ao chamamento vai poder participar.”
Para o promotor Castanheiro, sendo assim, não haveria por que a reunião ser fechada. “É uma grave violação ao princípio de transparência dos atos administrativos, da publicidade. Não tem nada ali que devesse correr em sigilo. Em termos de licitação, o que corre em sigilo é apenas a proposta financeira. Se está pensando em fazer licitação, quando mais publicidade der, melhor.”
Impacto ambiental. As áreas listadas no chamamento são, em geral, estações experimentais e florestas criadas originalmente para fins de pesquisa e produção madeireira. Com o passar do tempo, porém, muitas deixaram de ser lucrativas. Em janeiro, quando foi feito o chamamento, Salles disse ao Estado que no ano passado os custos com essas áreas foram em torno de R$ 58 milhões. “Mas não tivemos nem R$ 10 milhões de retorno”, afirmou na ocasião.
Pesquisadores que trabalham no Instituto Florestal, falando em condição de anonimato, confirmaram que algumas áreas, de fato, estão com a produção madeireira em declínio, mas disseram que elas passaram a desempenhar outras funções ambientais como, por exemplo, servir para restauração de vegetação nativa e de conexão com outras áreas verdes do Estado.
Representação enviada pela advogada Helena Goldman ao MP relata a presença de diversas espécies animais, algumas ameaçadas de extinção, que ocupam essas áreas, como o mico-leão preto e a onça parda. Além do impacto dessa vegetação para a manutenção dos recursos hídricos.
Castanheiro cita também o caso da estação experimental de Itirapina, que continua altamente produtiva. “Ali é onde está o Aquífero Guarani. É uma área autossustentável, que tem um orçamento de R$ 34 milhões em madeira em pé”, relata, citando dados do próprio Instituto Florestal. A estação de pinus é contígua à Estação Ecológica de Itirapina, essa sendo uma unidade de conservação que preserva um dos poucos trechos de Cerrado que ainda existem no Estado.
“O plano de manejo das duas estações é integrado. Esses R$ 34 milhões seria suficientes, segundo o próprio IF, para executar todas as ações do plano de manejo. Então para que vender ou conceder uso se essa não é uma unidade deficitária? Para que entregar a galinha dos ovos de ouro para a iniciativa privada se pode usar como verba própria sem colocar nem um centavo a mais, com verba da própria unidade?”, questiona o promotor.
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