As teses etílicas e astrológicas de Amaury Jr., o colunista que brindou e bombou no viral ‘#Desenrola’
08 de fevereiro de 2014 | 17h 15
Juliana Sayuri - O Estado de S. Paulo
Enquanto o silêncio momentaneamente ocupa o estúdio, TP, luzes e câmeras se direcionam para ele. Vem a voz forte, que logo se vai – "Boa noite a todos, cof, cof, cof, tosse maldita filha da puta. Desculpe, cof, cof, cof, vamos gravar de novo? Vambora" –, mas logo volta – "Boa noite a todos! Bem-vindos a mais um programa. Meus amigos, nesta noite, vamos conversar com Adriane Galisteu, Falcão, Michel Teló e..." – e assim vai Amaury Jr., 63 anos, 32 de TV, entre um take e outro nos estúdios da RedeTV! e na sua produtora paulistana nos Jardins, entre os bastidores e o mise-en-scène que o fizeram famoso por mergulhar no mundo dos famosos. E cada mergulho, dizia-se ainda antes dos anos 2000, é um flash.
Felipe Rau/Estadão
Entre a fama de bon vivant e workaholic, apresentador trafega do útil ao fútil, mas não no inútil.
Mas Amaury Jr. está habituadíssimo aos holofotes. On the record, palavras improvisadas, mas francas, uma lábia perspicaz e um sorriso fácil que destaca as marcas de expressão ao redor dos olhos pequenos – marcas a cada quatro meses amenizadas com botox. Off the record, palavrões e expressões tão sinceras que nos lembram como o repórter é perfeitamente humano. "Tá vendo este sorriso? É um sorriso que não quero dar às 11 horas da manhã. Mas preciso dar", disse certa vez, um tanto mal-humorado, durante uma gravação em sua casa-estúdio nos Jardins.
Dias desses, Amaury Jr. se viu mais uma vez no centro das atenções ao postar o vídeo da música #Desenrola. Dizia no Twitter: "Gravei um vídeo para registrar minha indignação. Chega de complicação. Desenrola, Brasil!". Pipocaram teorias sobre os motivos multimidiáticos do colunista, que fez um rap e se transformou, entre outros, em Chiquinho Scarpa, Donald Trump e Hebe Camargo para a performance (meu amigo leitor, se você não viu, cá está:
http://youtu.be/DuIGbj-s-wc). Protesto contra a burocratização do País? Marketing viral para uma marca de camisinha? Narcisismo puro? Ideia absolutamente nonsense para se fazer de livre e espontânea vontade? Pileque? Ponto sem nó? Jamais. Após 24 horas, eis o mistério ilustrado: o vídeo faz parte de uma campanha publicitária do biscoito Negresco, talvez resposta frente à volta de seu rival Oreo ao Brasil. Até sexta, 1,5 milhão de visualizações no YouTube. Letra? Do rapper Gabriel, o Pensador – sim, o mesmo de 2345Meia78! Tá na Hora de Molhar o Biscoito.
Entre o biscoito fino e a massa, Amaury Jr. quis se divertir. Entrou no jogo, com bom humor semelhante àquele com que encontra seu xará Amaury Dumbo nas festas. "A sátira é maravilhosa. Adoro o Carioca. Além disso, fiquei popular com a garotada. Passo na rua e o pessoal berra ‘meu amigooooo!’. Fico feliz". Amaury, o Jr., já tinha recebido convites para fazer campanhas nesse estilo do Negresco, mas sentia que não era a hora. Agora, aceitou: "Participar de uma brincadeira dessas faz parte de uma atitude de renovação." E, se renovar é preciso, o jornalista sabe esse roteiro de cor.
Corta para a década de 1970. Diz-se paulistano por tempo, carioca por alma, mas Amaury de Assis Ferreira Júnior nasceu em Catanduva e adolesceu em São José do Rio Preto. O pai, filólogo revisor do Houaiss, adorava discutir dicionários com o filho – que aí herdou o conhecimento enciclopédico e as bisbilhotices históricas. Dizia o pai: "TV não presta". O filho estudou direito, deu o diploma para o pai, mas decidiu fazer carreira como jornalista. Estreou no rio-pretano Diário da Tarde, depois passou por Rádio Independência e fundou o Dia e Noite, que conquistou um Prêmio Esso graças a José Hamilton Ribeiro, em 1977. Por razões financeiras, o jornal fechou. Uma vez na capital, São Paulo, um se tornaria o José Hamilton Ribeiro, outro... o Amaury Jr.
Convidado para trabalhar na TV Tupi, Amaury Jr. idealizou o programa Flash, que traria destaques das principais festas da alta sociedade paulistana, mas a ideia ficou no papel. Queria transpor o colunismo social das páginas impressas, nas suas palavras, afrescalhado e até pedante, para a TV. "No papel, era preciso descrever o buffet, a música, os vestidos. Na TV, nada disso era necessário. Só precisava conversar com os convidados – afinal, as pessoas presentes nessas festas eram as pessoas que faziam a cidade acontecer."
Em 1980, a Tupi saiu do ar – o início do fim para os Diários Associados de Assis Chateaubriand. Depois, Amaury passou pelas revistas Fiesta e Status, até receber o convite da Rádio Gazeta, da Fundação Cásper Líbero, em 1982. Ali, desengavetou o Flash, em que lhe dariam 5 minutos diários para fazer uma síntese das festas paulistanas grã-finas. "Antigamente, as pessoas me acusavam de estar grávido de adjetivos. Diziam-me até um lambe-botas. A primeira crítica, a gente nunca esquece. Alguém escreveu assim: ‘Amaury Jr. e suas gravatas patrocinadas’. Isso me magoou muito. Como se eu fosse o único que vestisse uma marca na TV. Porra, fiquei arrasado. Mas levei tanto pau que fiquei calejado", lembra.
Tempo depois, o repórter foi convidado para levar seu programa para a TV Record e depois para a Rede Bandeirantes, onde ficaria por 16 anos. Ali filmaria e firmaria o estilo que o publicitário Washington Olivetto lhe atribuiu: "O jornalismo de Amaury Jr. trafega do útil ao fútil. Nunca esbarrando no inútil".
Foi um bom pedaço da nata à massa. Nos tempos áureos, Amaury Jr. registrou festas dignas de glamour. "O programa começou a florescer na época do The Gallery, pois José Victor Oliva era muito meu amigo. A casa era um QG do high society paulistano, inclusive das famílias mais tradicionais da cidade. Aliás, antes as famílias faziam grandes festas ‘espontâneas’, como aniversários e casamentos. Eram festas na casa de Hebe Camargo e Milu Villela, minhas amigas, minhas queridas, bons tempos... Aí conquistei livre acesso a esse universo. Te incomoda se eu fumar?"
Corta para a década de 2000. Na virada do milênio, Amaury Jr. trocou Band por Record. Ali deu o fora histórico de sua carreira: em 2001, entrevistou Marcelo Nascimento, que se passava por Henrique Constantino, o herdeiro da Gol, no carnaval de Recife. "Além da entrevista, fiquei chaleirando a figura, queria um patrocínio. Pô, lembra do cara? Educadérrimo, estiloso, fino. E era o figurão. Todo mundo erra. A história rendeu livro e filme, o Vips – e aceitei participar, o leite já tava derramado, fazer o quê? Tempos depois, entrevistei o falsário na prisão."
Logo em 2002, o repórter trocou Record por RedeTV! Digo repórter, pois, apesar de acusarem-no de bajular e forjar intimidade com suas fontes, Amaury Jr. faz esse papel: após um amigável beijo, não raro desliza o microfone e desfere uma questão imprevista e até impertinente, para arrancar informações interessantes do interlocutor. E, meu amigo jornalista, o portfólio impressiona: são mais de 30 mil entrevistas, incluindo personalidades como o ex-presidente Bill Clinton, a musa Liza Minnelli, o bilionário Donald Trump e a atriz Sophia Loren, sem esquecer de uma das estrelas nacionais mais esquivas, João Gilberto, em 1991 – que por dez anos estava sem se expor às câmeras da TV. Também foi o primeiro a entrevistar Paulo Maluf logo após sua saída da prisão, em 2005. Só Marisa Monte ainda recusa seus convites.
Amaury Jr., por sua vez, nestes tempos de Big Brother, recusa umas 20 pretendentes a celebridade por dia. "Nem uso a expressão ‘subcelebridade’. Prefiro ‘celebutantes’. Uns despontam, debutam e até caminham. A imprensa fica entretida com essa farofa. A mim, não me interessa. Até sofro para manter uma moldura no meu programa. Gosto de abordar assuntos sérios, mas também preciso fazer o jogo popular. Mas meu telespectador é Rolls-Royce. Os outros são Gol", diz, sério num instante, gargalhando noutro. "Festas são lugares para ver e para ser visto, oras. Mas os tempos mudam muito. As festas ‘espontâneas’ deram lugar a eventos empresariais, o lançamento do carro, do livro, do produto. O dinheiro rodou, pois muitas famílias tradicionais foram à bancarrota. A TV ficou mais e mais popularesca. Até brinco: se eu tiver José Saramago ressuscitado de um lado, Mulher Melancia de outro, quem devo entrevistar hoje? Mulher Melancia, c’est la vie."
Ossos do ofício, Amaury Jr. sabe o que é o fascínio da fama. "Nada mais me impressiona. O mundo virou um incêndio de vaidades." Dizia-se que o jornalista se esbaldava nos destilados para sobreviver a esse fogaréu nas festas. "Agora só fico no champanhe e no vinho. Depois de gravar, se a festa estiver legal... Bebo, sim. ‘Eu bebo, sim...’ Lembra a música?", interrompe, entre risos. "Te contei minha tese? Cuidado com os abstêmios. Hitler, Idi Amin Dada e Mussolini eram abstêmios. Não dá pra confiar. Quem fica ligeiramente lubrificado – não embriagado – jamais será um ditador. Lula nunca seria um ditador. Quem lubrifica a vida é melhor amante, melhor amigo, melhor marido. Sem uma pequena dose, a realidade é muito difícil", arremata.
Corta para o dia 25 de junho de 2013. Nessas décadas de TV, Amaury Jr. conquistou outras famas. Um paradoxo: seria um bon vivant ou um workaholic? "Pensam que vivo em ritmo de festa, com música, mulheres, bebida. Não é verdade. Trabalho duro. Trabalhei 32 anos sem parar. E se você me perguntar se tive recompensa financeira à altura... não". E os jabás? "Se sou convidado para uma festa para promover um produto, preciso cobrar. Isso é infomercial, formato consagrado na TV americana, não inventei. No ar, entra como um editorial, pois não posso tarjar como ‘informe publicitário’, como se faz no jornal." Nesse encontro na sua produtora, foram dois cigarros, dois cafés e um adesivo de nicotina embalando essas lembranças sobre sua trajetória profissional, que cita como se fossem ontem. Propostas para o SBT? "Só encontro Silvio Santos em embarque de aeroporto, incrível. Temos um ótimo relacionamento, mas ele nunca me convidou para mudar para o SBT. Só me convida para ser jurado do Troféu Imprensa." Globo? "Uma vez, nos tempos do Boni. Faustão, meu amigo, disse para ir conversar lá no Rio, lá na década de 1980. Fui. A primeira pergunta do Boni: ‘Que signo você é?’ Eu pensei: ‘Tô fodido, ninguém me avisou que o signo importava para trabalhar lá!’. No fim, não rolou."
Libriano de 28 de setembro de 1950, Amaury Jr. é casado há 34 anos com Celina Ferreira, com quem tem dois filhos, três netos e três cachorros. Celina é matemática e administra a Callme Comunicações, a produtora de Amaury Jr. O colunista mora no Ibirapuera, grava nos Jardins e na RedeTV!, Osasco, sempre acompanhado por André Levi, seu braço direito, Leandro Sawaya e Paola Novaes, seus diretores, e Manuel Camanho Stange, seu fiel Alex no estilo Jô Soares. "Sou pequenino perto dos gigantes, mas estou feliz", diz, sorrindo, enquanto traga a piteira eletrônica sabor Marlboro Light, sua alternativa para parar de fumar. Amaury acorda cedo, apesar de muitas vezes filmar festas até tarde – gravados, Amaury Jr. passa entre terça e sexta-feira, à 0:30, e Amaury Jr. Show aos sábados, às 19:30. E não gosta de comemorar aniversário. "Uma vez fiz uma festa no Club A, onde era sócio. Foi tiro no pé: 2 mil convidados entraram, 3 mil ficaram de fora. Tenho muitos amigos, não dá para reunir todos. Gosto de aniversariar, não fazer anos."
Corta para o dia 9 de outubro de 2013. Na Casa Fares, na Avenida Europa, Amaury Jr. era o anfitrião na festa de lançamento de sua linha de chocolates gourmet. Sem microfone, mas rodeado por câmeras e flashes de Nikons e iPhones, o colunista distribuía beijos e cumprimentava convidados um a um, por nome e sobrenome. Entre os presentes, habitués como Amir Slama, Caroline Bittencourt e Valdemar Iódice, Amilcare Dallevo Júnior e Daniela Albuquerque. Enquanto carrões desfilavam na avenida, executivos bonachões acompanhados por socialites com paetês e pretinhos pretensamente básicos desfilavam no hall. Impossível não lembrar do "meu amigo!" tão caloroso (e sincero) que Amaury Jr. dispara ao reencontrar alguém, nos bastidores ou no ar. "Amigos, amigos, negócios à parte? Não sei. Amigos pessoais e parceiros do business se cruzam, não dá para ficar pensando muito nisso, senão enlouqueceria nesse discernimento. Melhor é embolar tudo." Posou para fotos ao lado de personalidades, cumprimentou fotógrafos e garçons, bebericou champanhe socialmente. "Para mim, festa é trabalho." E assim, meu amigo, foi Amaury Jr. o último a sair da festa.
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