quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Perplexidade - CELSO MING


O ESTADO DE S. PAULO - 13/02

Há enorme perplexidade dentro do governo com a disparada da inflação.

Nos últimos dias, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, deu declarações que não são do seu estilo. Reconheceu que está "desconfortável" com a escalada dos preços e admite que essa inflação persistirá nos próximos meses. Por enquanto, põe fé em que lá pelo final deste ano voltará a convergir mais ou menos espontaneamente para a meta.

A estratégia de esperar para ver parece perigosa. Não está claro se o governo Dilma está em condições de enfrentar o estresse de uma inflação acima de 6% ao ano por mais cinco ou seis meses. Além disso, está operando muito próximo dos limites. Não há folga para enfrentar imprevistos nem o que o então deputado Tancredo Neves chamava de "o imponderável".

Essa inflação aí já é parte do imprevisto e do imponderável. Nem o Banco Central nem a Fazenda esperavam por tanto. No último Relatório de Inflação, editado em dezembro, o Banco Central projetou para todo o ano de 2013 uma inflação de apenas 4,8% - número que, pouco mais de um mês depois, aparece como fortemente irrealista. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por sua vez, vinha apontando a baixa ou a relativa estabilidade dos preços internacionais das commodities como fator decisivo para redução das pressões inflacionárias internas.

O governo Dilma vem sendo surpreendido pelos fatos. Apostou todas as fichas na forte reaceleração da economia e vem trombando com a sucessão de pibinhos. Anunciou grandes investimentos, mas não consegue agilizá-los. Proclamou que a inflação seguiria comportada sem a necessidade de novos antídotos e, no entanto, vai sendo atropelado por esses números preocupantes do IBGE. Imaginava que a desvalorização cambial (alta do dólar) devolveria a competitividade ao setor produtivo, mas não consegue garantir o câmbio real (descontada a inflação) pretendido. Se é surpreendido pelos fatos, é óbvio que o governo não conduz o processo. Está, sim, sendo conduzido por ele.

Às vezes as autoridades dão sinais de que percebem a desarrumação dos fundamentos da economia. Mas não conseguem garantir nem disciplina orçamentária, nem inflação na meta, nem o câmbio prometido e muito menos o crescimento econômico projetado.

Basta ver a série recente das estatísticas do IPCA para saber que, ao menos por seis meses, a inflação anual tenderá a ficar acima dos 6,0%. Não está claro se o governo Dilma está em condições de enfrentar o estresse de uma inflação acima de 6% ao ano por todo esse tempo. E é um período longo demais para que o Banco Central e a Fazenda sigam somente divergindo e se omitindo mutuamente, vendendo essas diferenças como prova de autonomia.

Caso as despesas públicas sigam o ritmo previsto; caso o câmbio não possa ser usado como âncora dos preços; e caso o Banco Central siga impedido de puxar pelos juros, o ajuste se fará com mais inflação e menos crescimento econômico.

O problema é que essas coisas cobram um preço. Por enquanto, a presidente Dilma ostenta uma enorme poupança política. As classes médias brasileiras parecem satisfeitas porque hoje tem mais emprego, compraram carro, se alimentam melhor e, se não viajaram para Miami, já estão providenciando passaporte.

Enfim, a conta ainda não foi apresentada. Mas pode começar a ser na hora mais imprópria para o governo, às vésperas das eleições de 2014.


Sinais de desarrumação na política econômica - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 13/02

Há sinais de desarrumação na política econômica e um dos mais visíveis é a inflação. Ela foi alta em janeiro (0,86%) e em 12 meses (6,15%). Os núcleos do IPCA, índice que baliza o sistema de metas, não caíram abaixo dos 5% nos últimos 25 meses, pelo menos. Há choques de preços (alimentos é o principal deles) propiciando esses resultados nada favoráveis. Mas com o IPCA fugindo do centro da meta pelo terceiro ano consecutivo - e, em 2013, a caminho do quarto -, parece ter se consolidado novo patamar de preços, sustentado também pelos mecanismos de indexação infelizmente subsistentes na economia.

Inflação alta e a economia crescendo a uma taxa medíocre, ao redor de 1%, colocam em xeque a receita do governo de estímulos à economia. Os incentivos à demanda, que nunca foi fraca nos últimos anos, não foram suficientes para devolver um ritmo adequado de crescimento, pelo menos acima dos 3%. A situação externa não ajudou nessa tarefa, mas outros países emergentes, diante das mesmas dificuldades, têm se saído bem melhor que o Brasil, tanto em termos de expansão quanto de inflação.

A resposta oficial ao baixo dinamismo da economia mudou recentemente para melhor, embora os métodos utilizados obscureçam esse fato. Os estímulos setoriais ainda em vigor cedem lugar à redução dos impostos para boa variedade de setores, como é o caso da substituição da tributação da Previdência, que migra da folha de salários para o faturamento. A cesta básica está prestes a se livrar dos impostos federais. A tarifa de energia, uma das mais caras do mundo, foi cortada na marra, em uma ação cujos efeitos de longo prazo sobre a oferta de energia não são isentos de riscos.

O governo parece ter se convencido, corretamente, de que é chegada a hora de deslocar os incentivos do consumo para os investimentos. De forma geral, ele reduziu significativamente o custo de capital, ao derrubar bastante os juros. E, não sem um certo amargor ideológico, o governo com viés estatizante de Dilma deu passos em direção à iniciativa privada, ao destravar as concessões de aeroportos, portos, rodovias e ferrovias. A infraestrutura já era a indutora dos investimentos, e eles deverão ganhar celeridade e volume com a abertura de novas oportunidades a empresas privadas.

Os ajustes de política foram feitos, porém, em meio a sinalizações confusas ou claramente antagônicas. O caso mais ostensivo envolveu o câmbio. O Banco Central, ao encerrar o ciclo de baixa dos juros, comprometeu-se com a manutenção das taxas atuais por tempo "suficientemente prolongado". Para que isso se concretize em um cenário adverso da inflação, não há muitas opções. O mercado passou a nutrir expectativas no terreno cambial de que a valorização do dólar poderá ajudar nessa área. Isso, porém, piora as condições já ruins de competitividade da indústria. Há um dilema, o qual o ministro da Fazenda, Guido Mantega, procurou resolver com declarações precipitadas, indicando que tudo isso é legal, desde que o BC não jogue o dólar abaixo dos R$ 1,85, apontando um piso. No dia anterior, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, já havia dito, o que parece ter se tornado um segredo de Polichinelo, que o teto da cotação agora é R$ 2. Pode-se até adivinhar o que o governo quer fazer com o câmbio, mas uma coisa é certa: quando todos palpitam na questão, as chances de fracasso sobem exponencialmente.

A base da discussão cambial é a inflação. A política do BC foi correta, mas dizer que a variação dos preços convergirá para 4,5% de "forma não linear" em um futuro indeterminado é um cheque em branco sobre a credibilidade conquistada. Na prática, o desafio do BC hoje é impedir que a inflação ultrapasse o teto da banda.

A maior guinada, para pior, veio da política fiscal. Os investimentos avançam pouco por falta de poupança interna, mas, sem recursos, o governo decidiu que pode criar dinheiro em árvore, no pomar do BNDES. As macumbas para atingir a meta de superávit primário de 3,1% do PIB são desmoralizantes - e desnecessárias. Com superávit entre 1,5% a 1,8% do PIB, a relação entre dívida pública e PIB se estabilizaria. O pior sinal veio com a intenção de alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal, desfazendo a obrigatoriedade de que renúncias fiscais sejam acompanhadas da indicação dos recursos para cobri-las. Esse é o caminho seguro para mais inflação. 

É preciso cuidar da Petrobrás - ADRIANO PIRES



O ESTADÃO - 13/02

O ano de 2012 para a Petrobrás deve ser registrado para não ser repetido. A produção de petróleo caiu 2,3%; o lucro, 36%; o Ebitda, 14%; e a empresa chegou a registrar prejuízo de R$ 1,35 bilhão no 2.º trimestre. A situação difícil é resultado de anos de interferência governamental na empresa. O governo do PT usou e abusou da Petrobrás - na prática, privatizou a empresa em seu benefício próprio, transformando-a em instrumento de política econômica, de política industrial e de política partidária. Esta foi a 4.ª vez em que o lucro da empresa apresentou queda no governo do PT (2004, 2007 e 2009), e foi o pior resultado desde 2004. Aliás, 2012 guarda semelhança com 2004, quando a produção de petróleo também apresentou queda de 3,1%. É importante chamar a atenção: a deterioração observada deu-se num ambiente que seria considerado um cenário perfeito para qualquer empresa petrolífera, com preço do petróleo alto, demanda por derivados crescente e quase monopólio do mercado.

O principal motivo para o péssimo resultado da empresa em 2012 foi o controle dos preços dos combustíveis, que os manteve fortemente defasados em relação ao mercado internacional. Num ambiente de forte crescimento da demanda, a Petrobrás se viu obrigada a elevar vigorosamente suas importações de gasolina e diesel, ocasionando um prejuízo de R$ 34,2 bilhões na área de abastecimento. De fato, o prejuízo dessa área cresceu 136% em relação ao ano de 2011. Aumentos de custos, baixa de poços secos e a estagnação da produção, tanto doméstica quanto internacional, foram outros fatores determinantes do frustrante resultado operacional.

O resultado de 2012 só não foi pior por causa de R$ 2,6 bilhões em receitas financeiras, oriundas de operações contábeis com títulos públicos e reconhecimento de juros de depósitos judiciais. Esse é o famoso jeitinho brasileiro, que tem sido muito utilizado pela equipe econômica.

Com a piora da geração de caixa da empresa e o efeito da desvalorização cambial sobre a dívida, a relação dívida líquida/Ebitda elevou-se para 2,77 (em 2011 a relação era de 1,66), fato que pode provocar um futuro rebaixamento da classificação de risco da empresa, o que dificultaria e encareceria, ainda mais, o financiamento. Essa questão se torna ainda mais grave quando se leva em consideração a necessidade de caixa da empresa para fazer face aos investimentos dos próximos anos, em particular a produção no pré-sal.

Aparentemente, a empresa pretende elevar seu caixa e financiar seus investimentos à custa do acionista minoritário, por meio da diminuição do pagamento de dividendos, o que representa um retrocesso de governança. Pela primeira vez o dividendo dos papéis ON será muito menor do que o dos PN, R$ 0,47 e R$ 0,96 por ação, respectivamente.

Para 2013, as perspectivas também não são nada boas. Após o aumento insuficiente no preço da gasolina e do diesel concedido no final de janeiro, não há expectativa de novo reajuste por causa das preocupações com a inflação e da proximidade do período das eleições presidenciais. A manutenção da política de preços domésticos controlados e defasados da gasolina e do diesel se dará num contexto de aumento da demanda doméstica e elevação do preço do petróleo no mercado internacional em razão da recuperação econômica americana. Ou seja, os problemas de geração de caixa continuarão se agravando.

A presidente da Petrobrás procurou não dar falsas esperanças ao mercado ao declarar que 2013 será um ano difícil, com baixas de poços secos equivalentes às de 2012 e queda na produção por causa da necessidade de manutenção das plataformas, o que reforça a ideia de que há um longo trabalho para consertar as falhas de gestão dos últimos dez anos. Boas notícias, quem sabe, só em 2014. Mas, como a Petrobrás é um transatlântico, e, portanto, a mudança de rota é lenta, o mais provável é que a estatal só volte a encontrar os caminhos da eficiência e da lucratividade em 2016. Isso se o acionista majoritário passar a respeitar os interesses dos minoritários.

Vem aí um conclave inesquecível - ELIO GASPARI



O Globo- 13/02

É possível que se acabe a época de papados eurocêntricos que começou em 1978 com João Paulo II


Tudo o que se pode esperar da escolha do sucessor de Bento 16 é o fim de um Vaticano eurocêntrico. Desde que Karol Wojtyla tornou-se João Paulo 2º a Europa é o centro das atenções da Cúria. O papa polonês cumpriu uma fenomenal missão histórica ajudando a desmontar décadas de tolerância com as ditaduras comunistas. Seu sucessor teve um pontificado medíocre enrolado pela tolerância com escândalos sexuais e financeiros de sacerdotes. Um deles passou de raspão pelo Brasil, num trambique do namorado da atriz Anne Hathaway, sócio do sobrinho do atual decano do Colégio de Cardeais, o poderoso ex-secretário de Estado Angelo Sodano. A moça micou em US$ 135 mil e o rapaz foi preso nos Estados Unidos.

As dificuldades do Vaticano com suas finanças são antigas. Foi Pio 9º quem avisou: "Posso ser infalível, mas estou falido." Já os desempenhos sexuais de alguns sacerdotes, mesmo sendo coisa antiga, tornou-se uma encrenca recente, com a qual João Paulo 2º e Bento 16 nunca conseguiram lidar direito, envenenando a missão pastoral de dioceses europeias e americanas.

O eurocentrismo da Cúria Romana refletiu-se no Brasil. Durante o pontificado de Paulo 6º, Pindorama passou de dois para oito cardeais. Hoje tem cinco. Bento 16 deixou sem o barrete cardinalício as arquidioceses de Rio e Brasília. Porto Alegre teve cardeal e está sem. Recife, a primeira sé cardinalícia do país, está na segunda divisão desde os anos 60, quando a ditadura hostilizava d. Helder Câmara e não queria vê-lo cardeal. Se foi econômico com os barretes brasileiros, Bento 16 foi generoso aspergindo-os pela Europa. Elevou a diocese de Valência (800 mil habitantes), na Espanha, mas não confirmou o barrete de Porto Alegre (1,4 milhão de habitantes).

Quem especular o nome do sucessor de Ratzinger pode jogar cara ou coroa. Nos seis últimos conclaves elegeram-se três favoritos (Ratzinger, Paulo 6º e Pio 12) e três azarões (João Paulo 2º, João Paulo 1º e João 23, um gorducho que mal cabia nas vestes preparadas pelos alfaiates que trabalharam no conclave).

Pode-se esperar que depois de um papa saído da academia de teólogos e da burocracia de Roma, venha um pastor, como os dois João Paulo e João 23. Um administrador de diocese do Terceiro Mundo uniria o útil ao agradável. É assim que entra nas listas, com um sopro romano, o cardeal de São Paulo, d. Odilo Scherer, pastor de uma das maiores arquidioceses do mundo. Aos 63 anos, teria um longo pontificado. Ele tem uma característica anfíbia. É brasileiro, mas, como quatro outros cardeais brasileiros (Cláudio Hummes, Paulo Evaristo Arns, Aloísio Lorscheider e Vicente Scherer, seu parente distante), descende da imigração alemã. A mola mestra da eleição dos dois últimos papas foi a capacidade de articulação da hierarquia alemã.

D. Odilo lidera a facção conservadora do clero brasileiro, derrotada na última eleição da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e nas eleições gerais em que se meteu. Para consumo mundial, preenche o requisito de um papa do Terceiro Mundo, condição só superável pela escolha de um africano como Francis Arinze, de Lagos, na Nigéria. Mais que africano, Arinze tem 80 anos e passou 25 em Roma. Seria um papa de transição.

Com uma eleição marcada para o fim de março e um papa vivo, vem aí um conclave inesquecível.