A gestão João Doria (PSDB) vai distribuir um composto para famílias em situação de carência alimentar e que procurem os equipamentos sociais da cidade de São Paulo. O produto em formato granulado será doado pela empresa Plataforma Sinergia, que fabrica o composto a partir de alimentos que estão perto da data de vencimento e fora do padrão de venda em supermercados.
A Prefeitura afirma que o produto é feito com itens de qualidade e que a medida evita o desperdício. A ação faz parte da Política Municipal de Erradicação da Fome, lançada pelo prefeito nesta semana. A distribuição será feita nos centros de assistência social e em cestas básicas para as famílias carentes.
Especialistas ouvidos pelo G1 divergem sobre a medida. Parte deles faz ressalvas ou mesmo critica o uso do produto em vez de alimentos tradicionais.
É o caso do nutricionista Daniel Bandoni, pesquisador da Unifesp, que compara o produto a uma "ração" sem sabor. "Isso descontextualiza totalmente o caráter do que é comer. Comer é um ato que vai além de suprir nutrientes", afirma. "A gente não coloca só a comida na boca, mastiga e engole."
Ele explica que a alimentação precisa trabalhar os sentidos e que é uma prática também ligada à cultura. Para Bandoni, o uso de granulados pode afetar a autoestima da população submetida a esse tipo de alimento. Ele defende o uso apenas em casos emergenciais, quando não for possível adotar outras políticas de acesso a alimentos.
Ainda segundo o especialista, bancos de doações de alimentos já fazem trabalhos de limpeza e corte de itens que estão por vencer e fazem a distribuição sem descaracterizar os produtos. Empresas em São Paulo já doam alimentos perto da data de vencimento. A novidade é o formato granulado.
A nutriocionista Roseli Ueno afirma que a opção pelo granulado é válida e que esse tipo de alimento garante bom aporte nutricional. "É uma forma de agregar alimentos e fornecer nutrientes para aqueles que têm pouco acesso ou vivem em situação de fome". Ela opina que "jogar fora alimentos, quando há pessoas passando fome, não faz o menor sentido".
Roseli defende que o fornecimento do alimento deve ser acompanhado de uma fiscalização para garantir que ele chegue à população em boas condições de consumo. "É preciso ter qualidade, segurança, boa prática de fabricação e vigilância de fato, para saber se os nutrientes estão realmente presentes, sejam eles carboidrato, proteína, gordura, fibra, vitaminas ou minerai.” Sobre a aparência, Ueno diz considerar importante e ressalta que o granulado pode ser usado de base para fabricar outros alimentos.
Em sua página no Facebook, a vereadora Sâmia Bomfim (PSOL) afirmou que protocolou um requerimento nas secretarias envolvidas para buscar mais detalhes sobre a fabricação e a distribuição do alimento.
"É curioso a gestão Doria propor essa política depois de alegar que reduziu itens da merenda escolar para combater a obesidade. Assim como diminuiu a aquisição de produtos orgânicos distribuídos nas escolas. Segundo dados do Ministério da Saúde e do Inquérito de Saúde da Capital (ISA Capital), não há prevalência de desnutrição em São Paulo", diz.
Produtos
A empresa Plataforma Sinergia defende que o produto pode servir para fabricar alimentos, pães, snacks, bolos, massas e sopas, entre outros. O granulado será feito a partir de alimentos como batata e banana, segundo a empresa.
De acordo com Rosanna Perroti, presidente da Plataforma Sinergia, os alimentos serão processados com um produto granulado chamado pela empresa de Farinata. Ele será distribuído em pó, mas também poderá ser combinado com outros ingredientes, de acordo com a necessidade de um grupo específico ao qual será direcionado. "Então teremos um estoque de carboidratos e um estoque de fibra. Se o público for de criança, produziremos um alimento final que seja apetitoso e nutritivo a elas", disse.
Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse que a política de distribuição dos alimentos ainda está "sendo elaborada" e "seguirá as necessidades e os anseios da população". A princípio, não há possibilidade de o produto ser distribuído em escolas e creches como merenda escolar.
Segundo Perroti, a parceria vai permitir que a Prefeitura oriente mercados e indústrias da cidade a levarem alimentos para endereços fixos disponibilizados pela empresa.
Os nutricionistas ouvidos pelo G1 afirmam que somente com as informações disponíveis sobre o produto no site da empresa Plataforma Sinergia não é possível detalhar e comentar a sua composição nutricional. O site também não informa sobre testes de qualidade nutricional do produto.
Para a nutricionista Natália Soares, o cidadão tem o direito de se alimentar com comida na sua "forma natural". "Acho que está sendo feito um produto para suprir uma necessidade que não sabemos se de fato está sendo suprida e esquecendo o direito do cidadão de ter uma alimentação da forma natural através de frutas, legumes e verduras", afirma.
Também nutricionista, Andrea Marim opinou que o uso de granulado deve ocorrer apenas de forma emergencial, e não de maneira permanente e institucionalizada. "Deve-se dar preferência aos alimentos tradicionais", resume.
*Com supervisão de Márcio Pinho
Nenhum comentário:
Postar um comentário