Os funcionários mais graduados da empresa norueguesa Odfjell Drilling, no Rio de Janeiro, compartilham com milhares de pessoas as preocupações com a derrocada da indústria de petróleo no Brasil. Mas o pessoal da Odfjell pode relaxar a tensão da incerteza exercitando-se em uma sofisticada rede de academias, que cobra mensalidades de R$ 500. Os filhos dos funcionários estrangeiros da Odfjell estudam em escolas cujas mensalidades chegam a R$ 4 mil, mais uma taxa de matrícula de R$ 14 mil. O custo não sai de seus bolsos, nem do caixa da Odjfell. Quem paga a conta é a Sete Brasil, a empresa criada para fornecer à Petrobras sondas capazes de chegar ao petróleo alojado na camada pré-sal, mas que vive nas profundezas da falência.
Os benefícios à Odfjell estão garantidos por uma cláusula inserida em um contrato de 2012, no qual a norueguesa se comprometia a gerenciar a construção das sondas. Assim, só no ano passado, a Sete Brasil gastou US$ 8,3 milhões em reembolsos de gastos desse tipo da Odíjell, inclusive R$ 525 mil pela reforma de uma sala da sede da empresa, em Botafogo, Zona Sul do Rio. A Sete Brasil é generosa - paga a mais e não exige detalhes. Em dois anos, reembolsou US$ 12 milhões em gastos feitos pela Odebrecht Óleo e Gás. A Odebrecht nem detalhou 75% das despesas - alegou direito a sigilo. Outras duas fornecedoras - a Atlas, que tem a empreiteira OAS como uma das sócias, e a norueguesa Seadrill - tiveram o mesmo privilégio. O operador ainda recebe 15% acima do valor da fatura apresentada.
Ninguém prestava atenção em contratos assim, pixulecos em uma indústria que movimenta cifras de dezenas de bilhões de dólares, até que começou a faltar dinheiro. A Sete Brasil corre o risco de quebrar e causar perdas de R$ 9 bilhões a seus sócios e de R$ 16 bilhões a seus credores. No mês passado, a Sete Brasil demitiu 25 de seus 110 funcionários. Na penúria, uma auditoria nos gastos descobriu que a alquebrada desembolsou cerca de US$ 50 milhões, desde 2013, a título de despesa de pessoal de suas fornecedoras, empresas encarregadas de operar sondas que ainda nem saíram do estaleiro. Procurada, a Odfjell confirmou os reembolsos e alegou que eram previstos em contratos. Odebrecht, OAS e Seadrill não responderam aos pedidos de esclarecimento. Em nota, a Sete Brasil afirmou que o contrato "com os operadores foi formulado e aprovado pela administração anterior" e que "o plano de reestruturação da Sete Brasil não prevê esse tipo de contrato no modelo de negócios da companhia".
Criada em 2011, a Sete Brasil é um produto do tipo particular de capitalismo praticado no Brasil. Na empolgação da descoberta do pré-sal, o governo Lula decidiu que, em vez de comprar no mercado internacional, criaria uma empresa brasileira para fornecer sondas à Petrobras. Foi formada uma sociedade entre a estatal Petrobras, fundos de pensão de estatais, como Previ, Petros e Funcef, e bancos - BTG, Bradesco e Santander. O plano era construir 29 sondas. Mas a Sete Brasil já nasceu com o sistema do petrolâo instalado. A corrupção começou antes mesmo da produção. O presidente João Carlos Ferraz e os diretores Pedro Barusco e Eduardo Musa foram indicados aos cargos pela Petrobras. Nos últimos 11 meses, o trio se converteu em delatores da Lava jato. Barusco, ligado ao diretor preso Renato Duque, disse que recolhia propina de 1% nos contratos firmados pela Sete Brasil com estaleiros contratados para construir as sondas. A denúncia fez o BNDES recuar de um financiamento de US$ 10 bilhões, desencadeando a crise que levou a companhia a dar calote em bancos e estaleiros.
A esperança da Sete Brasil é arrancar da também combalida Petrobras um contrato de fornecimento de sondas para evitar que os credores peçam sua falência. Por várias vezes os credores aceitaram prorrogar prazos de pagamento, para evitar o prejuízo. O próximo prazo dado pelos bancos se esgota em 19 de outubro. Porém, dentro da Petrobras, há má vontade contra a Sete Brasil. Com a queda no preço do barril de petróleo, o valor inicialmente previsto para aluguel das sondas, de US$ 400 mil diários, está acima do mercado internacional. O risco de colocar a assinatura em um projeto investigado pela Lava Jato leva os técnicos da estatal a se apegar a filigranas que fazem as minutas do contrato ir e voltar quase indefinidamente. A última tentativa, no mês passado, em uma reunião com mais de 50 pessoas e a presença do presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, acabou derrubada. Os sócios querem que a Sete Brasil opere 14 sondas com parceiros e que os contratos sejam estendidos de 15 para 20 anos. A Petrobras quer a Sete Brasil operando apenas cinco sondas, ao lado de outros dois operadores, e por 15 anos. Sem acordo, acaba o sonho da grande Sete Brasil - e mimos como musculação e escola de graça para parceiros.
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