terça-feira, 31 de outubro de 2017

A escalada da violência, Nexo

O ano de 2016 foi marcado por 61.619 mortes violentas no Brasil, um número que inclui roubos seguidos de assassinatos, crimes passionais, mortes causadas por policiais e disputas entre criminosos. É um aumento de 4,7% em comparação com 2015, e o maior patamar da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma entidade que reúne pesquisadores e policiais e que compila desde 2007 anuários da violência com base em registros de ocorrências do país inteiro. A taxa de mortes violentas para cada 100 mil habitantes também é a maior já registrada: foram 29,9, uma alta de 3,8%. As vítimas são na maioria das vezes homens negros, jovens e moradores das periferias. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública destaca que o número de mortes em 2016 equivale ao número daquelas causadas pela bomba nuclear que dizimou Nagasaki em 1945 no Japão. No primeiro semestre de 2017, a Guerra da Síria, por exemplo, custou 5.381 vidas de civis. Veja abaixo quatro pontos que ajudam a compreender o aumento das mortes violentas no Brasil em 2016. AS MORTES EM NÚMEROS     Violência está avançando no interior O Fórum Brasileiro de Segurança Pública destaca que as mortes nas capitais tiveram uma redução de 4,3%, atingindo 14.557 vítimas. Isso não ocorreu de maneira uniforme: Belém, Recife e Rio de Janeiro, por exemplo, tiveram alta no número de mortes em comparação com 2015. Mesmo assim, os números apontam que o aumento do número de vítimas no geral é puxado por cidades do interior. Em entrevista ao Nexo, a consultora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Olaya Hanashiro afirma que a violência tem aumentado em cidades de pequeno e médio porte, principalmente no Nordeste, mas que isso também ocorre no interior de outras regiões do país. Ela avalia que a falta de equipamentos públicos adequados, e não só a falta de forças de segurança, podem levar à escalada de conflitos e gerar violência. “Se vizinhos brigam por um terreno que não está legalizado e não houver a presença do Estado como mediador de conflitos, provavelmente eles vão resolver a desavença entre eles.” Ela também avalia que a crise penitenciária, em que grupos como PCC e Comando Vermelho entraram em embates em prisões de diversos estados do país, indica o fortalecimento do crime organizado também no interior. Em entrevista concedida em março de 2016, o economista Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) afirmou que o aquecimento da economia brasileira nos anos 2000 pode ter impulsionado inclusive mercados ilegais no interior. “Na década de 2000, a renda cresceu muito. Muita cidade pequena que não tinha renda passou a ser um mercado viável para as drogas, o que traz consigo a violência”, afirmou. Mais roubos, mais latrocínios O número de roubos seguidos de morte teve uma forte alta nos últimos anos. Foram 2.514 em 2017, um número 14% maior do que o do ano anterior, e 64% maior do que o de 2008.  MORTES EM ROUBOS   Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, avaliou que esse aumento das mortes em latrocínios é uma consequência do número maior de roubos no geral. “O latrocínio é um tipo de crime contra o patrimônio, não à toa as polícias falam que é o roubo que deu errado. Aumentando o roubo, como vimos em 2016, o latrocínio também vai crescer, gerando esses dados espantosos”. Mesmo com a alta, o número de registros de pessoas mortas por criminosos em roubos não representa nem 60% das mortes causadas por policiais. Polícia responde por 6,9% das mortes Policiais civis e militares, em serviço ou em horário de folga, responderam por 4.224 mortes em 2016. O número corresponde a 6,9% de todas as mortes violentas intencionais no Brasil em 2016, uma proporção inédita desde que esse tipo de levantamento pelo FBSP começou a ocorrer, em 2012. O perfil das vítimas da letalidade policial é similar ao de outros anos: 99,3% são homens, 81,8% têm entre 12 e 29 anos e 76,2% deles são negros. POLICIAIS RESPONDEM POR 6,9% DAS MORTES   Segundo Hanashiro, “se comparamos com qualquer métrica internacional ou com o número de policiais feridos em atividade, temos um número desproporcional”. Ela diz que é possível que parte da violência policial letal seja um último recurso para se proteger, e que esteja dentro da legalidade, mas “vemos por esses números que há alguma coisa errada”. A pesquisadora avalia que há uso irregular da força policial, sem passar por todas as regras de abordagem, e que há casos de execuções. Embora em proporção muito menor do que as mortes que eles causam, os policiais também são vitimados em grande número. “Temos a polícia que mais mata e mais morre, o que indica que as instituições não estão conseguindo viabilizar uma situação adequada para os profissionais” Houve em 2016 437 mortes de policiais, uma alta de 17,5% em relação ao ano anterior. Desses profissionais, 56% eram negros, 43% eram brancos e 1% pertencia a outras categorias. POLICIAIS SÃO VITIMADOS A maior parte das mortes, 268 no total, ocorreu quando os policiais estavam fora de serviço, uma realidade que se repete na maior parte do país. Segundo Hanashiro, é comum que policiais façam bicos como seguranças privados, se expondo à violência também nas horas vagas, mas sem o apoio da corporação. Além disso, muitos têm o costume de andar armados, o que faz com que sejam alvo de violência letal quando são identificados em assaltos, por exemplo. “Tem uma cultura de o policial achar que tem que agir 24 horas por dia e reagir a um assalto, mesmo quando não está trabalhando e não tem apoio”, afirma Hanashiro. Falta de política pública Apesar dos dados alarmantes, há poucas iniciativas estruturadas para reduzir a violência letal no Brasil, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, no que diz respeito à ampliação do acesso à saúde e no combate à pobreza. Hanashiro destaca que houve em 2016 uma queda de 12,6% no número de armas apreendidas, mesmo sem haver indícios claros de que o número de armas em circulação tenha diminuído. Quando se somam gastos de União, estados e municípios houve uma redução de 2,6% nas despesas públicas com políticas de segurança pública, que totalizaram R$ 81 bilhões no total. Entre as políticas que tiveram aumento dos recursos esteve a convocação da Força Nacional, uma instituição sob comando do Ministério da Justiça formada principalmente por policiais militares, bombeiros, e policiais civis oriundos de forças estaduais. A Força Nacional costuma ser mobilizada para atender situações de crises na segurança pública dos estados. Segundo o Fórum, houve aumento de 292% no número de profissionais mobilizados em 2016, e gastos de R$ 319,7 milhões. Para Hanashiro, assim como a convocação das Forças Armadas, essa é, no entanto, uma política custosa e paliativa, que não se reverte em ganhos de segurança pública no longo prazo. A pesquisadora avalia que uma política estruturada precisaria contar com uma coleta melhor de dados pelo governo que permitiria criar políticas públicas e adaptá-las conforme o cenário muda, e que é preciso dar menos ênfase às forças de segurança. “De maneira geral, a questão da segurança pública tem um custo político muito alto. Ninguém gosta de chamá-la para si”, afirma Hanashiro. Em entrevista concedida em junho de 2017 ao Nexo, a advogada e consultora em segurança pública Isabel Figueiredo afirmou que acredita que a questão da violência letal não é priorizada porque “quem morre neste país é jovem, negro e homem, e é como se a morte dessa parcela da população não representasse um problema político grande para os governos”.

Nenhum comentário: