sexta-feira, 19 de junho de 2015

Um vilão de muitas caras ( revista Fapesp) Não lido

Combater a dengue agora e nos próximos anos requer a combinação de estratégias estabelecidas e inovadoras
MARIA GUIMARÃES e PABLO NOGUEIRA | ED. 232 | JUNHO 2015

Email this to someoneTweet about this on TwitterShare on Google+Share on FacebookShare on LinkedIn



Larvas de Aedes aegypti se desenvolvem no laboratório para formação de linhagem transgênica
Não foi a praia que atraiu o virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e o doutorando Julian Villabona-Arenas ao Guarujá, no litoral sul de São Paulo, no verão de 2012-2013. Eles estavam acompanhando os casos de dengue no município, selecionado pela proximidade com a metrópole paulistana, e analisando a genética dos vírus para reconstruir a malha de transmissão entre pessoas. As análises mostraram que dois bairros, Pae Cará e Enseada, eram os focos principais da doença, que deles se espalhava para outros pontos da cidade. O trabalho dos pesquisadores chamou a atenção de uma funcionária do departamento de vigilância sanitária local, que percebeu a preciosidade de saber onde estavam os casos com vírus ativos e convocou uma unidade de fumigação – o chamado “fumacê” – para matar mosquitos nesses locais. “Foram na cabeça do dragão e deram o tiro”, diz Zanotto. Depois disso, os mapas mostram uma situação mais fácil de controlar, com casos isolados. “É isso que precisa ser feito em todos os municípios”, preconiza, ao mesmo tempo que ressalta a necessidade de combinar vacinas a diferentes formas de controle do mosquito transmissor da doença.
O trabalho do grupo de Zanotto vem apontando caminhos para o combate à dengue e sublinhando o risco crescente das epidemias. Um motivo de alerta é a presença dos quatro sorotipos do vírus que eles observaram em Guarujá naquele verão, como mostra artigo de 2014 na PLoS Neglected Tropical Diseases. Provavelmente tem impacto a proximidade do porto de Santos, onde mosquitos e vírus desembarcam como passageiros clandestinos. Em Jundiaí, muito próxima à Região Metropolitana de São Paulo, os pesquisadores encontraram apenas os sorotipos 1 e 4, mas isso não chega a ser um alívio. Em conjunto, os dois municípios já revelavam que a capital paulista está sujeita a múltiplos vírus, criando uma situação conhecida como hiperendemicidade, que aumenta o risco de uma pessoa ser infectada várias vezes, com maior risco de casos do tipo hemorrágico. “A presença dos quatro sorotipos em um surto numa das áreas mais densamente povoadas no Brasil é um achado perturbador”, afirma Villabona-Arenas. “Essa cocirculação só havia sido documentada em países do sudoeste da Ásia há décadas e mais recentemente na Índia, sempre associada à maior gravidade de doença entre crianças.”
De fato, os números mais recentes não permitem relaxar, embora o medo imediato do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, comece a ficar em segundo plano com a chegada do frio e da seca, que não favorecem o desenvolvimento das larvas. A região Sudeste foi palco de 66% dos quase 746 mil casos registrados pelo Ministério da Saúde no país inteiro desde o início de 2015 até 18 de abril. É menos do que foi registrado em 2013, mas bem mais do que em 2014. Nesse total há uma gradação de gravidade – há quem mal sinta sintomas, outros têm febre alta e persistente e passam longos dias prostrados com fortes dores no corpo e náuseas que tornam impossível seguir a prescrição médica de tomar muito líquido. Nesse período, foram confirmados 414 casos graves e 5.771 com sinais de alarme, as categorias que exigem atenção médica. Bem mais do que no ano anterior, com uma alta proporção no estado de São Paulo. Entre os fatores de gravidade estão danos ao fígado e uma queda alarmante na concentração de plaquetas no sangue, que pode transformar qualquer lesão microscópica em uma hemorragia.
Para Zanotto, os números e a situação de hiperendemicidade indicam uma progressão alarmante da doença. “A dengue está apenas começando no Brasil”, avalia, com base num gráfico do número de casos desde 1995, que prevê uma escalada abrupta a partir de agora. Significa, em sua opinião, que os esforços contra as epidemias devem se tornar mais eficazes. “Deveríamos fazer como o corpo de bombeiros, que age em focos de incêndio, visando contê-los antes que se espalhem e escapem do controle.”
Os estudos de Zanotto em municípios paulistas como Guarujá, Jundiaí e São José do Rio Preto localizam focos de dengue em áreas com indicadores socioeconômicos mais baixos. Mas concentrar esforços nas favelas não basta, conforme mostra estudo do biólogo Ricardo Vieira Araujo, hoje funcionário da Coordenação de Mudanças Globais do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), publicado este ano na revista Brazilian Journal of Infectious Diseases. Em São Paulo, ele mostrou que em partes da cidade com temperatura superficial do solo significativamente mais alta, onde há baixa umidade, pouca cobertura vegetal e altos níveis de impermeabilização do solo – as ilhas de calor – há maior incidência de dengue.
Entre 2009 e 2013, Araujo trabalhava na Coordenação de Vigilância em Saúde de São Paulo, no monitoramento de doenças transmitidas por vetores e zoonoses na cidade. “Eu me perguntava por que uma favela na zona sul registrava tantos casos, enquanto em outra comunidade na zona norte, por exemplo, com características semelhantes, os números eram muito menores”, explica. Nesse mesmo período, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente concluiu um mapeamento de temperatura superficial do solo que apontava as ilhas de calor na capital. “Mas muitos dos pesquisadores ponderavam que as próprias ilhas estariam em regiões com indicadores socioeconômicos mais baixos, com uma densidade populacional maior. Então talvez a causa não estivesse nas temperaturas, mas nas condições sociais e demográficas.”
Para distinguir entre os fatores, foi necessário lançar mão de uma série de informações. O censo de 2010 do IBGE permitiu calcular a população, a densidade populacional, a renda média e o modo predominante de ocupação urbana nos 96 distritos administrativos de São Paulo. Os dados também indicavam onde estavam favelas, ocupações e cortiços. Com imagens de satélite foi possível analisar a cobertura vegetal, assim como criar um mapa com as temperaturas médias de superfície de toda a cidade. Os registros de casos autóctones de dengue vieram da Coordenação de Vigilância em Saúde, que entre 2010 e 2011 registrou cerca de 7.400 casos.
A integração das informações mostrou que 93% dos casos ocorreram onde a temperatura superficial média passava dos 28 graus Celsius (°C). Nas regiões com maior cobertura vegetal o número de casos por 100 mil habitantes era de apenas 3,2, diante de 72,3 nas menos arborizadas. Somando tudo, o tipo de ocupação parece influenciar menos a incidência de dengue do que a temperatura, no período analisado.


O brilho verde na cabeça e na cauda das larvas é o marcador que indica os insetos geneticamente modificados
O estudo foi mais a fundo e incluiu também um experimento em laboratório com duas linhagens de A. aegypti: uma usada rotineiramente pelos pesquisadores e outra obtida de ovos colhidos nocampus da USP. Ficou clara a influência da temperatura: quando alcança os 32°C, mais de 90% das larvas do inseto já viraram adultas.
O pesquisador alerta que os mapas das ilhas de calor não são estáticos e seria necessária uma atualização constante dos dados. Mesmo assim, ele considera importante que os profissionais de saúde e de infraestrutura urbana atuem de forma integrada. “Aumentar as áreas verdes é uma possibilidade. Mas vale lembrar outras alternativas, como as adotadas em vilarejos do litoral do mar Mediterrâneo, onde as casas são pintadas de branco como forma de amenizar o calor. Precisamos usar os recursos que temos para combater a dengue de forma estratégica e integrada”, pondera.
Vírus aladoUm dos recursos existentes para o combate ao mosquito é o uso de inseticidas, como no caso do Guarujá. O problema é que, por ser a estratégia mais utilizada, o A. aegyptidesenvolveu resistência aos inseticidas mais comuns, à base de piretroides, assim como não se espantam com a maior parte dos repelentes e continuam a rondar, com seu voo nervoso, as vítimas lambuzadas. Durante o doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, a bióloga Maria de Lourdes Macoris monitorou uma série de populações de mosquitos no interior paulista e verificou que, mesmo após 15 anos sem piretroides, a resistência se manteve. “O uso de inseticidas selecionou as populações resistentes”, explica o biólogo Paulo Ribolla, orientador do trabalho. “Algumas prefeituras já estão usando outros produtos, com maior sucesso.” Em seu laboratório, ele agora está implementando tecnologia para produzir mosquitos mutantes e investigar quais são os genes responsáveis pela resistência.
Na corrida evolutiva com os mosquitos, é necessário buscar novos inseticidas que sejam eficazes e atuem de modo abrangente nos criadouros. Esse objetivo move desde 2007 o grupo de pesquisa coordenado pelo engenheiro químico Eduardo José de Arruda, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul. “Fizemos um levantamento com o Aedes e com o pernilongo Culex quinquefasciatus, e constatamos que os insetos já apresentam resistência a algumas classes de inseticida”, diz Arruda. “Pode-se até matar todos os adultos de uma geração. Mas os ovos deixados nos criadouros, apesar da perda de viabilidade, poderão eclodir e repor a população em questão de meses.”


Depois de alinhados…
“As classes de inseticidas para as quais há resistência não deveriam mais ser usadas no controle”, diz Arruda, que ressalta os custos econômicos e ambientais da quantidade crescente necessária. O grupo coordenado por ele busca, junto com parceiros de outras universidades, a síntese e caracterização de compostos multifuncionais, que impedem a eclosão dos ovos e matam as larvas. Também destroem as bactérias, fungos e protozoários que constituem a dieta dos mosquitos, e podem interferir na comunicação química que atrai as fêmeas aos criadouros onde depositam os ovos. A ideia é encontrar estratégias para o controle de duas ou três gerações do inseto ao mesmo tempo e quebrar a sua dinâmica reprodutiva.
Por serem mais abrangentes os compostos multifuncionais exigem cuidados. Durante o mestrado na UFGD, Taline Catelan analisou os efeitos de quatro inseticidas fenólicos sobre ovos de Aedes e em Artemia salina, um pequeno crustáceo que vive na água. “AArtemia serve como um indicador dos eventuais danos aos mananciais”, diz Arruda. O estudo, publicado este ano na Advances in Infectious Diseases, mostrou que um dos compostos impediu completamente a eclosão dos ovos do mosquito, mas afetou as populações de Artemia.
Ainda mais promissores são os resultados dos estudos com metalo-inseticidas, que contêm cobre ou ferro. Os compostos desencadeiam uma reação de estresse oxidativo que pode causar danos letais nas células e nos tecidos. “É como se usássemos um cavalo de Troia para levar o composto para o interior das células, e o metabolismo ativo do inseto produzisse in situ o inseticida”, diz Arruda.
Dormindo com o inimigoCom a eficácia incerta dos inseticidas, é necessário buscar outras armas. O laboratório da bioquímica Margareth Capurro, do ICB-USP, concentra-se diretamente nos pequenos insetos de pernas listradas, de uma maneira inusitada: produzindo milhares e milhares deles para soltar no ambiente. “Virei uma consultora mundial em produção de mosquitos em massa”, conta a pesquisadora, que durante a elaboração desta reportagem viajou à China exatamente para isso. Numa fábrica localizada em Juazeiro, na Bahia, Margareth trabalhou com a Moscamed Brasil para implementar a produção de uma linhagem desenvolvida pela empresa britânica Oxford Insect Technologies (Oxitec). Esses mosquitos geneticamente alterados acumulam uma proteína que faz as células das larvas entrarem em colapso, de maneira que não chegam à fase adulta (ver Pesquisa FAPESP nº 180). No ano passado, sua equipe publicou no Journal of Visualized Experiments um vídeo mostrando como é a produção, inclusive a laboriosa separação de pupas masculinas e femininas por tamanho (as fêmeas são maiores).


… os ovos recebem injeções que induzem modificações genéticas
A separação é necessária porque apenas os machos, que não picam e não carregam o vírus, são liberados na natureza para cruzar com as fêmeas selvagens, produzindo a descendência modificada e inviável. Para conseguir essa produção, toda a infraestrutura e logística foi cedida pela Moscamed. A empresa também fechou parcerias com o Ministério da Saúde e a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, que têm contribuído para financiar a iniciativa. No início, a equipe tinha até jornalista para ajudar na comunicação com a população local. “Não podíamos chegar na cidade soltando mosquitos”, diz Margareth. “Entramos na casa das pessoas para conversar e explicar o projeto; usamos rádio, televisão, comunicação local.”
Mas não é porque a produção existe que a pesquisa termina. Os mosquitos da Oxitec continuam a ser testados em laboratório para ver como o vírus da dengue se comporta no hospedeiro. Com esse conhecimento, é preciso sempre voltar a campo, num processo constante. “No potinho tudo funciona, mas no ambiente o mosquito alterado voa tanto quanto o selvagem?”, questiona a pesquisadora. Voa, ela já observou. Outro problema é produzir machos compatíveis com a população feminina do sertão baiano. No laboratório eles crescem demais, como qualquer animal alimentado à vontade sem necessidade de esforço. Foi preciso encontrar o número de larvas que devem se desenvolver num determinado volume de água, e quanto alimento devem receber.
Os testes em Juazeiro, até 2013, e Jacobina, que começaram nesse mesmo ano, têm mostrado que o sistema funciona, apesar de alguns percalços. “A frequência de cópula é mais baixa, por isso temos que aumentar a quantidade de mosquitos.” A liberação deve ser constante, mas com ajustes semanais à população dos insetos. Com os transgênicos, a quantidade deles diminuiu na cidade toda. Mas Margareth alerta que é preciso manter os esforços na busca por criadouros.
A parceria com os agentes de saúde indicou a necessidade de melhorar o procedimento. “Eles encontram criadouros com larvas e não têm como saber se são viáveis”, diz a pesquisadora. O jeito foi investir em desenvolver machos estéreis no laboratório. Como a fêmea copula apenas uma vez na vida e armazena o líquido seminal, basta um encontro com macho estéril para não ser capaz de produzir prole. Mas essa linhagem transgênica ainda não está no ponto, com apenas entre 30% e 40% de esterilidade. É preciso mais tempo de cruzamentos controlados para se chegar ao produto final, segundo explica Margareth.
Outra manipulação genética em desenvolvimento visa impedir o nascimento de fêmeas, um processo chamado de reversão sexual que produz uma linhagem inteiramente masculina. Isso aumentaria a produtividade da fábrica, já que atualmente 50% das larvas são fêmeas e há uma perda no processo de separação das pupas. “Perdemos entre 15% e 25% dos machos”, relata a pesquisadora. Se os duplos transgênicos, estéreis e com reversão sexual, funcionarem, não é só a produtividade que melhorará. Atualmente é preciso transportar as larvas de machos em carros refrigerados até Jacobina. Se houver a certeza de que só se produzem machos, será possível enviar pelo correio folhas de papel com os ovos aderidos.
Os resultados são promissores, mas podem não ser suficientes. “Se eliminarmos o mosquito, a dengue acaba; se apenas reduzirmos a população, depois de uns anos a doença volta a atacar”, explica Margareth. É o que aconteceu em Cingapura no início da década passada. Com um número reduzido de mosquitos, a proporção de insetos infectados aumenta. Como a resistência humana também cai sem exposição ao vírus, o risco é de uma ressurgência forte da epidemia.
Por isso, Margareth e o doutorando Danilo Carvalho propõem um combate ao mosquito em duas fases, conforme explicam em artigo de 2014 na Acta Tropica. A ideia seria, depois de reduzir a população com machos estéreis, liberar uma segunda linhagem, atualmente em estudo no laboratório, portadora de uma mutação que permitiria ao mosquito reconhecer as células do próprio sistema digestivo, nas quais os vírus começam a se replicar, e destruí-las.
Batalha internaPor mais que se combatam os mosquitos, a doença não será facilmente erradicada e requer a ajuda do sistema imunológico. A iminência de uma vacina tem sido alardeada, mas não deve estar disponível de imediato. A mais próxima é a produzida pelo laboratório francês Sanofi Pasteur, que aguarda aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para entrar no mercado brasileiro em 2016. Mas sua eficácia não convence o microbiologista Luís Carlos de Souza Ferreira, do ICB-USP. Ele explica que a base dessa vacina é do vírus da febre amarela. Apenas uma parte do genoma responsável pelas proteínas estruturais pertence ao vírus da dengue.
“Acreditava-se que fosse suficiente, porque é com base nessas proteínas que os anticorpos reconhecem o invasor”, explica. Mas seu grupo e outros têm mostrado que, no caso da dengue, quando os níveis desses anticorpos são baixos ou eles são pouco eficientes, os vírus remanescentes são conduzidos para as células onde se replicam. Destruir essas células é tarefa dos linfócitos T, e o alvo principal são outras proteínas do vírus – as não estruturais. “Nossas pesquisas têm mostrado que a resposta dos linfócitos T é importante na dengue”, conta. Segundo ele, isso não acontece na vacina produzida pela Sanofi Pasteur.
Uma das linhas de pesquisa de Ferreira busca justamente produzir uma vacina baseada numa dessas proteínas, a NS1. Famosa por ser o marcador que indica que uma pessoa cheia de dores no corpo está infectada com o vírus da dengue, a proteína tem se mostrado um bom alvo, como relata um artigo de revisão de 2014 na Virus Research. “Produzimos o NS1 em bactérias e purificamos para usar como componente da vacina”, conta Jaime Henrique Amorim, pesquisador de pós-doutorado e primeiro autor do artigo. “Conseguimos 50% de proteção nos testes em camundongos; é uma formulação promissora, embora ainda muito longe de se tornar um produto aplicável a seres humanos.”
Além dessa faceta mais aplicada, outra vertente dos estudos conduzidos no laboratório  busca entender o padrão da resposta imunológica. Esse enfoque pode avaliar e aconselhar o desenvolvimento de outras vacinas, e leva Ferreira e Amorim a considerar mais promissora a vacina que está em fase de testes clínicos no Instituto Butantan. “Estudos feitos nos Estados Unidos mostraram que essa vacina, baseada em formas atenuadas dos quatro tipos virais da dengue, provoca uma resposta parecida com a de pessoas que foram infectadas e conseguiram neutralizar o vírus”, explica Amorim.
Produzida no Brasil, a vacina foi desenvolvida nos Estados Unidos, nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH). “Neste momento estamos finalizando a fase 2 de estudo clínico”, conta o médico Alexander Precioso, diretor do Laboratório Especial de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan. Ele espera ter todos os resultados colhidos, analisados e divulgados ainda este mês.
De acordo com Precioso, 300 pessoas já foram testadas, mostrando que a vacina é segura. Esses resultados levaram o Butantan a enviar à Anvisa o pedido de autorização para o início da fase 3 antes mesmo de ter todos os dados coletados da etapa anterior. “Precisamos iniciar o quanto antes o recrutamento de voluntários para conseguir vacinar antes da próxima sazonalidade”, explica o médico. Se tudo correr bem, isso permitiria iniciar a aplicação da vacina assim que a fase 2 esteja concluída. Esse cronograma permitiria que a reação imunológica à vacina fosse posta à prova no próximo verão, estação em que acontecem os surtos de dengue em várias regiões do país. Depende de conseguirem recrutar os voluntários, que devem ser 17 mil pessoas em todo o país, das características do próximo surto e de como será a resposta dos imunizados. O plano do Butantan é solicitar o registro da vacina assim que os dados de eficácia forem demonstrados e manter o acompanhamento dos participantes por pelo menos cinco anos, para avaliar a durabilidade da resposta imunológica e definir a necessidade e frequência de reforços da vacina.
Parece haver um consenso: não há solução única, em termos de estratégia nem de geografia. Em cidades como o Rio e São Paulo, a maior incidência acontece no verão, em que há mais chuvas e a temperatura é elevada. Já no Nordeste é na seca que a doença atinge mais pessoas, quando a estiagem leva os moradores mais pobres a armazenar toda a água que puderem, dando origem a criadouros de A. aegypti. As autoridades sanitárias precisam, por isso, avaliar cada município para estabelecer as estratégias de combate.
De qualquer maneira, a ação precisa ser multifacetada, com vacinas e combate aos mosquitos de vários tipos. Paolo Zanotto defende que se recolham dados de forma redundante para maximizar a eficácia das intervenções, com ação do governo, das universidades e da iniciativa privada. A integração e disseminação de informação validada independentemente é o que pode permitir uma ação concertada para prevenir epidemias e dirigir a intervenção para economizar recursos. Se as situações de risco fossem bem conhecidas, não seria necessário, por exemplo, vacinar a população inteira, defende o virologista. “O que eu faço teria maior impacto se houvesse interação institucional efetiva. Está na hora de pensar diferente e agir de forma integrada: sem superposição há lacunas.”
Projetos
1. Avaliação e melhoramento de linhagens transgênicas de Aedes aegypti para controle de transmissão de dengue (nº 2013/19921-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Margareth Capurro Guimarães (ICB-USP);Investimento R$ 310.817,00 (FAPESP).
2. Dengue: produção de lotes experimentais de uma vacina tetravalente candidata contra dengue (nº 2008/50029-7); Modalidade Programa Pesquisa para o SUS;Pesquisador responsável Isaias Raw (Instituto Butantan); Investimento R$ 1.926.149,72 (FAPESP/CNPq-PPSUS).
3. Filogeografia do vírus da dengue nos municípios de Jundiaí e Guarujá no estado de São Paulo (nº 2010/19059-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular;Pesquisador responsável Paolo Marinho de Andrade Zanotto (ICB-USP);Investimento R$ 229.608,82 (FAPESP).
4. Estratégias vacinais voltadas para o controle da dengue baseadas em proteínas recombinantes e adjuvantes de natureza microbiana (nº 2011/51761-6); ModalidadeAuxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luís Carlos de Souza Ferreira (ICB-USP); Investimento R$ 813.542,17 (FAPESP).
Artigos científicos
AMORIM, J. H. et alThe dengue virus non-structural 1 protein: Risks and benefits.Virus Research, v. 181, p. 53-60. 6 mar. 2014.
ARAUJO, R. V. et alSão Paulo urban heat islands have a higher incidence of dengue than other urban areasThe Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 19, n. 2, p. 146-55. mar-abr. 2015.
CATELAN, T. B. S. et alEvaluation of toxicity of phenolic compounds using Aedes aegypti (Diptera: Culicidae) and Artemia salinaAdvances in Infectious Diseases, v. 5, n. 1, p. 48-56. 28 fev. 2015.
CARVALHO, D. O. et alTwo step male release strategy using transgenic mosquito lines to control transmission of vector-borne diseasesActa Tropica, v. 132 supl, p. S170-7. abr. 2014.
MACORIS, M. L. G. et alImpact of insecticide resistance on the field control of Aedes aegypti in the State of São PauloRevista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 47, n. 5, p. 573-8. set-out 2014.
VILLABONA-ARENAS, C. J. et al. Detection of four dengue serotypes suggests rise in hyperendemicity in urban centers of BrazilPLoS Neglected Tropical Diseases. 27 fev. 2014.
Email this to someoneTweet about this on TwitterShare on Google+Share on FacebookShare on LinkedIn

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Biomassa supera 12 GW de potência e se aproxima do gás como segunda fonte de energia

Referência na produção de energia limpa e renovável, a biomassa totalizou em abril 12.417 MW de potência instalada, representando a terceira fonte mais importante da matriz elétrica e superior à capacidade que terá a Usina de Belo Monte, atrás apenas da hidroeletricidade (66,1%) e do Gás Natural (9,5%). Nesse conjunto, a biomassa sucroenergética, proveniente da cana de açúcar, é o principal destaque, tendo atingido o recorde de 10 mil MW de capacidade instalada. Considerando todas as usinas a biomassa no Sistema Elétrico Brasileiro (SEB), que incluem a utilização de outros combustíveis além do bagaço de cana, a participação da biomassa na matriz de capacidade instalada brasileira em abril foi de 9,1%.
Em relação à produção de energia elétrica por fontes térmicas a biomassa, em março de 2015, foi registrada participação de 1,1% do total gerado no País, equivalente a 543 GWh, energia suficiente para abastecer, por exemplo, o Distrito Federal durante esse mesmo mês.
Há grande sazonalidade na produção de energia elétrica por essa fonte, em virtude da disponibilidade dos combustíveis utilizados. Nos últimos doze meses, os maiores montantes de geração de energia a partir da biomassa foram registrados entre maio e dezembro de 2014, com maior geração no mês de agosto, equivalente a 2.765 GWh, equivalente a 6,2% do total de energia produzido no País naquele mês.
Em dez anos, a capacidade instalada em usinas térmicas a biomassa no Brasil teve acréscimo de 8.362 MW, se compararmos o resultado atual com o registrado em abril de 2005. A previsão é que até 2018 entrem em operação mais 1.750 MW dessa fonte, que já estão contratados. Outros 2.400 MW estão previstos para entrar em operação até 2023.

Biocombustível no país

A produção de etanol cresceu 4% em 2014 e atingiu 28,6 bilhões de litros, ultrapassando o recorde histórico de 27,9 bilhões de litros alcançado em 2010, segundo estudo divulgado nesta quinta-feira (28), pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Essa foi a terceira alta consecutiva na produção do biocombustível no país. Segundo a EPE, a expansão foi ocasionada pelo baixo preço internacional do açúcar, que direcionou a maior parte da produção de cana para a fabricação do biocombustível; a liberação de recursos públicos para o setor sucroenergético; além das expectativas de aumento do percentual de etanol anidro na gasolina C (de 25% para 27%, a partir de março de 2015) e do retorno da tributação sobre a gasolina.
Em relação ao biodiesel, o estudo da EPE indica aumento de 16,7% no consumo em 2014 em comparação ao ano anterior, somando 3,4 bilhões de litros. Desde 2005, quando foi implantado o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), até dezembro de 2014, foram produzidos e consumidos no país 17 bilhões de litros de biodiesel. Com esse resultado, o Brasil passou a ocupar a segunda classificação no ranking mundial de produção e consumo de biodiesel, atrás apenas dos Estados Unidos. Entre as regiões brasileiras, o Centro-Oeste e o Sul concentraram 83% do biodiesel produzido e consumido no país, no ano passado.

Seres erráticos (oportunidades perdidas)


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 10 horas atrás
27
É da condição humana ser errático.[1] Nos últimos dias, Lula é a bola da vez. Seu instituto teria recebido milhões de uma das suspeitas empreiteiras que, na nossa cleptocracia (Estado governado por ladrões), costumam (antidemocraticamente, antirrepublicanamente) “doar” dinheiro para todos os institutos e partidos que possam satisfazer seus inconfessáveis interesses. Mas no mundo errático que sempre vivemos, somente o líder petista neste instante seria o torto ou todos nós também o seríamos? Errático é, antes de tudo, quem faz mau uso da liberdade. É errático quem usa a liberdade de eleição para eleger seu senhor de engenho (seu carrasco, seu algoz ou um inimigo dos interesses gerais). Essa liberdade de eleição, típica das democracias eleitorais (como a nossa), não eliminam os amos (os novos senhores de engenho de todas as cores ideológicas) nem acaba com a escravidão ou servidão (Marcuse). Oportunidades perdidas.
Nós somos, na essência, seres abertos, mas frequentemente vivemos em “jaulas de ferro” (Weber), que nós mesmos inventamos. Temos em muitas ocasiões chance de nos projetar, de crescer, de nos educar, mas preferimos nos submeter servilmente. Com graça, o filósofo renascentista italiano Pico de la Mirándola (1463-1494), rebelde considerado herege pela Igreja Católica (antes da sua conversão), narrou o seguinte:
“Concluída sua obra (de construção do universo), o grande Artífice queria alguém que admirasse a beleza da sua criação (…) inventou o humano e deu-lhe uma forma indeterminada. Disse a Adão: ‘Não dei a você nenhum posto fixo, nem uma imagem peculiar, nem um emprego determinado. Às demais criaturas prescrevi uma natureza regida por certas leis. Você marcará sua natureza segundo a liberdade que entreguei a você, pois não está submetido a nenhum regra fixa da natureza; não fiz você nem celeste nem terrestre, nem mortal nem imortal. Você mesmo haverá de forjar a forma que prefira para você, pois é o árbitro da sua honra, seu modelador, seus desenhista. Com suas decisões você pode se rebaixar até igualar-se com os brutos ou pode levantar até as coisas divinas.” [2]
Seres errticos oportunidades perdidas
Os que possuem chance de crescer (pessoal ou coletivamente), de se elevar (moral e eticamente, por exemplo), mas não o fazem, são seres (ou países) profundamente erráticos, que se fecham quando deveriam ser abertos, que se aniquilam quando poderiam se emancipar, que paralisam suas vocações quando poderiam se modelar exemplarmente. Quando tomado pelo comodismo se torna estacionário. Nesse estado, nem se rebaixa nem se levanta, nem abraça a vileza nem se orgulha das alturas, porque não se empenha por construir-se, por elevar-se, por transcender-se. Não retrocede nem avança. Vive, muitas vezes, em movimento, mas não cria novidade qualitativa nenhuma. Não modifica o tabuleiro da sua existência nem cria jogadas que poderiam lhe transformar vertiginosamente.
Não cria uma imagem de mundo diferente nem abre para si um estilo de vida distinto. Gira sempre sobre o mesmo eixo. Com frequência falsamente. Sua atividade se esgota na atividade mesma. Vê que tudo está se tornando líquido (Bauman), mas não se move para alterar o rumo dos acontecimentos. Vive indignado, mas nada constrói para modificar sua situação. Fica angustiado com o vazio, mas nada faz para preenchê-lo. De novo nada produz. Não inova. Esquece que quem não se regenera, degenera (E. Morin). Que quem não cresce, decresce. Quando se mobiliza é para administrar as carências. O ser errático estacionário é fruto de uma sociedade estacionária, [3] que se movimenta para nada alcançar em termos de mudanças relevantes.
[1] SÁEZ RUEDA, Luis. Ser errático. Madrid: Editorial Trota, 2009, p. 11 e ss.
[2] Em SÁEZ RUEDA, Luis. Ser errático. Madrid: Editorial Trota, 2009, p. 31.
[3] SÁEZ RUEDA, Luis. Ser errático. Madrid: Editorial Trota, 2009, p. 32.