Todo dia, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) divulga a quantidade de água disponível no Sistema Cantareira. Em 15 de janeiro, o índice era de 6,2%. Na verdade, o número que melhor representa a realidade é 4,89%. A culpa não é da água que sumiu do reservatório, mas dos engenheiros da Sabesp, que talvez não seriam aprovados no Pisa.
O Pisa é um exame aplicado ao final do ensino médio. Ele mede a capacidade do aluno de usar conceitos básicos de matemática para entender e representar a realidade. O uso correto dos princípios por trás do conceito de porcentagem faz parte da prova todo ano. Afinal, porcentagem é algo com que nos deparamos e utilizamos todos os dias.
Imagine uma caixa d'água de 100 litros com 50 litros de água no seu interior. Que porcentagem deste reservatório está cheio? Você acertou, 50%. Ótimo. Agora imagine que, sem retirar uma gota de água do reservatório, você aumente a altura das paredes laterais e a caixa d'água passe a ter capacidade para 200 litros. Vamos refazer a conta? Que porcentagem deste reservatório está cheio? A caixa contém 50 litros de água e sua capacidade total é de 200 litros. Fácil, 25%. Agora imagine que você coloque mais 10 litros de água na caixa. Serão 60 litros em uma caixa de 200 litros, a porcentagem é de 30%. Parabéns, você acertou uma questão do Pisa.
E os engenheiros da Sabesp? Eles fazem a seguinte conta: são 10 litros a mais, 60 litros. Mas, como a caixa original tinha 100 litros, vamos continuar usando esse valor, desprezando o fato de a caixa d'água ter aumentado. Nessa conta, a porcentagem disponível é de 60% (60 divididos por 100 é 0,6, portanto 60%). Pronto, os mesmos 60 litros de água passaram de 30% para 60% e a crise não parece tão grave. Esses engenheiros seriam reprovados no Pisa.
Foi exatamente isso que aconteceu no Cantareira mas, em vez de aumentar a parede da caixa d'água, o fundo do reservatório foi rebaixado. Vou explicar.
O Sistema Cantareira pode armazenar 1.459 hm3 (1 hm3 equivale a 1 bilhão de litros). Mas, como o túnel que leva a água para São Paulo não está no fundo da represa, somente 974 hm3 podem ser retirados por gravidade. Os 486 hm3 que estão abaixo da entrada do túnel são o volume morto. Em meados de 2014, esses 974 hm3 haviam sido consumidos, e a água disponível ia acabar. Foi então que a Sabesp instalou uma série de bombas para sugar o fundo da represa e retirar 283 hm3 dos 486 hm3 que estavam no volume morto. É como se você tivesse baixando o fundo da caixa d'água. Quando as bombas foram ligadas, a quantidade de água disponível, que era praticamente zero, passou a ser 283 hm3. Isso evitou o colapso do Cantareira no segundo semestre de 2014. Mas a presença das bombas fez com que o volume disponível também aumentasse. Antes, era 974 hm3 e, agora, é de 1.257 hm3.
Em 15 de janeiro de 2015, restavam 61,57 hm3 de água que podiam ser retirados pelas bombas. A Sabesp diz que isso representa 6,2% do volume útil. Como ela faz essa conta? Ela divide o que resta (61 hm3) pelo volume do reservatório antes da incorporação do volume morto (974 hm3) e obtém um valor de 0,062. Pronto: 6,2%. Mas o volume total do reservatório, com a incorporação do volume morto, é de 1.257 hm3, não 974 hm3. Se você refizer as contas usando 1.257 hm3 vai obter 4,89%.
Você vai dizer que é preciosismo. Pode ser, mas veja a consequência. Imagine agora que chova um dilúvio e o Cantareira encha até a boca. Seriam adicionados 1.195 hm3 de água em uma noite (1.257 hm3 menos os 61,57 hm3 que já estão no reservatório). No dia seguinte, a conta da Sabesp seria a seguinte: 1.257 divididos por 974, ou seja, 129%.
A Sabesp teria de comunicar que o Cantareira estaria 129% cheio (e não vazou). Não faz sentido. Com o uso correto do conceito de porcentagem, o resultado seria 100%, o que reflete melhor a realidade. A conta feita pela Sabesp não representa adequadamente a realidade e cria uma impressão que o problema é menor do que ele é.
Existem duas explicações para esse comportamento. A primeira é que os engenheiros da Sabesp não são capazes de usar a matemática para representar de forma realista a disponibilidade de água. A segunda é que a empresa decidiu utilizar uma artimanha matemática para minimizar a crise. Prefiro a primeira hipótese. É difícil imaginar que uma empresa listada na bolsa tenha enganado clientes e investidores.
Fernando Reinach é biólogo
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