domingo, 18 de outubro de 2015

Amadorismo, por Delfim Netto (*) 14 de outubro de 2015



A preocupante situação da sociedade brasileira revela, cruamente, a validade do famoso teorema de Thomas: se os homens definem uma situação como real, ela será real em suas consequências. Ele inspirou a ideia da “profecia autorrealizável” e, talvez, a da “profecia autodestrutiva” que estamos vivendo.
Hoje todos estamos inseguros. Os trabalhadores “temem” pela continuidade do seu emprego; os empresários “temem” a falta de demanda e se recusam a investir; o sistema financeiro “teme” a inadimplência dos dois e restringe o crédito, que, praticamente, desapareceu. Esse “temor” generalizado interrompeu o circuito econômico.
Caíram o crescimento do PIB e a receita pública, uma das causas eficientes da rápida deterioração fiscal (a outra é a rigidez institucional das despesas públicas).Comprometeu ainda mais a capacidade de o governo reconquistar a “confiança” dos setores sociais e econômicos, que vêm os seus “temores” reforçados…
É tão simples assim: perdeu-se a confiança no discernimento e na capacidade de ação do Executivo. Essa é a “situação” (não importa se imaginada ou real) que determina a reação de cada cidadão que tira dela a consequência real: um comportamento defensivo cauteloso e infeliz, que torna real a tragédia profetizada.
A presidente Dilma é a mesma pessoa física que no final de 2011 tinha 92% de aprovação (59% de ótimo/ boa mais 33% de regular), ano que, aliás, terminou bastante bem: o PIB cresceu 3,9%; a taxa de inflação foi de 6,5%; o superavit primário foi de 2,5% do PIB e a relação dívida bruta/PIB diminuiu ligeiramente para 51,3%. Para entender as consequências do teorema de Thomas, lembremos que, no primeiro trimestre de 2013, Dilma atingiu os píncaros: os mesmos 92% de aprovação, mas com 65% de ótimo/ bom e 27% de regular. Ela e os cidadãos definiam a mesma situação geral e esta parecia recomendar a política de mais do mesmo…
Isso revela os perigos que decorreram do teorema de Thomas. Para Dilma, havia um visível autoengano. Para a sociedade, havia a aceitação passiva de medidas bem intencionadas que ignoravam que as consequências viriam depois.
Entretanto, era evidente para qualquer observador relativamente bem informado que o novo ativismo voluntarista iniciado em 2012 iria terminar muito mal, principalmente depois da alquimia de dezembro, que transformou “dívida pública” em “superavit primário”…
Dilma foi reeleita.
Não lhe resta (nem a nós!), outra alternativa que não a de tentar, seriamente, recuperar o seu protagonismo e abandonar o amadorismo político que tem revelado.
(*) ex-ministro da Fazenda e escreve às quartas-feiras na Folha de S.Paulo – Opinião

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