Por Fernando Geronazzo
02 de outubro de 2017
Marília, estudante de Direito e Administração Pública, cedeu entrevista ao O SÃO PAULO, onde falou sobre a experiência vivida na peregrinação a cidades da zona desmilitarizada da Coreia do Sul, perto da fronteira com a Coreia do Norte e do esforço do governo coreano e da Igreja Católica em manter viva a esperança de uma Coreia unida, representando a Arquidiocese de São Paulo
Arquivo Pessoal |
Aos 21 anos, Marília Formoso Camargo, estudante de Direito e Administração Pública, representou a Arquidiocese de São Paulo em uma peregrinação a cidades da zona desmilitarizada da Coreia do Sul, perto da fronteira com a Coreia do Norte, entre os dias 14 e 20 de agosto, com o objetivo de conscientizar os jovens sobre o drama da histórica divisão entre os dois países e motivar as novas gerações a lutarem pela paz.
Organizado pelo Comitê pela Reconciliação Nacional, da Arquidiocese de Seul, em parceria com o Ministério da Unificação da Coreia do Sul, a Peregrinação Mundial da Juventude pela Paz reuniu 70 jovens sul-coreanos e estrangeiros. Única brasileira presente no evento, Marília, que pertence ao Movimento dos Focolares, concedeu entrevista ao O SÃO PAULO, na qual falou sobre a experiência vivida na peregrinação e do esforço do governo coreano e da Igreja Católica em manter viva a esperança de uma Coreia unida, 64 anos depois do fim do conflito, iniciado no final da 2ª Guerra Mundial, que resultou na divisão da península coreana ao meio. Confira a entrevista:
O SÃO PAULO – COMO VOCÊ FOI CONVIDADA PARA A PEREGRINAÇÃO?
Marília Formoso Camargo – Fui indicada pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, que recebeu um convite do Arcebispo de Seul [Cardeal Andrew Yeom Soojung] para que a Arquidiocese de São Paulo participasse da peregrinação. A Arquidiocese de Seul providenciou a viagem e minha acolhida no País.
QUAIS FORAM A ATIVIDADES DO EVENTO?
Nós caminhamos bastante até chegar a um observatório de onde se podia ver a Coreia do Norte. Na verdade, só conseguíamos ver as belezas naturais do País, não o seu povo. O má- ximo que avistamos foram algumas bases militares da Coreia do Norte. Acessamos muitos desses locais por meio de trilhas. Essa região da zona desmilitarizada foi transformada em um grande parque ecológico, criado justamente com o objetivo de incentivar a visita dos sul-coreanos, especialmente os jovens, para que reflitam sobre a paz. Lá, é possível fazer esportes radicais. Nós fizemos rafting no rio, andamos de bicicleta 17 quilômetros sob chuva, subimos montanha. Tudo para acessar aos lugares de observação da região. À noite, nos dividíamos em grupos e conversávamos sobre dois temas: divisão e conflito. Cada um falava a partir das experiências vividas em seu país.
COMO FORAM ESSAS PARTILHAS?
Como foram essas partilhas? Havia jovens da Síria, Iraque, Palestina, Timor Leste, Myanmar, Croácia, Bósnia, Tanzânia, Ruanda, Camboja. Todos esses passaram por guerra, às vezes, até me sentia um pouco fora. Esses jovens, portanto, tinham a guerra muito presente em suas vidas. Lembro-me que quando passamos em um caminho onde havia avisos de minas antigas instaladas nos arredores, uma jovem recordou que seu pai havia morrido na explosão de uma mina na guerra do Camboja. Da Síria, por exemplo, havia dois jovens. Eu era a única pessoa de um País que nunca havia passado por uma guerra.
E O QUE VOCÊ PARTILHOU COM ELES?
Eu falei sobre a situação política do Brasil, na qual vivemos uma divisão que não é territorial, mas pode ser considerada a divisão de um povo. Foi difícil para alguns dos jovens coreanos entenderem esse conceito de divisão, até por uma dificuldade de tradução do inglês para o coreano. Para eles, era algo abstrato entender a divisão ideológica que existe no Brasil. Quando em uma sala de aula as pessoas estão polarizadas de um lado ou de outro também existe uma divisão e é muito difícil de construir a paz. Às vezes, precisamos suprir essas divisões para que isso não se torne conflito no futuro. Algo interessante é que, para eles, a situação da Coreia não é política. Não sei se eles acham que é só uma questão histórica e que a política não pode resolver, que a rela- ção deles com a Coreia do Norte não é política.
E COMO OS JOVENS COREANOS LIDAM COM A DIVISÃO ENTRE AS COREIAS?
Eu percebi que os jovens que se propõem a ir em um ambiente desses querem construir a paz e para eles a unificação é algo muito importante. Eu senti que o líder do meu grupo, por exemplo, ficava muito triste quando falava da situação, mesmo que ele não tivesse passado diretamente por isso.
ESSA CONSCIÊNCIA É GERAL?
Não. Eu penso que este é o propósito desse tipo de encontro: conscientizar a nova geração. Essa divisão aconteceu em 1953. Os jovens não passaram pela experiência concreta de terem suas famílias divididas. A maioria deles nunca sequer teve contato com alguém do outro lado. Eles acham, no geral, que nunca mais vai haver guerra. Existe, na região da fronteira, o Museu da Unificação do Futuro da Coreia, que permite às pessoas imaginarem como seria uma visita à Coreia unida. Há uma espé- cie de simulador de um carro com o qual se cruza a península do Sul ao Norte em uma rodovia virtual. São experiências para despertar o interesse, para contribuir com o futuro da Coreia.
E QUAL É O PAPEL DA IGREJA CATÓLICA PARA A PAZ ENTRE AS COREIAS?
Embora muitos dos jovens que participaram do encontro não fossem cristãos, foi um evento organizado pela Igreja, que promoveu discussões não falando diretamente do Evangelho, mas sendo evangelho vivo. Eu senti que realmente quando se pensa em um Deus que é uno, é como se fosse a arma mais poderosa, nenhuma bomba a destrói. E muitos jovens foram atraídos pela proposta.
QUAL FOI O IMPACTO DESSA EXPERIÊNCIA PARA VOCÊ?
Essa experiência me abriu um leque de 360 graus. Me deu uma vontade de não parar nisso, de construir a paz aqui. Eu não tenho capacidade de estar lá, mas posso fazer minha parte para construir a paz aqui. Me motiva nas coisas que eu estudo, para que, de fato, contribua para o mundo nem que seja para minha cidade. Situações que não forem zeradas agora podem gerar o que aconteceu lá. Eu senti que o Brasil está na fase da raiz do problema e que ainda dá para tratar se todos quiserem. O que nós passamos aqui é possível de ser solucionado e não podemos perder tempo. O ideal de querer o mundo unido não pode parar.
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