quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Porque a cesárea agendada é questão de saúde pública + nota Sogesp - íntegra


POR GIOVANNA BALOGH
14/01/15  18:04
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Médica optou em ter seu bebê em um parto  humanizado hospitalar (Foto: Anna Amorim)
Médica  Renata Dourado optou em ter seu bebê em um parto humanizado hospitalar (Foto: Anna Amorim)
Ela queria muito o parto normal, o médico dizia para ela durante todo o pré-natal que o nascimento do filho seria como ela deseja. Mas, no decorrer da gestação, o médico explicou que o bebê era grande demais e que ela, por ser magra e pequena, não poderia ter seu bebê via vaginal. Ou seja, era preciso marcar a cesárea.
Casos como esse são mais comuns do que imaginamos nos consultórios brasileiros. As explicações dadas pelos obstetras também variam. Circular de cordão, bebê grande, bebê pequeno, mãe ‘velha demais’ ou ‘nova demais’, ‘magra demais ou gorda demais’ para parir. Enfim, as justificativas dadas são variadas, mas o destino da maioria das mulheres que usa os consultórios acaba sendo um só: o centro cirúrgico com uma cesárea agendada.
Pesquisa da Fiocruz divulgada no ano passado mostra que quase 70% das gestantes quer um parto normal, mas apenas 15% conseguem na rede privada em sua primeira gestação. Da segunda em diante, com uma cesárea anterior, esse índice pode ser ainda menor.
As medidas divulgadas na semana passada pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e do Ministério da Saúde querem estimular o parto normal e fazer com que a cesárea seja exceção e não regra para evitar, por exemplo, a prematuridade de bebês que são retirados dos úteros antes da hora.
Se um bebê nasce de cesárea com 38 semanas, ele pode ter apenas 36 semanas pois os exames não são precisos e podem errar a data gestacional 15 dias para mais ou para menos, o que pode ser arriscado para a vida do bebê. Esses recém-nascidos precisam normalmente de internação maior por conta dos pulmões não estarem amadurecidos.
Entre outras medidas, a resolução dá o direito da paciente ser informada se o médico é ou não adepto da cesariana.
A partir de agora  a gestante poderá solicitar para o plano de saúde os percentuais de cirurgias feitas pelo médico e pelo estabelecimento de saúde onde pretende ter seu bebê. Os dados devem ser informados em até 15 dias após ser solicitado pela parturiente. Se a operadora se recusar a passar as informações, poderá ser multada em R$ 25 mil.
Atualmente, 23,7 milhões de mulheres são beneficiárias de planos de saúde. As regras passam a ser obrigatória em seis meses.
A resolução não proíbe nem é contra a mulher que quer agendar a cesariana, mas a favor daquelas que querem o parto normal pelo plano de saúde e não conseguem. Os planos pagam pouco por um parto (em média de  R$ 300 a R$ 800), ou seja, o obstetra ganha mais em um dia de consultório do que em um parto onde é responsável por duas vidas.
Atualmente, no setor privado as cesáreas chegam a 84% enquanto na rede pública são 40% dos partos. A recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%.
A cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados a prematuridade, muitas vezes originadas por cesarianas marcadas com antecedência maior do que o saudável para alguns bebês.
Então, qual seria uma solução viável? Como já acontece em países de primeiro mundo, os obstetras poderiam trabalhar em equipes onde mais de um médico atenda uma gestante para que ela não fique desassistida ao entrar em trabalho de parto e o médico possa, é claro, viajar, organizar seus horários no consultório e não ficar 24 horas, sete dias por semana disponível para a paciente.
Outra opção seria uniformizar a atenção ao parto, onde a gestante é atendida por equipes de plantão nas maternidades. Com a nova resolução da ANS, as pacientes vão ter a carteira da gestante. Neste documento vão constar todas as informações do pré-natal para que a gestante possa ser atendida por qualquer profissional pois no cartão haverá todo o seu histórico, com resultados de exames e detalhes sobre a evolução da gravidez.
Com essa carteira da gestante, essas equipes poderiam ser compostas por enfermeiras obstetras, obstetrizes, médicos obstetras, anestesistas e pediatras.
Na Inglaterra, por exemplo, a cesárea não é dada como opção. Ela só é feita em caso de alguma intercorrência na gestação. Apenas alguns poucos hospitais privados aceitam a cesárea marcada, mas os custos são pagos pela gestante, não pelo sistema de saúde.
“Não podemos aceitar que as cesarianas sejam realizadas em função do poder econômico ou por comodidade. O normal é o parto normal. Não há justificativa de nenhuma ordem, financeira, técnica, científica, que possa continuar dando validade a essa taxa alta de cesáreas na saúde suplementar. Temos que reverter essa situação”, enfatizou o ministro da Saúde, Arthur Chioro, durante a coletiva realizada no último dia 7. O ministro disse ainda que a ‘epidemia de cesáreas’ deve ser tratada como um problema de saúde pública.
As medidas da ANS só foram feitas após a Justiça Federal promover uma audiência pública em agosto onde pressionou a agência a fiscalizar os planos de saúde. O MPF (Ministério Público Federal)   entrou com uma ação em 2010 exigindo que a ANS cobre dos convênios medidas para reduzir as cirurgias. Na audiência, a ANS se comprometeu em dar uma resposta e, como após a ação as taxas de cesariana no setor continuaram a subir, as medidas foram divulgadas.
As operadoras também vão ter que orientar os obstetras a utilizar o partograma,  um gráfico a ser anexado no prontuário que detalha tudo o que ocorreu durante o parto, com dados sobre a evolução do trabalho de parto. Esse documento possibilitaria uma avaliação posterior sobre a real necessidade de uma cesárea. O partograma já é uma recomendação da OMS e do Ministério da Saúde, sendo usado na maioria das maternidades públicas do país.
Nos casos em que houver justificativa clínica para a indicação de cesariana sem trabalho de parto, ou seja, sem o uso do partograma,  deverá ser apresentado um relatório médico detalhado. O partograma passa a ser considerada obrigatório para que seja feito o pagamento do parto pelo plano, ou seja, para receber o médico terá que permitir que a mulher pelo menos entre em trabalho de parto, o que normalmente não ocorre no país.
Os conselhos de medicina informaram ser contra as medidas pois justificam que devem receber pelo serviço prestado. As entidades dizem ainda que as mulheres é que optam pela cesárea pois não querem, por exemplo, sentir dor e que a opção pela cesárea não é exclusiva dos médicos.

A POSIÇÃO DA SOGESP SOBRE AS DECLARAÇÕES DO MINISTRO ARTHUR CHIORO E DA ANS

Na última semana, o Ministro da Saúde Arthur Chioro anunciou medidas adotadas pela ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar para a redução do número de cesarianas na assistência suplementar.
 
As regras dispostas na Resolução Normativa –RN 368 da ANS consistem, basicamente, em informar a gestante o percentual de partos normais e cesáreas do profissional e do hospital, quando solicitado; exigir o preenchimento da  carteira da gestante e o registro da evolução do trabalho de parto em um documento conhecido como  partograma.
 
Na avaliação da SOGESP – Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo, as novas regras são inócuas e escondem as principais causas para o índice abusivo de partos cirúrgicos no Brasil. Ademais, fixar percentuais de cesáreas em 15% usando dados antigos da OMS é desconhecer que estes índices não são, nos dias atuais, alcançados por nenhum país de primeiro mundo com assistência obstétrica bem estruturada. Tampouco serão atingidos em nosso país, na saúde suplementar ou na saúde pública, por melhor sucedido que possa ser qualquer programa de incentivo ao parto normal.
 
O Ministro da Saúde a os dirigentes da ANS sabem ou deveriam saber que existem problemas subjacentes muito mais sérios para o elevado número de cesáreas que estão ocorrendo no sistema de saúde suplementar no Brasil. Apenas para citar alguns, vale lembrar a redução progressiva do número de leitos obstétricos nos hospitais e maternidades credenciados, a falta de ambiência adequada nos hospitais e maternidades e a falta de equipes de plantonistas presenciais apropriada para assistência obstétrica nas maternidades. Imaginar que categorizar obstetras como bons ou ruins pelos seus percentuais de cesáreas seja a solução para o problema é, no mínimo, na melhor das hipóteses, um desconhecimento profundo do problema. Isto não resolve. É o mesmo que imaginar que carimbando médicos de outras especialidades pelos seus percentuais de realização ou não de determinados procedimentos específicos de suas especialidades, vá se resolver todas as mazelas que vive o sistema de saúde suplementar nos dias atuais.
 
A assistência ao parto realizada pela equipe obstétrica de plantão nos hospitais e maternidades é um modelo já conhecido  nos países desenvolvidos resultando em maior percentual de partos normais. No Brasil, o SUS, também apresenta melhores índices  de partos normais, quando a assistência é realizada por meio de obstetras de plantão.  
 
Em verdade, a expectativa que se tinha, caso, efetivamente, a proposta fosse reduzir o número de cesáreas desnecessárias, era de que o ministro Chioro e a ANS fizessem uma análise mais profunda do problema. Não que viessem com uma solução que apenas joga a questão no colo dos obstetras como se fossem estes os únicos responsáveis.  O grande enfrentamento que o ministro e a ANS precisam ter é com as operadoras de planos de saúde para exigir que as maternidades credenciadas tenham equipes de assistência obstétrica de plantão 24 horas – contemplando médicos obstetras, anestesistas, neonatologistas e enfermeiras com especialização em obstetrícia. Sobre isso, no entanto, nem o ministro, nem a ANS teceram qualquer consideração.
 
Vale analisar também o ponto em que esta nova medida considera que as operadoras deixem de remunerar o profissional que realizou o parto caso não tenha sido construído o partograma. Não se deve misturar normas de procedimento médico com pagamento de ato médico. Esclareça-se que o partograma é uma representação visual e gráfica dos eventos relacionados à evolução do trabalho de parto, descrita pelo profissional médico que realiza a assistência ao trabalho de parto. Em nenhuma hipótese, a sua não realização pode embasar o não pagamento ao trabalho efetuado. Se identificada alguma irregularidade cometida pelo obstetra, esta deve ser denunciada às instâncias éticas de sua unidade hospitalar e, quando for o caso, ao Conselho Regional de Medicina.
 
Portanto, as principais causas do número abusivo de cesáreas seguem camufladas e as ações anunciadas não servirão nem como paliativo. Por sua vez, a simples informação à beneficiária sobre as taxas de cesárea e parto normal do médico é simplória e desconsidera as cesáreas feitas a pedido da paciente e também não ressalva os profissionais que realizam assistência a gestações de alto risco, hipótese em que, a ultimação do parto, na grande maioria dos casos se dá por cesárea, tanto por indicação materna quanto fetal.
 
Neste contexto, é salutar lembrar a autonomia da paciente enaltecida por Lei que consigna o legítimo direito da paciente optar, com base única em sua vontade própria,  pelo parto através de  cesárea sem que  para isso tenha que entrar em trabalho de parto. Sobre esta questão já se manifestaram claramente em nosso país o Conselho Federal de Medicina – CFM, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia - FEBRASGO e internacionalmente, entre outros, apenas para citar um pela sua alta representatividade, o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia - ACOG.
 
A par das medidas inócuas desta Resolução Normativa, na avaliação da SOGESP, o Ministro da Saúde e a ANS prestaram também um grande desserviço à sociedade ao não salientar as situações em que a cesárea é o melhor procedimento para salvaguardar a saúde da mãe e do feto. Existem indicações precisas para tanto, a exemplo, entre outras da placenta prévia centro total, da cesárea iterativa (duas cesáreas anteriores ou mais) e de incisões cirúrgicas prévias sobre o útero como acontece nas pacientes submetidas a retirada de miomas com preservação do útero (miomectomias prévias). Não considerar estas situações em que a cesárea é recomendada e se não realizada causa sérios danos à saúde da mãe e do feto é simplesmente demonizar a cesárea, aumentar a desinformação e causar insegurança às gestantes quando de sua internação para dar à luz.
 
A SOGESP quer enfatizar com todas as letras que concorda com a necessidade de ações de educação e conscientização para a população e para a comunidade de profissionais de saúde envolvidos com a assistência obstétrica que incentivem o parto normal e, por consequência, reduzam o elevado índice de cesáreas atualmente observado no sistema de saúde suplementar. Mas, com igual ênfase, discorda das medidas sem efeito adotadas pela Resolução Normativa apresentada.
 
Assim, pelas razões expostas, frente a esta Resolução da ANS e às declarações do Ministro Chioro, a SOGESP vem a público RECOMENDAR:
 
 
RECOMENDAÇÕES ÀS GESTANTES:
 
1. Converse com seu obstetra durante o pré-natal procurando esclarecer suas dúvidas sobre assistência ao parto e maternidades disponibilizadas pelo seu convênio de saúde.

2. Escolha conscientemente a via de parto (normal ou cesárea), visando o melhor para sua saúde e do seu feto. Para tanto, peça ao seu obstetra esclarecimentos que permitam a você entender com toda clareza os argumentos apresentados a respeito da melhor via de parto.

3. Considere que mesmo se junto com o seu obstetra optarem por um parto normal, podem, no transcurso do trabalho de parto, ocorrer anormalidades que precisem ser resolvidas por cesárea para preservar a sua saúde e a do seu bebê. Caso isto ocorra, não se sinta derrotada. Tenha a certeza de que, nestas circunstâncias, a cesárea foi a melhor solução para o seu caso.

4. Verifique se o hospital ou a maternidade onde pretende ter o bebê conta com equipe de assistência obstétrica completa de plantão composta por obstetras, anestesistas, pediatras neonatologistas e enfermeiras obstétricas, conforme assegura a Lei e o contrato de plano de saúde com cobertura obstétrica.
 
RECOMENDAÇÕES AOS OBSTETRAS:
 
1. Empregue rigorosamente o uso das  boas práticas de assistência ao parto com vistas sempre à saúde e ao bem estar da parturiente e do feto.

2. Ofereça todos os cuidados recomendados à parturiente em trabalho conjunto multidisciplinar e multiprofissional com uma equipe composta por anestesista, neonatologista e enfermeira obstétrica.

3. Registre no prontuário da parturiente, da forma mais apropriada possível todas as informações sobre a saúde da parturiente, a saúde do feto e a evolução do trabalho de parto.

4. Respeite a vontade da paciente quando a mesma solicitar que o seu parto seja por cesárea. Nestes casos, solicitar a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Registrar claramente na descrição do parto que a indicação de cesárea se deu por PEDIDO DA PACIENTE.

5. Respeite a vontade da paciente de ter ao seu lado um acompanhante ou uma doula.

6. Atente para as orientações do Conselho Federal de Medicina dispostas no Parecer 39/12 a respeito da remuneração pelo acompanhamento presencial ao trabalho de parto.
 
 
Dr. Jarbas Magalhaes                                    Dr. Cesar Eduardo Fernandes
Presidente da SOGESP                                   Diretor de Defesa Profissional da SOGESP


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