quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Juízes fora da lei, do JusBrasil


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 1 dia atrás
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Na magistratura brasileira (como em todos os lugares do planeta) há juízes de todo tipo (honestos, venais, ladrões, negligentes, aristocratas etc.). Os honestos e trabalhadores são os mais atingidos indiretamente em sua honra diante dos atos e omissões dos juízes pouco ortodoxos (fora da lei). Nesta última categoria há de tudo: juiz que usa carro apreendido para ser leiloado (carro de Eike Batista), que dá “carteirada” e prende a funcionária do trânsito mesmo estando com seu veículo irregular, que prende funcionários de companhia aérea depois de ter perdido o horário do voo, que maliciosa ou negligentemente guarda o processo, sobretudo de réus importantes (deputados, por exemplo), nas gavetas até chegar a prescrição, que afasta de suas funções outro juiz por ser “garantista das garantias constitucionais” (tribunal de São Paulo), que mora em apartamento funcional do Senado em Brasília pagando aluguel simbólico, ou seja, muito abaixo do mercado (esse conúbio entre o Senado presidido por um político processado criminalmente e ministros de tribunais superiores não é uma coisa boa para o País), que recebe imoralmente auxílio moradia mesmo tendo imóvel para morar (recebe um tipo de aluguel por ocupar o seu próprio imóvel), que se declara solidário a réu preso por suspeita de corrupção (caso Gilmar Mendes e o ex-governador de Mato Grosso divulgado pela Época), que é condenado por corrupção por vender sentenças (caso recente em SP e vários outros Estados – mais de 100 juízes já foram punidos pelo CNJ) etc.
O primeiro corregedor-geral do país (ouvidor-geral) também foi um corrupto
Se os corruptos e corruptores, no Brasil, atuam com a mais absoluta sensação de que ficarão para sempre impunes, se a corrupção (entendida como prática criminosa que envolve agentes públicos e privados) aqui ingressou com os primeiros habitantes europeus e se consolidou com a construção do arremedo do “Estado Brasil”, em 1548 (tempo de Tomé de Sousa, Governador-Geral) e se o primeiro ouvidor-geral do Brasil (primeiro corregedor-geral da Justiça), Pero Borges, para ca foi nomeado (em 17/12/1548) pelo rei depois de ter surrupiado grande soma de dinheiro na construção de um aqueduto, em Elvas (no Alemtejo) (veja E. Bueno, em História do Brasil para ocupados, organizado por L. Figueiredo, p. 259), como negar que pertencemos a uma cultura patriarcal e patrimonialista desavergonhada, sem escrúpulos, sem pudor, debochada?
Analisando-se os desmandos e as estrepolias dos juízes corruptos, que vêm da escola de Pero Borges (que aqui se enriqueceu mais ainda), entende-se rapidamente a diferença entre uma cleptocracia (Estado governado por ladrões) e uma democracia cidadã civilizada (como é o caso dos países nórdicos, por exemplo: Suécia, Finlândia, Dinamarca, Noruega e Islândia): basta verificar a eficácia (ou ineficácia) do império da lei, ou seja, o quanto fica impune a corrupção do poder político-econômico-financeiro. Se os ladrões graúdos (agentes políticos, altos funcionários, agentes econômicos e agentes financeiros), que têm como escopo principal ou lateral de vida a Pilhagem do Patrimônio Público, desfrutam de um alto nível de impunidade, estamos inequivocamente diante de uma cleptocracia. E esse é o caso do Brasil.
Mas a negligência ou conivência da Justiça (frente aos poderosos) é um fenômeno isolado ou bastante corriqueiro? É frequente e onde isso ocorre podemos afirmar que estamos diante de uma cleptocracia (que se caracteriza não apenas pela roubalheira geral do patrimônio público, senão também pela impunidade dessa ladroagem). Considerando-se os dados de 2012 temos o seguinte: a Justiça brasileira, nesse ano, condenou 205 pessoas por corrupção, lavagem e improbidade. Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça mostrou ainda que, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2011, quase 3 mil processos por esses tipos de crime foram extintos por prescrição. Infográfico feito pelo jornal Gazeta do Povo mostra o seguinte:
Juzes fora da lei

A Justiça brasileira, como se vê, com 3 mil prescrições anuais somente nessa área da corrupção e improbidade, é uma indústria fértil de prescrições (que ocorrem quando o Estado perde o direito de punir em razão do transcurso do tempo), que vêm beneficiando inclusive muitos políticos (Sarney, Maluf, Jader Barbalho etc.). Ela funciona muito mal e é extremamente morosa (daí a desconfiança da população, em todas as pesquisas na última década). Muitas vezes ela não tira proveito material da criminalidade organizada P6 (Parceria Público/Privada para a Pilhagem do Patrimônio Público). Mas, com tantas prescrições (milhares por ano, como se pode notar no Infográfico acima), não se pode negar que seja conivente com o malfeito, com a corrupção, em suma, com a cleptocracia. A Justiça faz parte do sistema de impunidade reinante no País, que beneficia todo tipo de criminoso, incluindo especialmente os larápios que vivem da pilhagem do dinheiro público.
Luiz Flávio Gomes
Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A receita para quebrar o Brasil - ELIO GASPARI


O GLOBO - 22/02

Dois exemplos do que se faz, sem muito barulho, para destruir as contas públicas, arruinando o país


Em novembro a doutora Dilma sancionou um projeto refinanciando as dívidas de Estados e municípios. Coisa de R$ 500 bilhões, que deveriam ser pagos até 2039. Governadores e prefeitos que herdaram o espeto mexeram-se para mudar as condições de pagamento. No carro-chefe ficou o comissário de São Paulo Fernando Haddad. Argumentava que a cidade tinha perdido a capacidade de investimento. Mudando-se o sistema, sua dívida cairia de R$ 62 bilhões para R$ 36 bilhões. Como dinheiro não nasce em árvore, a Viúva perderá receita. Neste ano, seria uma mixórdia, apenas R$ 1 bilhão. Quem pagou tudo direitinho ferrou-se.

Esse assunto não tinha personagens satanizáveis nem podia ser tratado como um escândalo. Teve até o apoio do PSDB. Virou uma coisa boa.

Quatro anos antes, o mesmo Fernando Haddad estava no ministério da Educação e mudou as regras do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, o Fies. Vivendo na ponta que distribui dinheiro, baixou os juros para 3,4% ao ano, ampliou os prazos de pagamento para três vezes o tempo de duração do curso e relaxou as exigências para os fiadores. Criou-se a fiança solidária, bastando juntar três colegas da faculdade. De onde sairá o dinheiro emprestado a juros subsidiados e em condições imprevisíveis de retorno? Um palpite: da bolsa da Viúva.

Aquilo que poderia ser uma boa iniciativa virou uma estatização do risco do financiamento das universidades privadas. Esse tipo de crédito é socialmente necessário, desde que seja matematicamente sustentável. Faculdades estimularam seus alunos a migrar para o Fies e, com isso, o número de bolsistas passou de 150 mil em 2010 para 4,4 milhões em 2014. Os financiamentos pularam de R$ 1,1 bilhão para R$ 13,4 bilhões. Há faculdades onde os alunos que pagam as mensalidades tornaram-se uma raridade. Formaram-se conglomerados universitários, com ações na Bolsa. O repórter José Roberto Toledo mostrou que, entre 2012 e novembro de 2014, enquanto o Ibovespa caiu 18%, as ações do grupo Kroton, com um milhão da alunos, valorizaram-se em 500%. (Em 2014 o grupo recebeu R$ 2 bilhões do Fies, cifra inédita até para a Odebrecht.)

O ministro Cid Gomes quis colocar método na maluquice, exigindo padrões de desempenho acadêmico às escolas, notas melhores dos alunos para o acesso ao programa e associou parte do desembolso à formatura do jovem. Prenunciou-se uma "catástrofe". Ou, nas palavras de Gabriel Mario Rodrigues, presidente da guilda da escolas privadas, "o governo fez uma cagada", "o ministro não é do ramo" e "fala demais". Com toda razão, ele diz que "não podemos confiar no governo". Nem eles nem a torcida do Flamengo. Com a ajuda de parlamentares e de "gente trabalhando nas altas esferas" (em quem confiam), as empresas se articulam para desossar as medidas.

Ganha um fim de semana na Guiné Equatorial quem acredita que esses financiamentos dados com critérios frouxos e fianças capengas fecharão a conta na bolsa da Viúva. Vem por aí outro rombo. Como aconteceu com a dívida dos Estados e municípios, certamente será renegociado, noutros governos. É assim que se quebra um país.

CPI

Será instalada nesta semana a terceira CPI para investigar roubalheiras na Petrobras.

Na melhor das hipóteses, vai dar em nada, como as demais. Na pior, vai dar em tenebrosas transações, como aconteceu com suas antecessoras que investigaram as tramoias de Carlinhos Cachoeira e aquelas praticadas no Banestado.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e está preocupado com a composição do Supremo Tribunal Federal em 2021. Seis anos depois de ter sido deflagrada a Operação Castelo de Areia, o ministro Luís Roberto Barroso sepultou-a. Ela investigava roubalheiras de empreiteiros. O cretino teme que aconteça a mesma coisa com a Lava Jato.

Em todos os casos, essas investigações atolam porque descobre-se que foram alavancadas por ações ilegais. Contaram-lhe que esse respeito ao que parecem ser pequenos detalhes foi estabelecido nos Estados Unidos em 1966, no caso de Ernesto Miranda, um cidadão acusado de ter matado uma menina. Ele confessou o crime, mas a polícia não lhe disse que tinha o direito de ficar calado. Miranda recorreu à Corte Suprema numa folha de papel almaço, ganhou e foi libertado. Daí em diante, tornou-se sinônimo do direito dos presos.

Eremildo foi atrás desse caso: O processo foi reaberto na primeira instância, Miranda foi a um novo julgamento e tomou uma cana de vinte anos. Libertado condicionalmente em 1972, morreu numa briga de bar.

Eremildo concluiu que, quando a Justiça quer, funciona.

Festa

Marta Suplicy comemorará seu aniversário com uma festa no dia 20 de março.

Mais uma dor de cabeça para os petistas que pensam em apagar seu verbete da enciclopédia soviética.

DE SOBRAL.PINTO@EDU PARA JUIZ.MORO.JUS

Meritíssimo juiz Sergio Moro,

Quando eu estava aí, minhas cartas eram longas. Esta será curta. O senhor disse que o encontro dos advogados das empreiteiras com o ministro da Justiça é "intolerável". Não é. Falta o senhor provar que eles trataram de assuntos impróprios. Fui de um tempo em que advogados iam para a cadeia porque defendiam comunistas. Na minha conta devem ter sido uma dezena, alguns deles sequestrados. Meteram-me numa enxovia em Goiás. Veja só: nós sabíamos que nossos clientes eram comunistas, mas nosso papel era defendê-los. Eu nada cobrava a eles. Como magistrado, o senhor tem duas obrigações: encarcerar os delinquentes e assegurar-lhes a defesa.

Acredite, jovem, mas até hoje o general Ernesto Geisel fecha a cara quando passa por mim. Não faz isso porque eu defendia subversivos durante a ditadura, mas porque em 1924, aos 31 anos, durante o governo de Artur Bernardes, eu era procurador criminal e tinha sob a minha exclusiva responsabilidade a direção da repressão legal aos criminosos políticos civis e militares que haviam atentado contra a ordem constitucional. Processei conspiradores e fui o iniciador no país da campanha eficiente contra o comunismo. Geisel fecha a cara porque entre os presos da época estavam os famosos "tenentes" que, como ele, viriam a ser os corifeus da ditadura de 1964. Como procurador, processei sediciosos e comunistas. Como advogado, defendi sediciosos e comunistas. Servi sempre ao direito. Não gosto de falar de colegas, mas guardo lembranças amargas de magistrados que se encantaram com o poder dos palácios ou com as vozes da rua.

Até hoje não vi na vossa conduta sinais de arbitrariedade. Não posso dizer se as prisões que o senhor decretou alongam-se em demasia, mas como procurador eu também não gostava de soltar presos.

Respeitosamente

Heráclito Sobral Pinto, advogado

O duelo entre fé e razão


HELIO GUROVITZ
22/02/2015 09h30
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Davos, na Suíça, é uma cidadezinha conhecida por reunir todo mês de janeiro líderes e celebridades globais, nas discussões do Fórum Econômico Mundial. Na reunião deste ano, um dos painéis questionava se a religião era a causa dos conflitos pelo planeta. Inevitavelmente, o debate foi dominado pelos atentados ocorridos dias antes em Paris. Previsivelmente, não chegou a lugar algum… Davos também é o cenário de um dos maiores romances do século XX, A montanha mágica, do alemão Thomas Mann. Publicado depois da Primeira Guerra Mundial, é uma obra fundamental para entender a mentalidade que originou o conflito e as transformações na virada do século XIX para o XX. Num sanatório para tuberculosos encravado nas montanhas suíças, estão representadas todas as forças que moviam a Europa de então e até hoje – de Paris a Copenhague; da Líbia a Chapel Hill – desafiam a humanidade.
Um jovem engenheiro alemão, Hans Castorp, chega ao sanatório Berghof com a intenção de passar três semanas, em visita a um primo tuberculoso. Num exame médico para investigar as causas de seu resfriado, descobre que ele próprio tem focos da doença. A descoberta o transforma – e Hans estica seu tratamento e sua estadia por sete anos, até a eclosão da guerra. Personagens chegam ao sanatório de toda parte do continente. À medida que Hans os encontra, amplia seus conhecimentos do mundo, se apaixona, se encanta e se decepciona. Mann nos apresenta a uma fauna humana que resume todas as nossas emoções e desejos, dúvidas e anseios, angústias e contradições. A riqueza de sua obra é descobrir, nos sentimentos desse grupo isolado nas montanhas suíças, a motivação para os terremotos históricos que sacudiam – e tornariam a sacudir – a “planície”, a milhares de quilômetros. Vemos irromper não apenas a Primeira Guerra, mas pressentimos os horrores do nazismo e do comunismo, a anos dali. Mann demonstra como a origem de todo conflito está, antes de qualquer violência, no plano das ideias.
Dois personagens dominam o choque de ideias – e ambos tentam seduzir o jovem Hans para sua visão de mundo. O primeiro é o italiano Lodovico Settembrini. Ele representa o “humanismo”, que vê a razão como sentido de nossos atos e pensamentos. Settembrini não se diz ateu, mas desconfia das religiões. Afirma que Deus e a natureza são uma coisa só. Entender o primeiro, diz, equivale a desvendar a segunda. Atribui à ciência todo progresso humano. Condena o ocultismo e qualquer forma de superstição sobrenatural. Franco-maçom, defende a democracia liberal, os Estados nacionais e acredita no livre-arbítrio dos indivíduos. Settembrini considera as artes e a literatura como uma forma de ação política. O objetivo de ambas, para ele, é a civilização.
LIVRO DA SEMANA A montanha mágica Thomas Mann  Editora Nova Fronteira 2005 960 páginas R$ 69,90  (Foto: divulgação)
O segundo personagem é Leo Naphta. Judeu da Europa Oriental convertido ao catolicismo, fora levado pela tuberculose aos Alpes e obrigado a abandonar seus estudos jesuítas. Por isso, não se tornara padre. A lacuna só fez crescer sua religiosidade. Naphta representa o “espiritualismo”, que vê a fé como sentido da vida e das ações. “A fé é o órgão do conhecimento, e o intelecto é secundário”, diz ele. Naphta acredita que a essência humana, o “espírito”, está separada do corpo e da realidade material. Defende de modo intransigente o misticismo e mesmo os atos sangrentos cometidos pela Igreja ao longo da história. Desconfia da ciência e das explicações racionais. Vê nelas a raiz para os horrores das rebeliões liberais, como a Revolução Francesa. Seu ideal político mistura o coletivismo à religião. É uma espécie de socialismo eclesiástico, baseado na hierarquia de uma Igreja cosmopolita. “Desconhece e não ama a juventude quem pensa que ela sente prazer diante da liberdade. O que ela aprecia mais é a obediência”, afirma. “Toda justiça penal e criminal que não brote da fé no além é uma sandice bestial.” Para ele, as artes devem revelar o sofrimento humano, a debilidade da carne; devem resultar de um esforço ao mesmo tempo “anônimo e coletivo”, em nome da devoção ao divino.
>> O afeto que se inicia

Ambos, Naphta e Settembrini, acabam por fazer apologia da violência. Naphta, fiel soldado da Companhia de Jesus, postula a disciplina férrea da Igreja e não lamenta o sangue derramado em nome dela. Settembrini acredita que a batalha pelas luzes inevitavelmente levará ao conflito com nações atrasadas – e para isso, diz, serão necessários os exércitos. As ideias de ambos perduram até hoje – seja no Estado Islâmico, ao perpretar sua barbárie sanguinária em nome da fé; seja nos governos que encaram seus ataques a inocentes no Oriente Médio como defesa da liberdade e da democracia. Ambas as argumentações dão margem a contradições. Ambas têm limites, e seria simplificador imaginar o contrário. Mas sempre é bom lembrar que, no duelo final com Settembrini, é Naphta quem perde – ao cometer suicídio.
Helio Gurovitz é jornalista (hgurovitz@edglobo.com.br)